Introdução |
Em uma declaração da American Heart Association de 2006 sobre a redução do risco cardiovascular em pacientes pediátricos de alto risco, 8 diagnósticos pediátricos associados ao risco cardiovascular elevado foram identificados e, com isso, recomendações de tratamento foram geradas. Nela, as condições de nível II requereram "evidência fisiopatológica de disfunção arterial indicativa de aterosclerose acelerada antes dos 30 anos de idade".
Em 2011, um Painel de Especialistas identificou condições de risco com base na definição anterior para o nível II (risco moderado). Especificamente, condições de risco moderado são aquelas para as quais “o processo da doença demonstrou estar associado a evidências patológicas, fisiológicas ou subclínicas de aterosclerose acelerada”.
O nível II incluiu doença de Kawasaki com aneurismas coronários em regressão, doença inflamatória crônica (lúpus eritematoso sistêmico, artrite inflamatória juvenil), HIV e síndrome nefrótica. Além disso, a estratificação de risco indicou que crianças e adolescentes com condições de nível II devem passar para o nível I (alto risco) se tiverem 2 ou mais de 7 fatores de risco cardiovascular tradicionais ou comorbidades (obesidade, exposição à fumaça do tabaco, hipertensão, resistência à insulina, dislipidemia incluindo níveis elevados de lipoproteínas de baixa densidade e triglicéridos e níveis baixos de lipoproteínas de alta densidade).
Quando considerados os resultados, pode-se concluir que se justifica a inclusão dos transtornos do humor do adolescente na lista de diagnósticos pediátricos de risco moderado nível II.
A associação entre transtorno depressivo maior (TDM), transtorno bipolar (TB) e doença cardiovadcular (DCV) em adultos é bem conhecida.
Os resultados de estudos também implicaram caminhos genéticos compartilhados entre depressão e DCV. Adolescentes com histórico de TDM apresentam altas taxas de DCV em seus pais.
A associação entre TB e DCV parece ser tão forte quanto a associação com TDM, embora seja menos reconhecida. A doença cardiovascular é a principal causa de morte no transtorno bipolar e a prevalência da primeira em adultos com TB é quase duas vezes maior do que entre adultos com TDM.
TDM e TB estão entre as cinco condições mais incapacitantes em adolescentes de todo o mundo. O primeiro envolve episódios de depressão sem mania/hipomania, enquanto o segundo envolve episódios repetidos de mania/hipomania (humor eufórico e irritável) que geralmente, mas nem sempre, se alternam com episódios de depressão (tristeza ou falta de interesse/prazer).
Juntos, os distúrbios são pelo menos 10 vezes mais frequentes do que as 4 condições de risco moderado identificadas combinadas. Como esses são comuns em adolescentes e passíveis de tratamento, pode haver benefícios cardiovasculares substanciais associados a uma melhor identificação, acompanhamento e tratamento dessas condições.
É importante ressaltar que os transtornos de humor que começam na infância ou adolescência persistem na idade adulta e são variantes particularmente perniciosas, com uma carga muito maior de sintomas psiquiátricos do que em adultos. A alta prevalência desses transtornos em adolescentes e a plausibilidade biológica de sua associação com DCV justificam a necessidade de uma declaração científica para abordar o risco de DCV em adolescentes com transtornos de humor.
Os principais objetivos da declaração foram (1) resumir as evidências sugerindo que os transtornos do humor são condições de risco moderado de nível II associadas a aterosclerose acelerada e DCV e (2) posicionar TDM e TB como condições de nível II que requerem a aplicação de estratificação de risco e estratégias de gestão de acordo com as recomendações do painel de especialistas.
Finalmente, foram resumidas as evidências sobre a associação de tratamentos farmacológicos comumente usados em adolescentes e adultos jovens com transtornos do humor (particularmente antipsicóticos de segunda geração) com fatores de risco para DCV.
