Atualização a partir das questões chaves

Miastenia grave: perguntas frequentes

Atualização a partir das questões chaves

Autor/a: John A Morren, Yuebing Li

Fuente: Cleve Clin J Med 2023 Feb 1;90(2):103-113

Introdução

A miastenia grave é um transtorno neuromuscular autoimune que causa debilitação do músculo esquelético. Sua fisiopatologia implica uma perca da função do receptor de acetilcolina (AChR) na união neuromuscular.
É mais provável que certos grupos de músculos esqueléticos estejam envolvidos mais do que outros, mas o padrão varia amplamente entre os pacientes e depende do curso clínico individual. Em consequência, a miastenia grave pode ser classificada como ocular (em que a debilitação se limita aos músculos oculares extrínsecos e ao levantador da pálpebra superior) ou generalizada (em que estão envolvidos músculos além daqueles do formato do olho, incluindo os das extremidades, o músculo bulbar e a região orofaríngea, e os músculos da respiração).

As seguintes 12 perguntas e respostas frequentes tem como objetivo proporcionar informação atualizada, de alto rendimento e clinicamente relevante sobre a miastenia grave. 

1- Qual população se encontra em risco?

Os parentes de primeiro grau das pessoas com miastenia grave possuem um maior risco não somente da doença, mas como também de outras doenças autoimunes. A doença de tireoide (tireoidismo de Hashimoto, doença de Graves) é a mais frequente, seguida da artrite reumatoide.

2- Quando um médico deve pensar sobre esse diagnóstico?

Pense na miastenia grave quando um paciente possui debilitação e fadiga, especialmente dos músculos oculares que produz diplopia variável, ptose e fraco fechamento ocular. Estas são as características clínicas centrais.

A fraqueza muscular é flutuante, piorando classicamente com atividade física sustentada ou repetitiva, à noite ou durante a noite, e melhorando com o repouso. Nos braços e pernas, a fraqueza geralmente afeta mais os músculos proximais do que os distais. Na boca e no pescoço, pode ser observada fraqueza bulbar proeminente, incluindo disartria, fala nasal, disfagia, mau controle da saliva, dificuldade de mastigação e fraqueza no pescoço.

É importante sinalizar que os pacientes geralmente não possuem sintomas sensoriais ou de dor, disfunção intestinal ou vesicular, nem mudanças do estado mental ou cognição. Além disso, os reflexos tendinosos profundos podem estar intactos. A tabela 1 enumera os transtornos comuns no diagnóstico diferencial da miastenia grave e suas características distintivas.

TrastornoSemelhanças com miastenia graveDiferenças com miastenia gravis
Síndrome de Lambert-EatonDebilitação e fadiga

Menos características oculares ou oculobulbares
Proeminente.
Areflexia ou hiporreflexia.
Características autonômicas (boca seca, disfunção erétil).
Anticorpo positivo contra o canal de cálcio dependente de voltagem P/Q.
O teste de estimulação nervosa repetitiva de alta frequência mostra uma resposta incremental.

BotulismoAchados oculares (diplopia e ptose), disfunção bulbar, debilitação generalizada

Ataque agudo, possível história de intoxicação alimentar.
Paralisia descendente.
Dilatação da pupila (midríase).
Disfunção autonômica proeminente.
Curso monofásico.
O teste de estimulação nervosa repetitiva de alta frequência mostra uma resposta incremental.

Esclerose Lateral AmiotróficaDisfunção bulbar e debilitação

Curso progressivo lento.
Sem achados oculares.
Os sintomas não flutuam.
Achados de disfunção do neurônio motor superior (por exemplo, hiperreflexia, espasticidade).
Eletromiografia mostrando denervação ou reinervação ativa e crônica proeminente, ou ambas.

MiopatiaDebilitação de extremidades proximais

Ausência relativa de achados oculares.
Os sintomas não flutuam.
Elevação da creatina quinase e presença de anticorpos específicos para miosite em casos de miosite autoimune ou inflamatória.
O teste de estimulação nervosa repetitiva é normal, enquanto a agulha da eletromiografia mostra potenciais de unidade motora polifásicos, de curta duração e baixa amplitude, com ou sem atividade espontânea anormal.

