A obesidade pode ser considerada uma doença pandêmica global. Definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m², ela afeta 1 em cada 8 pessoas. Desde 1990, as suas taxas mais que dobraram em adultos e quadruplicaram em adolescentes. As morbidades associadas incluem doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, hipertensão e muitos cânceres comuns. Embora as ligações entre obesidade, níveis reduzidos de atividade física e dieta estejam bem estabelecidas, os indicadores de status socioeconômico, incluindo dias perdidos na escola, baixo nível de escolaridade e salário mais baixo, são negligenciados.
As complexidades da obesidade permanecem pouco compreendidas, e o estigma social resultante pode, injustamente, provocar sentimentos de vergonha ou culpa. Abaixo, estão listadas as principais razões pelas quais as pessoas ganham peso na esperança de entender melhor as áreas os profissionais de saúde podem atuar para promover uma melhor qualidade de vida.
Genética |
Estima-se que anomalias genéticas contribuam para a obesidade em cerca de 50% dos indivíduos. Pesquisadores identificaram inúmeros loci e polimorfismos associados à doença. No entanto, não se sabe quais genes são causais, onde atuam e os mecanismos subjacentes. Acredita-se que a genética possa determinar se um indivíduo será predisposto à obesidade, enquanto seu ambiente determinará sua extensão.
Existem dois tipos de obesidade ligada à genética: monogênica e poligênica. A primeira é caracterizada por uma forma autossômica (dominante ou recessiva), e as mutações geralmente estão localizadas em genes envolvidos na via de sinalização da leptina, proporcionando assim um alvo potencial para manipulação terapêutica. Esse hormônio é responsável por sinalizar ao hipotálamo sobre a disponibilidade e o armazenamento de energia. Pode reduzir o apetite e aumentar a produção de energia a partir das reservas de gordura, resultando em perda de peso.
Medicamentos podem ser aplicáveis para pacientes elegíveis. Por exemplo, a administração de metreleptina, uma proteína injetável semelhante à leptina, diminui tanto o apetite quanto a glicose em jejum para prevenir o ganho de peso. Mais difícil de manipular é a obesidade poligênica, causada por mutações em múltiplos genes diferentes. Nesta, uma variante pode ter apenas um pequeno efeito, mas em combinação, múltiplas mutações podem aumentar significativamente o risco de obesidade.
Epigenética |
Modificações epigenéticas favorecem o desenvolvimento da obesidade através de vias envolvidas no metabolismo, deposição de gordura e regulação do apetite. Algumas dessas ocorrem durante o desenvolvimento fetal sob a influência da nutrição materna. Além disso, a disbiose intestinal tem implicações na regulação da glicose e no sistema imunológico. Um dos motivos pelos quais o aleitamento materno precoce é incentivado é para proteger contra a obesidade
Modificações epigenéticas também podem ocorrer mais tarde na vida. Por exemplo, a gluconeogênese interrompida é atribuída à baixa atividade, alta ingestão de açúcar e gordura saturada e sono ruim.
Gravidez |
A saúde materna pode influenciar o peso de seus filhos ao longo da vida. A desnutrição materna pode levar ao baixo peso ao nascer (<2,5 kg), impactando significativamente o risco de obesidade e/ou diabetes tipo 2 mais tarde na vida. Bebês pequenos ao nascer passam por um "crescimento compensatório" precoce que está ligado ao desenvolvimento de gordura abdominal e obesidade na infância.
O diabetes gestacional aumenta o risco de sobrepeso ao nascer (macrossomia) e mais tarde na vida, bem como a intolerância à glicose e a hiperfagia. Além disso, pode potencializar a macrossomia em bebês amamentados através de níveis mais elevados de insulina e glicose no leite materno.
Outro fator que influencia o risco de obesidade após o nascimento é a exposição a toxinas, como organoclorados presentes em pesticidas e fumaça de cigarro.
Anormalidades hormonais |
Anormalidades do sistema endócrino, como deficiência do hormônio do crescimento e disfunção hipotalâmica, podem levar ao ganho de peso. O hipotireoidismo é relativamente comum, afetando em torno de 10% da população. Está associado à superprodução de cortisol, diminuição da taxa metabólica e termogênese, favorecendo a obesidade.
O estresse é em si uma causa de disrupção hormonal. Níveis aumentados de cortisol estão associados a comportamentos como comer demais e compulsão alimentar.
Medicação |
Fármacos como antidepressivos, antipsicóticos, alguns tratamentos para diabetes tipo 2, drogas antiepilépticas, esteroides e betabloqueadores podem promover a obesidade. Além disso, a microbiota intestinal também pode ser afetada por certas substâncias, como, por exemplo, antibióticos e cirurgia, influenciando assim o controle do peso.
Dieta moderna |
> Consumo de carne
Não surpreendentemente, existe uma correlação entre o consumo de carne e o IMC. Carboidratos e gorduras são agora a principal fonte de energia nos humanos e, quando a ingestão de proteínas excede as necessidades energéticas, ela é convertida em gordura. Além disso, as modernas práticas agrícolas intensivas produzem carne com alto teor de gordura e densidade energética.
De acordo com a OMS, a ingestão de proteínas deve ser de cerca de 0,8g/kg por dia, com estudos mostrando que indivíduos que excedem esta recomendação apresentam um risco 24% maior de obesidade. As proteínas vegetais têm menos impacto no IMC devido a um maior teor de fibras e diferente composição de aminoácidos. Isso poderia explicar por que o IMC de um vegetariano é, em média, 2 pontos menor do que o de uma dieta 'normal'.