Evidências fisiopatológicas, subclínicas e clínicas da aterosclerose acelerada em adolescentes e jovens adultos com transtorno de humor |
> Evidência de mortalidade cardiovascular prematura: Dois estudos observacionais associaram TDM, tentativa de suicídio, TB e ansiedade em crianças e jovens adultos com um risco aumentado de DCV prematura ou morte relacionada. Diagnósticos de depressão clínica foram associados a maior mortalidade por doença isquêmica do coração (DIC).
As associações foram mais fortes para DIC do que para DCV (incluindo endocardite, miocardite, insuficiência cardíaca e doença cerebrovascular). Em um estudo taiwanês envolvendo mais de 1 milhão de participantes de todas as faixas etárias, incluindo jovens adultos, a associação de TDM, TB e transtorno de ansiedade com risco de doença cardíaca isquêmica foi examinada. Embora a prevalência de DIC tenha aumentado com a idade em todos os grupos, o excesso de risco relativo da doença em pacientes com TDM, TB e ansiedade foi maior entre aqueles <20 anos.
> Aumento da espessura da íntima-média da artéria carótida: Há evidências em estudos epidemiológicos de uma ligação entre os sintomas depressivos (mesmo quando não são graves ou incapacitantes o suficiente) e o envelhecimento vascular prematuro medido pela espessura da íntima-média da carótida. Esses estudos indicraam uma relação plausivelmente adversa, mas ainda inconsistente, entre sintomas depressivos e EIMC em adolescentes e adultos jovens.
> Disfunção endotelial: Em conjunto, os sintomas depressivos podem estar associados à função endotelial prejudicada em mulheres adolescentes e jovens adultas; a associação de TDM e TB com função endotelial não é consistente.
Fatores de risco cardiovascular tradicionais relacionados com TDM e TB |
A síndrome metabólica (SM) é um agrupamento de sintomas clínicos e fatores de risco bioquímicos para DCV e diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Há evidências de que a prevalência de SM em adultos com TDM ou sintomas depressivos é alta. Da mesma forma, um risco aumentado também foi documentado entre pessoas com TB. No entanto, o risco de SM em adolescentes com TB ou TDM é pouco estudado.
> Obesidade: Os resultados de estudos longitudinais indicaram que a obesidade pediátrica aumenta o risco de TDM e vice-versa. O TDM foi associado a uma prevalência significativamente maior de obesidade entre homens e negros não hispânicos, enquanto na amostra geral, a associação não foi mais significativa.
Há evidências de associação bidirecional entre TB e sobrepeso/obesidade. Em uma grande coorte de crianças e adolescentes com TB, 42% estavam com sobrepeso/obesidade. Como esperado, os antipsicóticos de segunda geração foram significativamente associados ao sobrepeso/obesidade, assim como outras variáveis, como raça não branca, idade mais precoce de início do TB e histórico de abuso físico e hospitalização psiquiátrica.
> Resistência à insulina e DM2: Há evidências de associações bidirecionais entre sintomas depressivos e DM2 em adultos. Nos achados da meta-análise, os sintomas depressivos juntamente com outros sintomas psicológicos foram mais comuns em crianças com DM2 vs. sem DM2, e havia evidências preliminares de que a associação entre depressão e o diabetes era especialmente forte na juventude. Existem evidências farmacoepidemiológicas de altas taxas de hiperglicemia e DM2 em TB pediátricos tratados com medicação psicotrópica, embora o diagnóstico da doença crônica frequentemente preceda o tratamento.
> Dislipidemia: Em estudos farmacoepidemiológicos, a taxa de dislipidemia em populações mais jovens tratadas para TB é maior em relação à população geral.
> Hipertensão: é significativamente mais frequente em adultos com TDM e TB do que na população geral e em idades mais jovens. Não foram identificados artigos originais que buscassem principalmente relatar a taxa de hipertensão em jovens com TDM ou TB.
Processos fisiopatológicos que vinculam os transtornos de humor e a DCV |
Múltiplos processos sistêmicos têm sido implicados na associação entre transtornos de humor e DCV.