Síndrome de Guillain-Barré e polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônicaDebilitação generalizada 

Sintomas sensoriais como dor e parestesia.
Os sintomas não flutuam.
Hiporeflexia ou arreflexia
O líquido cefalorraquidiano apresenta proteínas elevadas, pleocitose não significativa.
Estudos de condução nervosa revelam resultados consistentes com desmielinização.

Doença ocular da tireoideDiplopia

A ptose é rara.
Os sintomas não flutuam.
Outros achados oculares como edema, vermelhidão, injeção conjuntival e exoftalmia.
Ressonância magnética mostrando aumento do tecido extraocular.

Distrofia muscular oculofaringeaPtose, diplopia e disfagia

Curso lentamente progressivo.
Ausência de flutuação sintomática.
Ausência relativa de fraqueza proeminente nas extremidades. Elevação da creatina quinase.
Mutações no gene PABPN1; padrão de herança predominantemente autossômico dominante.

Tabela 1. Características chave que distinguem a miastenia grave de outros diagnósticos comuns

3- Quais testes devem ser solicitados?

Primeiro deve se solicitar teste de anticorpo, no entanto, em alguns casos pode-se solicitar também eletrodiagnóstico e outros testes.

Testes de anticorpos

Anticorpo anti-AChR é altamente específico (>90%) e muito sensível (até cerca de 85%) naqueles com miastenia grave generalizada.

Anticorpo anti-MuSK, em pacientes com miastenia grave que são soronegativos para anticorpos anti-AChR, até cerca de 37% tem anticorpos anti-MuSK. No entanto, a sensibilidade do anticorpo anti-AChR é mais baixa, cerca de 50%, naqueles que possuem miastenia grave puramente ocular.

Anticorpo antiproteína relacionada com lipoproteína 4 (LRP4) se encontra em 3% a 50% dos pacientes restantes com miastenia grave generalizada que são soronegativos aos anticorpos anti-AChR e anti-MuSK.

Anticorpos antimúsculo estriado são muito menos específicos para a miastenia grave e se observam em cerca de 30% dos pacientes. São mais úteis como marcador de timoma, especialmente em pessoas que são de idade avançada. Portanto, a miastenia grave não pode ser confiavelmente diagnosticada sobre a base deste anticorpo somente.

Testes de eletrodiagnóstico

Dois testes eletrodiagnósticos (estimulação nervosa repetitiva e eletromiografia de fibra única) fornecem evidências objetivas de comprometimento da transmissão da junção neuromuscular e são úteis no diagnóstico de miastenia gravis. Não precisam ser realizados em todos os pacientes, mas fornecem evidências diagnósticas de suporte, especialmente naqueles que são soronegativos e quando é necessária uma confirmação rápida.

Estimulação nervosa repetitiva utiliza “trens” repetidos de estimulação nervosa para gerar respostas musculares elétricas. A sensibilidade e a especificidade da estimulação nervosa repetitiva dependem das combinações de nervo e músculo examinadas, a gravidade da miastenia grave e os valores de coorte utilizados para uma resposta decrescente. Sua sensibilidade diagnóstica geral oscila entre 30% a 80% para a doença generalizada, com menor sensibilidade na doença mais leve ou quando se examinam os músculos distais. Na miastenia grave ocular, sua sensibilidade é somente de 10% a 30%.

Eletromiografia de fibra única utiliza pequenos eletrodos de agulha para medir a variabilidade dos potenciais de uma fibra muscular, um reflexo da transmissão da união neuromuscular. É mais sensível que a estimulação nervosa repetitiva (62% a 99% para a miastenia grave ocular e 75% a 98% para a miastenia grave generalizada). Portanto, um resultado normal em um músculo clinicamente debilitado basicamente descarta a miastenia grave. Sua especificidade informada varia de 66% a 98% para a miastenia grave ocular e cerca de 98% para a miastenia grave generalizada.

Outros testes

Também são úteis em pacientes com suspeita de miastenia grave os testes para doenças comórbidas comuns, por exemplo, tomografia computadorizada do tórax ou ressonância magnética para anomalias tímicas. Deve-se estar atento às características clínicas que podem sugerir condições autoimunes comórbidas que exigiriam testes sorológicos adicionais, como imunoglobulina estimuladora da tireoide, antitireoperoxidase, antitireoglobulina ou fator reumatoide.

4- Como afeta o curso natural do tratamento?

A miastenia grave tende a progredir, especialmente nos primeiros anos, por isso é recomendado tratar de forma agressiva com imunopressores desde o início e logo ir diminuindo gradualmente.

