A mãe da psicóloga Daniela Grolli tinha 62 anos quando começou a ter episódios de esquecimento. Lembrar de tarefas do dia a dia ou dos compromissos da família foi ficando cada vez mais difícil, mas foi só alguns anos mais tarde, com 67 anos, que Jocelira Grolli foi finalmente diagnosticada com a doença de Alzheimer. Alguns meses depois, no começo de 2022, ela fez exames complementares e começou a receber medicamentos específicos para tratar seus sintomas.
Embora mais de 55 milhões de pessoas em todo o mundo convivam com a doença, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os medicamentos atuais, como os que Jocelira toma, não agem diretamente nos mecanismos que causam a doença. Atualmente, os remédios disponíveis no Brasil têm o papel de retardar a progressão dos sintomas.
O cenário pode mudar nos próximos anos com o desenvolvimento de drogas que agem contra os acúmulos de proteína que se formam no cérebro de pacientes com Alzheimer. Um desses medicamentos é o lecanemabe, que teve novos resultados divulgados em novembro do ano passado. De acordo com as fabricantes Eisai e Biogen, a droga é capaz de reduzir em até 27% a deterioração cognitiva nos pacientes, em comparação com o grupo que recebeu placebo.
O lecanemabe foi testado com 1.795 pacientes de 14 países que apresentaram sintomas de Alzheimer leve e acúmulo de proteínas beta-amiloides no cérebro. Além de reduzir a deterioração causada pela doença, a droga causou 26% de melhora cognitiva e 36% de melhora na funcionalidade em 18 meses de tratamento. Por conta desses resultados, a agência de regulamentação de medicamentos americana, a Federal Drug Administration (FDA, na sigla em inglês), concedeu em janeiro deste ano uma aprovação por via acelerada para o medicamento, que deve ser vendido no país por US$ 26 mil por ano, segundo a fabricante.
Outro medicamento de funcionamento parecido, chamado aducanumabe, também chegou a ser aprovado para uso clínico nos EUA, em um controverso e acelerado processo de análise da FDA. A substância também reduziu significativamente os “grumos” de proteínas beta-amiloides no cérebro.
O resultado clínico do aducanumabe, ou seja, a melhora observada nos pacientes depois dessa redução das proteínas acumuladas, foi considerada menor do que era esperado. Já os efeitos colaterais da droga foram considerados muito graves. Outro entrave é que a versão comercial da droga, chamada Aduhelm, chegou ao mercado com um custo alto: cerca de 56 mil dólares por ano por paciente nos EUA.
“O aducanumabe se mostrou eficaz para a retirada dessas placas e proteínas, mas não foi eficaz em estudos clínicos, nos sintomas dos pacientes. Então houve uma controvérsia, uma dúvida sobre a necessidade de aprová-la tão rapidamente. Hoje em dia, a maioria dos médicos já pararam de usar essa droga. Teve uma grande discussão na comunidade científica”, diz o neurologista Ivan Okamoto, membro do Núcleo de Excelência em Memória do Hospital Israelita Albert Einstein e coordenador do Instituto da Memória na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Marco Túlio Cintra, o desenvolvimento dessas duas alternativas representa uma esperança porque há quase 20 anos não havia novos medicamentos contra Alzheimer aprovados pela FDA.
Apesar dos números positivos, os médicos pedem cautela na análise já que as duas principais drogas em estudo são indicadas apenas para pacientes com Alzheimer leve.
“É uma esperança, sem dúvida, mas talvez seja uma esperança para quem tem alto risco de desenvolver a doença, para quem tem histórico na família. Se a pessoa já tem Alzheimer, mesmo que leve, pode ser que, até que o processo todo esteja finalizado, ela já esteja com a forma moderada, e aí [ela] não é o público-alvo”, explica Cintra, que é também professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Os remédios em uso atualmente nos pacientes com a doença buscam reduzir a velocidade do declínio, e não agir nos mecanismos que causam a deterioração no cérebro. Já a nova geração - aducanumabe e lecanemabe - busca romper com essa lógica. Eles focam na capacidade de agir contra um dos principais mecanismos do Alzheimer, que é o acúmulo de proteínas beta-amiloides no cérebro.
Embora esses medicamentos sejam eficazes em atacar as placas de proteínas, ainda não ficou comprovado se essa “limpeza” é suficiente para reverter os sintomas do Alzheimer. Segundo os especialistas, é preciso agora entender qual é o impacto comportamental da retirada dessas proteínas do cérebro de pacientes.
Figura 1: Como funcionam as novas drogas contra a doença de Alzheimer. Fonte: Agência Einstein.
Efeitos colaterais
O médico Okamoto ressaltou ainda que as drogas que combatem o acúmulo de proteínas têm efeitos colaterais graves, como edemas cerebrais, e precisam ser usadas com acompanhamento de exames de imagem, como ressonâncias magnéticas.
Quase 40% dos pacientes podem desenvolver edemas cerebrais como efeitos colaterais e, por isso, tem que ter muito cuidado para utilizar essa droga. É preciso fazer uma série de ressonâncias magnéticas comprovando o acúmulo de proteínas no cérebro, e depois precisam de ressonâncias periódicas para acompanhar os efeitos colaterais. É um processo caro e trabalhoso”, explica Okamoto.
A lógica do novo medicamento em estudo atualmente, o lecanemabe, é bastante parecida com a do aducanumabe. Para os especialistas, o que as empresas precisam explicar é se a melhora estatística de 27% se converte em benefícios clínicos reais. Até o momento, com os dados divulgados pelas fabricantes, ainda não é possível afirmar se esse percentual vai traduzir em uma melhora significativa para o paciente.
“A melhora biológica é inequívoca com remoção das placas amiloides, mas o resultado clínico tem resultados mais modestos. O que tivemos para o lecanemabe, até o momento, são só os resultados apresentados no congresso. Por conta disso, a reação até agora é um otimismo comedido, porque o processo de aprovação do aducanumabe gerou muita desconfiança, então a gente tem essa cautela”, explica Cintra, da SBGG.