> Inflamação: Nos últimos 20 anos, um corpo de pesquisa em rápido crescimento apoiou o papel da inflamação no TDM e no TB em adultos. Os achados mostraram aumento da inflamação no TDM. Da mesma forma, dados convergentes em TB mostram um desequilíbrio pró-inflamatório durante os episódios sintomáticos. Achados genéticos, epigenéticos e neurobiológicos sugeriram que esse processo pode ser parte da patogênese do TDM e do TB, e não um epifenômeno secundário.
A inflamação excessiva pode estar por trás da associação da depressão com o risco cardiovascular na juventude. Em pequenos estudos caso-controle, adolescentes deprimidos apresentaram níveis séricos mais elevados de algumas citocinas pró-inflamatórias (IL-1β e IL-6) do que controles saudáveis. Os resultados de estudos maiores em jovens foram mistos, com a maioria mostrando associações entre sintomas depressivos e biomarcadores inflamatórios.
No entanto, ainda não é possível discernir como ou por que a depressão e a inflamação se associam, embora pareça existir uma relação bidirecional. Além disso, pacientes deprimidos são propensos ao tabagismo, obesidade, estilo de vida sedentário e sono de má qualidade, todos os quais promovem inflamação.
> Estresse oxidativo: Inclui uma alteração do aumento da proporção pró-oxidante/antioxidante, o que leva a danos potenciais em vários sistemas. O aumento do estresse oxidativo tem sido associado à disfunção endotelial, que contribui para fatores de risco cardiovascular, incluindo hipertensão, diabetes mellitus e dislipidemia. A confluência de disfunção endotelial e estresse oxidativo está implicada no desenvolvimento da aterosclerose.
Os marcadores de estresse oxidativo estão aumentados em pessoas com TDM e TB; em vários estudos prospectivos, a redução desses marcadores correspondeu a uma melhora nos sintomas psiquiátricos. Tomados em conjunto, esses achados suportaram a hipótese de que o dano oxidativo pode estar envolvido na fisiopatologia do TDM e TBD.
> Disfunção autonômica: Em estudos epidemiológicos, a função prejudicada do sistema nervoso autônomo (definida por medidas como variabilidade da frequência cardíaca) está associada a hipertensão e diabetes mellitus incidentes. A disfunção autonômica é um fator patológico primário que relaciona o funcionamento psicológico e neurológico aos eventos cardiovasculares.
Em condições normais, o sistema parassimpático é responsável pelas funções autonômicas, enquanto a divisão simpática prepara o corpo para responder a um desafio, promovendo a coagulação e a ativação plaquetária, constringindo artérias e vasos e aumentando a produção de glicose hepática para os músculos.
A disfunção do sistema nervoso autônomo é comum no TDM, tanto em adultos quanto em adolescentes. No entanto, é menos provável que a disfunção autonômica leve a danos em órgãos-alvo em adolescentes e adultos jovens devido ao processo de décadas pelo qual a DCV se desenvolve. A via pela qual o risco de doença cardiovascular é aumentado na depressão e no TB está mais plausivelmente relacionada ao desenvolvimento de fatores de risco de DCV, como hipertensão e diabetes mellitus.
Fatores ambientais e de comportamento que contribuem ao risco de DCV |
Uma série de características comportamentais e psicossociais que são desproporcionalmente comuns entre adolescentes e jovens adultos com transtornos de humor estão associadas a um risco aumentado de DCV.
> Maus-tratos: As crianças expostas a maus-tratos correm maior risco de desenvolver um episódio depressivo maior ao longo da vida, são propensas a sintomas depressivos residuais, têm recorrências depressivas frequentes e são resistentes a uma variedade de tratamentos de primeira linha. Jovens abusados mostraram desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, níveis mais altos de proteína C reativa (PCR) e mais sinais de risco cardiometabólico durante a meia idade. Em amostras de adultos deprimidos, a prevalência de SM e inflamação de baixo grau foi significativamente maior entre aqueles expostos a adversidades na infância do que entre aqueles não expostos.