Aproximadamente a metade dos pacientes podem alcançar a remissão ou sintomas mínimos com imunoterapia de dose baixa. Porém, os médicos devem ter cuidado com a interrupção total da imunoterapia, já que cerca de 10% dos pacientes podem alcançar uma remissão estável completa sem esta intervenção.

5- Quais instruções devem receber os pacientes?

Depois de que se diagnostica a doença, deve-se informar aos pacientes sobre o seu curso típico e seu prognóstico em grande média benigno. Os pontos a discutir incluem:

- Sintomas específicos da doença, incluindo os sinais de alerta.

- A importância da tendência progressiva da gravidade e frequência dos sintomas, em lugar de sua piora transitória.

- Desencadeantes comuns, como o calor, a infecção, a cirurgia, a gravidez, os transtornos emocionais e certos medicamentos.

- O regime de medicação pretendido, particularmente imunoterapia e potenciais efeitos colaterais, para garantir a adesão.

Muitos pacientes com miastenia grave são cautelosos com o esforço físico, por temer que o exercício piore seus sintomas. Porém, a maioria pode tolerar e beneficiar-se de alguma forma de atividade. Os pacientes com doença leve podem participar de treinamentos de resistência e aeróbico. Para aqueles com sintomas graves, os exercícios de alongamento como o tai chi, yoga e o de equilíbrio são os mais adequados.

6- Quais medicamentos é melhor evitar?

Os medicamentos claramente contraindicados na miastenia gravis incluem telitromicina, magnésio intravenoso, toxina botulínica e penicilamina.

7- Como deve ser usada a piridostigmina?

A piridostigmina, é o inibidor da acetilcolinesterasa mais utilizado para o tratamento sintomático da miastenia grave, pode utilizá-lo em casos leves ou em combinação com imunossupressores em casos mais graves. Porém, sua eficácia pode ser mínima em pacientes com doença grave ou de longa duração. 

A dose de piridostigmina pode se ajustar de 240 a 360 mg diários, mas os efeitos secundários são mais comuns em doses mais altas e a sobredose pode provocar uma maior debilitação. Na prática, se um paciente necessita mais de 240mg por dia, é a hora de passar para a imunoterapia. Uma vez que a miastenia grave se controla com imunoterapia, a maioria dos pacientes não necessitam piridostigmina.

Os efeitos secundários mais comuns são gastrointestinais, por exemplo, cólicas abdominais, fezes moles e flatulência. Bradicardia, broncoespasmo, aumento da sudorese, lacrimejamento excessivo, espasmos musculares e cãibras são outros efeitos a serem considerados. Para controlar essas manifestações, o glicopirrolato oral ou a hiosciamina podem ser administrados ao mesmo tempo que as doses de piridostigmina.

8- Quando devem utilizar os corticosteroides?

De acordo com as guias de consenso, deve-se usar corticosteroides ou medicamentos imunossupressores não esteroides em todos os pacientes com miastenia grave que não tenham alcançado seus objetivos de tratamento depois de um teste adequado de piridostigmina. 

Os pacientes ambulatoriais com sintomas leves a moderados podem começar com 20mg de prednisona ao dia e aumentar gradualmente a dose diária em 10mg cada 1 ou 2 semanas até aproximadamente 60mg ao dia, ajustando a dose segundo a resposta clínica. Uma vez que se observa uma melhoria significativa depois de começar a terapia com corticosteroides, não havendo necessidade de esperar que ocorra a melhoria máxima antes de começar a diminuir estes medicamentos.

9- Quando deve utilizar outros imunossupressores?

As terapias imunossupressoras não esteroides devem ser consideradas nas seguintes situações:

- falta de resposta significativa a prednisona

- mais de 1 recaída após redução gradual da prednisona

- incapacidade para reduzir a prednisona a uma dose mínima aceitável

- contraindicações da prednisona, como obesidade mórbida, diabetes mellitus frágil, úlcera péptica, alto risco de osteoporose ou efeitos secundários significativos da prednisona

Os fármacos imunossupressores não esteroides como azatioprina, micofenolato mofetilo, metotrexato, ciclosporina, tacrolimus e rituximabe tem sido amplamente utilizado na miastenia grave para evitar o uso de corticosteroides. Os agentes mais novos aprovados recentemente, como eculizumabe, ravulizumabe e efgartigimod, também podem cumprir este propósito.