> Alimentos ultraprocessados
Alimentos ultraprocessados (UPFs) são ricos em açúcares livres, gorduras trans e saturadas, bem como sal e numerosos aditivos alimentares. Por outro lado, são pobres em vitaminas, fibras, potássio e magnésio. Eles tendem a ser comercializados de forma atraente e vendidos em grandes porções prontas para consumo, incentivando comportamentos alimentares desordenados e lanches
Estudos demonstram que o consumo de UPFs, ricos em carboidratos refinados, aumenta a glicemia de jejum, o colesterol total, as lipoproteínas de baixa densidade e o risco de hipertensão, ao mesmo tempo que reduz a saciedade. Além disso, acredita-se que altere o 'neurocircuito de recompensa', levando a padrões alimentares viciantes.
Uma das mudanças associadas à vida moderna é uma alteração na proporção de ácidos graxos poli-insaturados (PUFA) ômega-6 (n-6) para ômega-3 (n-3). Os primeiros são encontrados em aves, ovos e cereais, enquanto os segundos principalmente em peixes, nozes e sementes. O aumento da proporção de n-6 para n-3 devido às mudanças alimentares na agricultura moderna e ao processamento de alimentos foi associado à inflamação e ao aumento das citocinas circulantes que incentivam a adipogênese.
Socioeconômico |
Gênero, etnia, status social, posição ocupacional e status socioeconômico estão fortemente associados à obesidade. Muitos dos afetados são minorias raciais e mulheres. Nessas populações, fatores genéticos e culturais são agravados pela segregação e pelo acesso precário aos cuidados de saúde. Isso pode ser potencializado pela crença de que produtos frescos são caros, agravado por supermercados de baixo preço que estocam opções saudáveis limitadas.
Pesquisas destacaram que o marketing para UPFs é mais direcionado a populações vulneráveis, com o maior impacto sobre as crianças, perpetuando seu consumo de açúcares e sal.
> Educação, comportamentos alimentares e atividade física
A educação desempenha um papel na obesidade, promovendo ou não a atividade física e seu impacto positivo na saúde. Estudos em gêmeos criados separadamente, comparados com gêmeos criados juntos, destacaram que o risco de um indivíduo é principalmente influenciado por adultos ao redor em sua vizinhança, casa ou emprego.
A vida familiar é um fator chave na obesidade. Membros da mesma família tendem a compartilhar comportamentos alimentares prejudiciais, incluindo baixa ingestão de frutas e vegetais, grandes porções e preferência por alimentos processados ou bebidas energéticas. Não surpreendentemente, o tempo excessivo de tela está associado à inatividade e a um IMC mais alto. Impactando ainda mais no gasto energético diário geral, estão empregos menos exigentes fisicamente, trabalho remoto, compras online e serviços de entrega em domicílio.
A qualidade do sono demonstrou proteger contra o ganho de peso e ajudar a manter uma proporção saudável de massa gorda/muscular. Crianças com sono interrompido são propensas a desenvolver obesidade e anormalidades metabólicas. Além disso, aquelas que pulam o café da manhã correm maior risco de obesidade.
Para incentivar uma alimentação mais saudável, muitos governos agora exigem a rotulagem de alimentos em embalagens e menus. Na Europa, 60% das pessoas afirmam observar o conteúdo nutricional dos alimentos que compram. Aqueles que demonstram interesse tendem a comer mais fibras e ferro e têm uma menor ingestão de energia.
A insegurança alimentar (IA) aumenta o risco de obesidade. Embora medidas como refeições escolares gratuitas e clubes de café da manhã sejam louváveis, elas não abordam os fatores socioeconômicos que alimentam a IA.
Vizinhança |
A infraestrutura na qual o paciente mora influência no seu peso. A facilidade de acesso a instalações como escolas e se é necessário dirigir ou usar o transporte público, em vez de caminhar ou andar de bicicleta, são fatores-chave. Vizinhanças, tipicamente áreas residenciais estabelecidas, bem conservadas e seguras, com parques acessíveis a pé e instalações recreativas, diminuem a obesidade, incentivando o exercício regular. Em comparação, novos empreendimentos tendem a ser descentralizados, com acesso precário ao transporte público. Isso é exemplificado por chances 1,36 vezes maiores de obesidade em áreas rurais em comparação com áreas urbanas.
O fácil acesso a supermercados está associado a uma dieta mais equilibrada entre os moradores que usam alimentos de melhor qualidade preparados em casa. Geralmente, há menos supermercados em bairros menos afluentes e não brancos, incentivando os moradores a usar estabelecimentos de fast-food não saudáveis.
Imagem 1: Resumo dos principais fatores de risco para a obesidade. Imagem retirada de Philippon e colaboradores (2025).
Conclusão |
A obesidade e a manutenção de um peso saudável são mais complicadas do que o excesso de calorias e a falta de exercício. Muitas vezes, os pacientes estão à mercê de uma complexa interação entre os genes, questões pessoais de saúde, os alimentos consumidos, a influência de seus familiares e amigos, o nível educacional e socioeconômico e o ambiente. O cenário de tratamento está mudando com o advento de opções terapêuticas injetáveis, como liraglutida, semaglutida e tirzepatida. Isso pode levar alguém a concluir que fazer dieta será, no futuro, desnecessário. Embora alguns sejam ajudados, vale a pena lembrar que o tratamento é caro, pode ter efeitos colaterais e pode produzir apenas benefícios temporários.
Embora a intervenção médica possa ser a resposta para alguns, a interação entre profissionais de saúde, educadores, planejadores urbanos e legisladores é extremamente necessária para resolver a questão da obesidade.