> Distúrbio do sono: Os distúrbios do sono estão incluídos entre os critérios diagnósticos para TDM e TB. Mudanças de fase circadiana podem ocorrer antes e durante um episódio depressivo em adultos e jovens. Em crianças e adolescentes, os ritmos circadianos também são perturbados naqueles com transtornos de humor, resultando em atraso e encurtamento do sono. A duração do sono tem sido associada ao aumento da CIMT e marcadores inflamatórios e desfechos cardiovasculares ruins em adultos. Embora as terapias circadianas possam aliviar os sintomas depressivos e os transtornos de humor em adolescentes e adultos jovens, o efeito dessas terapias no risco cardiovascular é desconhecido.
> Estilo de vida sedentário: Um estilo de vida sedentário aumenta os fatores de risco cardiovascular e de doenças em adolescentes, adultos jovens e idosos, e a atividade física diminui esse risco por várias vias, incluindo redução do peso corporal, melhora da função endotelial e imunológica e melhora da pressão arterial. Pessoas com TDM ou sintomas depressivos são mais propensas a serem sedentárias; o grau em que um estilo de vida sedentário influencia a relação entre depressão e DCV ainda não está claro.
> Nutrição: Em estudos transversais de adultos, a depressão foi associada a níveis reduzidos de micronutrientes e seus metabólitos, o que pode ser relevante para DCV. Em uma meta-análise recente, houve concentração de zinco no sangue significativamente menor e níveis mais baixos de vitamina D em adultos deprimidos do que em indivíduos controle. Também foi observado que a suplementação de vitamina D melhora os sintomas depressivos em adolescentes, sendo este o único suplemento recomendado pelo painel de especialistas.
Os óleos de peixe também receberam atenção em relação à ligação entre DCV e transtornos de humor. Deficiências de ômega-3 foram relatadas em adultos com TDM e TB. A maior ingestão de ácido eicosapentaenóico foi associada a sintomas depressivos significativamente menores, e uma tendência semelhante foi observada para a ingestão de ácido docosahexaenóico. Ensaios clínicos de suplementos de ômega-3 mostraram resultados positivos para o tratamento da depressão em adultos com TDM e TB.
> Tabagismo e uso de substâncias: É o fator de risco comportamental mais significativo associado ao risco de DCV, com a gravidade da DCV aumentando em função do número de maços consumidos por ano. Adultos com TDM e TB são 2 a 3 vezes mais propensos a serem fumantes e menos propensos a parar de fumar. Adolescentes com TDM e TB são mais propensos a começar a fumar e também apresentam maior risco de abuso de álcool e substâncias.
Medicamentos psicotrópicos e fatores de risco cardiovascular em jovens |
> Antidepressivos: Os antidepressivos tricíclicos não são indicados para o tratamento de transtornos de humor em jovens, enquanto os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são o tratamento farmacológico de escolha nessa população. A literatura atual sugere que os ISRSs podem ter um efeito nas doenças cardiovasculares (particularmente citalopram e sertralina) e é improvável que tenham um efeito deletério; no entanto, há evidências de que os ISRSs podem conferir risco de obesidade e, possivelmente, controle glicêmico prejudicado.
> Lítio e medicamentos anticonvulsivantes: Lítio, carbamazepina e divalproex estão associados a ganho de peso significativo em jovens com TB. Há também evidências farmacoepidemiológicas de que a exposição a esses medicamentos está associada à hipertensão. Um estudo recente descobriu que nem o lítio nem o divalproato produziram alterações significativas na glicose no sangue. Apesar de sua associação com ganho de peso, dados observacionais em adultos com TB sugeriram que o tratamento a longo prazo com lítio pode atenuar o risco de DCV.
> Antipsicóticos de segunda geração (ASGs): os ASGs são muito eficazes para a mania e são considerados tratamento de primeira linha para TB em adolescentes. No entanto, os ASGs antimaníacos (exceto ziprasidona) demonstraram ter um impacto negativo em cada um dos componentes da SM em estudos farmacoepidemiológicos e ensaios controlados.