Às vezes, a terapia imunossupressora não esteroide também pode ser administrada como imunossupressor inicial para pacientes com doença leve que estão satisfeitos com um curso lento de melhoria. Em pacientes com deficiência significativa que tem contraindicações para os corticosteroides, a imunoglobulina intravenosa, o efgartigimod ou plasmaférese podem ser usados ​​inicialmente para acelerar a melhora clínica e, ao mesmo tempo, dar tempo para que uma terapia imunossupressora não esteroide alternativa produza seu efeito terapêutico.

10- Qual é o papel do timo? Quem deve realizar uma timectomia?

A glândula do timo é essencial no desenvolvimento da tolerância central e diferenciação de células T e, portanto, é provável que desempenhe um papel importante na imunopatogênese da miastenia grave.

Em aproximadamente 10% dos pacientes, a miastenia grave é uma manifestação paraneoplásica de uma neoplasia tímica subjacente (geralmente timoma, forma rara de carcinoma tímico). No entanto, a hiperplasia linfoide tímica é observada em cerca de 65% dos pacientes com miastenia grave. A hiperplasia linfoide consta de numerosos linfócitos, macrófagos e células plasmáticas, o que reflete na autoimunidade subjacente da doença grave que geralmente começa na glândula do timo.

A timectomia é indicada em todos os pacientes com neoplasias tímicas. Pelo contrário, a candidatura para a timectomia depende de vários fatores, incluindo o estado dos anticorpos AChR, a severidade, a duração da doença e a idade do paciente.

É provável que a timectomia em pacientes adultos de 50 anos ou menos melhore os resultados clínicos e permita uma farmacoterapia mínima, incluindo o uso e da dosificação de imunossupressores.

O benefício da timectomia em pacientes de 51 a 65 anos é mais equívoco, e a timectomia geralmente é evitada em pacientes maiores de 65 anos, já que a relação risco-benefício é menos favorável.

11- Como se pode prevenir, reconhecer e tratar a crise miastênica?

Uma crise miastênica é uma deterioração potencialmente mortal da debilitação dos músculos respiratórios ou bulbares relacionados com a miastenia grave que é suficientemente severa a ponto de necessitar de intubação, ventilação mecânica ou ambas.

As medidas chave para prevenir tal crise são o controle constante da doença e evitar os fatores desencadeantes ou precipitantes.

Manejo da crise miastênica

O manejo da crise miastênica implica otimizar o manejo médico das doenças médicas intercorrentes (incluindo as infecções), eliminar qualquer medicamento culpado e administrar imunoterapias agressivas destinadas a melhorar rapidamente a transmissão da união neuromuscular.

As principais terapias são a plasmaférese (também conhecida como troca de plasma) e a imunoglobulina intravenosa, mas geralmente não ambas. Tanto a primeira quanto a segunda podem começar a produzir melhorias clínicas dentro de alguns dias. No entanto, uma vez que a sua eficácia pode começar a diminuir dentro de algumas semanas, é necessário um aumento concomitante na imunoterapia de base (por exemplo, corticosteróides). Os medicamentos anticolinesterásicos geralmente são descontinuados durante uma crise miastênica, especialmente se o paciente precisar ser intubado, pois a descontinuação reduzirá as secreções orofaríngeas e o risco de aspiração.

12- Quais são os novos tratamentos que estão no horizonte?

Os inibidores do complemento eculizumabe e ravulizumabe e o bloqueador do receptor Fc neonatal efgartigimod foram recentemente aprovados pela Food and Drug Administration dos EUA para o tratamento da miastenia gravis positiva para anticorpos AChR, e muitos tratamentos mais novos com diversos mecanismos de ação estão sendo estudados.

As imunoterapias mais recentes são geralmente mais seletivas nos seus alvos imunológicos do que as mais antigas. Consequentemente, têm a vantagem de causar menos efeitos adversos, incluindo infecções potencialmente fatais. No entanto, são caras e uma grande desvantagem é a sua “toxicidade financeira”. Para muitos pacientes, as imunoterapias de amplo espectro mais antigas continuarão sendo um componente-chave do tratamento devido ao menor custo, facilidade de uso e potencial para induzir a remissão. No entanto, o ritmo das principais inovações terapêuticas neste campo não tem precedentes e o futuro do tratamento da miastenia gravis é promissor.