Entrevista com o Dr. José Mordoh

Como funciona a vacina terapêutica argentina contra o melanoma?

Aprovada sob condições especiais, destina-se a pacientes com alto risco de desenvolver metástase e está prestes a ser lançada no mercado. O líder da equipe que a desenvolveu forneceu detalhes.

Autor/a: Celina Abud

Uma vacina terapêutica contra o melanoma, desenvolvida na Argentina e destinada a pacientes nos estágios iniciais, mas com alto risco de disseminação, estará disponível para venda nos próximos meses. Trata-se da Vaccimel, resultado de anos de trabalho da equipe liderada pelo Dr. José Mordoh, médico e diretor do Centro de Pesquisas Oncológicas da Fundação Câncer (FUCA) e pesquisador emérito da Fundação Instituto Leloir.

A vacina é baseada na ideia de usar múltiplos antígenos para evitar que as células tumorais desenvolvam resistência e tem como objetivo prevenir a metástase em pacientes. É administrada por via intradérmica e seu mecanismo de ação envolve a ativação de células dendríticas nos gânglios linfáticos, que ensinam aos linfócitos como reconhecer e eliminar as metástases. Em entrevista à IntraMed, Mordoh mostrou-se esperançoso com o lançamento e revelou que seu objetivo futuro é desenvolver novas vacinas e expandir seu alcance. Aqui estão suas respostas.

Como surgiu a ideia para a vacina?

A ideia se deu a partir de um programa de pesquisa que elaborei há anos, baseado em meus conhecimentos como médico e pesquisador científico do Conicet. Eu tinha a ideia de que o sistema imunológico seria capaz de combater o câncer. Na época - década de 1980 - essa era uma noção que era descartada, pois não havia resultados concretos e o assunto havia sido pouco explorado.

Parti desse conceito básico e precisava apenas escolher em qual tumor desenvolveria o projeto. Isso levou alguns anos e algumas tentativas com outros tumores, pois o sistema imunológico é sensível ao uso da quimioterapia, que afeta as células tumorais, mas também as células do sistema imunológico na medula óssea. Portanto, se eu citasse pacientes, por exemplo, com câncer de mama, já vinham sendo tratados com quimioterapia e seus sistemas imunológicos estavam muito afetados, não funcionando normalmente. Levei anos para chegar a essa conclusão.

Então comecei a pensar no melanoma. As razões foram que era um tumor em crescimento em incidência e que não se sabia como tratar. Portanto, não tinha o problema desses tratamentos prévios que destroem a medula óssea. E havia alguns indícios de que o câncer poderia estar de alguma forma relacionado ao sistema imunológico, pois a literatura mencionava casos muito esporádicos (relatados como raros) de remissões espontâneas, em que o tumor desaparecia sozinho, sem intervenções de nenhum tipo.

Além disso, a doença vitiligo (manchas brancas na pele) ocorre quando o sistema imunológico ataca os melanócitos, células normais que são as precursoras do melanoma e sintetizam melanina. Então, havia uma necessidade, uma disponibilidade e um possível indício de que isso poderia funcionar.

Poderia dar detalhes sobre a investigação?

Quando estava trabalhando com bactérias com François Jacob no Instituto Pasteur da França, começamos a entender os mecanismos da biologia celular básica, da divisão e da duplicação do DNA, da sua síntese, mas também observamos o quão fácil era desenvolver resistência a diferentes fármacos, e essa era amplamente observada em células humanas quando eram usadas quimioterapias (em pouco tempo, as células se tornavam resistentes e o paciente não respondia mais).

Então soubemos que tínhamos que usar muitos antígenos para dificultar que a célula tumoral desenvolvesse resistência a todos os antígenos que estávamos fornecendo. E aí surgiu a ideia inicial de fazer uma vacina com uma enorme quantidade de antígenos. Naquela época, não sabíamos quantos usar. Além disso, pouco tempo antes, César Milstein havia descoberto a técnica para produzir anticorpos monoclonais contra um antígeno. É importante esclarecer que no campo do melanoma ainda há muito a se descobrir, não conhecemos exatamente todos os antígenos envolvidos e ainda não há um anticorpo monoclonal terapêutico contra o melanoma.

Nesse contexto, começamos a isolar células de diferentes pacientes, colocá-las em cultura, estudá-las, observar como se comportavam, qual era a taxa de divisão, se eram ou não estáveis. Todo esse processo começou na Fundação Instituto Leloir, até que as linhagens fossem testadas e prontas. E, em 1997, criei o Centro de Pesquisas Oncológicas da Fundação Câncer (FUCA), que funciona no Instituto Alexander Fleming, onde continuamos o projeto.

Qual o objetivo da vacina e para quais pacientes é destinada?

O objetivo da vacina terapêutica é evitar o desenvolvimento de metástases.

Destina-se a pacientes com melanoma em estágios iniciais, mas com alto risco de disseminação. São pacientes nos estágios 2b, 2c e 3a, que têm um alto risco de desenvolver metástases, mas cuja metástase ainda não é detectável. Esse é o momento ideal para administrar a vacina.

Qual mecanismo de ação da vacina? Como vai ser administrada?

O mecanismo de ação da vacina terapêutica contra o melanoma é provavelmente mais complexo do que inicialmente pensado. Quando a vacina é injetada na presença de BCG e GM-CSF (fator estimulante de monocitos, macrófagos e granulócitos), ela cria um estado pró-inflamatório no local da vacinação. A vacina é injetada em ambos os braços sempre que não tenha ocorrido esvaziamento dos gânglios ou nas duas coxas perto das regiões inguinais, desde que haja gânglios disponíveis.

Essa vacina é de alguma forma captada pelos monocitos e transportada para os gânglios linfáticos, onde ocorre uma ativação das células dendríticas presentes nesses gânglios. Essas células dendríticas são responsáveis por ensinar aos linfócitos virgens, que ainda não conhecem quais antígenos reconhecer, a identificação desse antígeno e a patrulha pelo corpo em busca de metástases. Quando encontram uma metástase, elas a eliminam. Esse é o mecanismo de ação que atualmente acreditamos existir.

A aplicação aprovada consiste em 13 doses administradas ao longo de dois anos (9 durante o primeiro ano e 4 doses durante o segundo ano).

Em que países será disponibilizada?

Inicialmente, estará disponível na argentina. Caso outros países queiram comprá-la, acredito que não haverá limites para sua venda.

A vacina passou pelas fases 1 e 2. Poderia nos detalhar sobre os resultados de cada fase? Planeja realizar um estudo de fase 3 paralelamente a sua comercialização?

Após numerosos ensaios pré-clínicos em laboratório e em animais de experimentação, observando bons resultados, começamos a usar adjuvantes, BCG e uma citocina chamada GM-CSF, que estimula monócitos, macrófagos e granulócitos. Depois, empregamos outra substância chamada Molgramostim, que estimula a medula óssea a produzir células da série mieloide, essencialmente granulócitos e monócitos.

Os ensaios clínicos começaram no final dos anos 1990. Na primeira década dos anos 2000, realizamos ensaios clínicos de fase 1, usando a vacina mais semelhante à atual. É importante esclarecer que as células de melanoma, que compõem a base da vacina, são irradiadas (esterilizadas), podendo apresentar antígenos, mas não podem se dividir, ou seja, são inertes.

Posteriormente, adicionamos o BCG, pois é um imunoestimulador muito potente e tem efeitos que ainda estamos estudando, além do GM-CSF.

Após esse desenvolvimento, que levou anos, realizamos um estudo de fase 2, comparando pacientes no estágio 3 (que tiveram metástase do tumor primário para os gânglios linfáticos, com risco de disseminação para outras partes do corpo). O objetivo da vacina era interromper esse desenvolvimento em outras partes do corpo, com o principal objetivo de deter a metástase. Comparamos pacientes nos estágios 3, 2B e 2C (tumores ainda localizados, mas com maior profundidade do melanoma, ou seja, que não são curáveis apenas com cirurgia).

No ensaio de fase 2, comparamos pacientes tratados com a vacina com pacientes tratados com interferon alfa 2B, que era o medicamento aprovado até 2009. Em 2014, encerramos o ensaio de fase 2, demonstrando que os pacientes vacinados com Vaccimel tinham menos metástases do que os pacientes tratados com interferon.

Nesse momento, o Laboratório Casará apresentou um pedido para que o tratamento do medicamento fosse aprovado sob condições especiais, o que significa que essa aprovação dura um ano (renovável) e que os pacientes devem ser monitorados muito cuidadosamente, com um programa de acompanhamento. Além disso, os médicos que aplicam a vacina também devem ser treinados; o produto deve ser preparado em farmácias hospitalares e aplicado em centros hospitalares, não em consultórios.

Quanto às próximas fases, não está descartada a realização de uma fase 3 paralelamente à comercialização. No entanto, o cenário do melanoma está mudando tão rapidamente que é preciso pensar muito bem sobre isso. Um ensaio de fase 3 precisa ser multicêntrico, requer um número maior de pacientes e sempre há a possibilidade de realização, mas atualmente não estamos trabalhando nisso.

Quais são suas expectativas?

Nossas expectativas hoje são concluir o lançamento do Vaccimel no mercado e organizar a formação de médicos e farmacêuticos que irão preparar esta vacina. Também aspiramos a avançar com melhores desenvolvimentos e ampliar o alcance das vacinas que possuímos. A pesquisa continua progredindo e, por isso, gostaria de agradecer à minha equipe, especialmente à doutora Marcela Barrio, e, é claro, à Fundação Leloir, à Fundação Câncer, ao Instituto Fleming, onde os ensaios foram realizados, ao CONICET, à Agência de Promoção Científica, ao Instituto Nacional do Câncer, à ciência argentina e, especialmente, aos pacientes que colaboraram com este ensaio, aceitando participar. A todos eles, meu enorme agradecimento, respeito e carinho.


*Dr. José Mordoh é médico e pesquisador emérito da Fundação Instituto Leloir e diretor do Centro de Pesquisas Oncológicas da Fundação Câncer (FUCA). Ele é:

  • Criador do Laboratório de Cancerologia da Fundação Leloir (1972)
  • Fundador da Fundação Câncer (1983)
  • Membro Fundador do Instituto Médico Especializado Alexander Fleming (1994)
  • Fundador da Maestría em Biologia Molecular Médica da Universidade de Buenos Aires (2001)
  • Presidente do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Alexander Fleming (2011)