Prática clínica

Rinossinusite aguda

Definida pela inflamação da mucosa nasal e dos seios paranasais

A rinossinusite (RS) é caracterizada por uma inflamação da mucosa nasal e dos seios paranasais, sendo uma das afecções mais prevalentes das vias aéreas superiores. O termo RS é preferido ao sinusite, pois a inflamação dos seios raramente ocorre sem inflamação simultânea da mucosa nasal. É subdividida em aguda (viral, pós-viral e bacteriana) e crônica.

A rinossinusite aguda (RSA) é definida como inflamação sintomática da cavidade nasal e dos seios paranasais com duração inferior a quatro semanas. Tem como etiologia mais frequente uma infecção viral, sendo denominada de RSA viral e associada ao resfriado comum, com duração de até 10 dias; já a pós-viral é definida pela persistência de sintomas após 10 dias de evolução, com menos de 12 semanas de duração e a bacteriana, definida pela presença de, pelo menos, três sinais ou sintomas dentre os seguintes: muco com coloração alterada, dor local intensa, febre alta (> 38 ° C), proteína C reativa/velocidade de hemossedimentação dos eritrócitos elevado e dupla piora. (figura 1)

Figura 1: Definição de rinossinusite aguda. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

As RSA virais se resolvem em 7 a 10 dias e são complicadas por uma infecção bacteriana aguda em apenas 0,5 a 2% dos casos. A rinossinusite aguda bacteriana (RSAB) também é, geralmente, uma doença autolimitada, em que 75% dos casos se resolverão em 1 mês (sem tratamento). Raramente, os pacientes com doença bacteriana não tratada desenvolvem complicações sérias. (figura 2)

Figura 2: A incidência das diferentes formas de RSA: resfriado, rinossinusite pós viral e rinossinusite aguda bacteriana (RSAB). Antibióticos são indicados apenas em uma pequena parte dos pacientes com RSAB. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

A rinossinusite aguda recorrente (RSAR) é definida como ≥ 4 episódios por ano com intervalos livres de sintomas. Cada episódio deve atender aos critérios para rinossinusite aguda pós-viral (ou bacteriana).

Fatores predisponentes para RSA e RSAR

Fatores predisponentes para RSA raramente são avaliados. O tabagismo ativo e passivo predispõe à enfermidade e existem evidências de que doença crônica concomitante pode aumentar a chance de contrair RSA após uma infecção por influenza.

Diagnóstico clínico

A RSA é uma condição comum e geralmente é autolimitada. Muitos pacientes se automedicam ou utilizam medicamentos sem receita, portanto, não procuram atendimento médico ou fazem um diagnóstico formal. Quando os médicos são procurados, a maioria dos pacientes consultam um clínico geral, embora em alguns sistemas de saúde possam acessar diretamente serviços especializados.

Embora tenham sido feitos esforços educacionais para familiarizar os médicos generalistas (MGs) com os conceitos de rinossinusite e os critérios de diagnóstico da RSA, a “sinusite” é comumente usada como etiqueta diagnóstica, e isso é frequentemente considerado por MGs, como condição bacteriana aguda, e não inflamatória, sendo assim, os antibióticos são extensivamente prescritos de maneira inapropriada.

A RSA é diagnosticada com base nos critérios clínicos e não são necessárias investigações complementares. Em grupos de pacientes específicos e naqueles com sintomas graves ou atípicos, podem ser necessários procedimentos diagnósticos adicionais.

A avaliação subjetiva da RSA é baseada na duração e gravidade dos seguintes sintomas: obstrução nasal ou congestão nasal, secreção nasal ou gotejamento pós-nasal, dor ou pressão facial, dor de cabeça e diminuição/perda de olfato. Além desses, podem ocorrer sintomas distantes e sistêmicos como, por exemplo, irritação faríngea, laríngea e traqueal, causando dor de garganta, disfonia e tosse, e sintomas gerais como sonolência, mal-estar e febre. Há pouca evidência confiável da frequência relativa de diferentes sintomas na RSA na prática comunitária. Variações individuais desses padrões gerais de sintomas são muitas.

Figura 3: Sintomas do resfriado (RSAviral). (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

O método recomendado para avaliar a gravidade dos sintomas é o uso de uma escala analógica visual (EVA) registrada pelo paciente em uma linha de 10 cm, com pontuação mensurável de 1 a 10. Estão disponíveis perguntas específicas sobre doenças que medem a qualidade de vida, mas não são comumente usadas na prática clínica; um bom clínico avaliará informalmente o impacto da RSA no paciente como parte de uma avaliação clínica completa.

Exames clínicos
  • Rinoscopia anterior

Embora a rinoscopia anterior por si só seja uma investigação muito limitada, ela deve ser realizada no contexto da atenção primária como parte da avaliação clínica de suspeita de RSA, pois pode revelar achados de apoio, como inflamação nasal, edema da mucosa e secreção nasal purulenta, e às vezes pode revelar achados previamente insuspeitados, como pólipos ou anormalidades anatômicas.

  • Temperatura

A presença de febre > 38° C indica a presença de uma doença mais grave e a possível necessidade de tratamento mais ativo, particularmente em conjunto com sintomas mais preocupantes. Está significativamente associada à presença de uma cultura bacteriológica positiva, predominantemente S. pneumoniae e H. influenzae, obtida por aspiração ou lavagem sinusal.

  • Inspeção e palpação de seios

A RSA não leva a inchaço ou hiperemia da área maxilofacial, a menos que haja uma origem dentária quando a razão de chances diagnóstica é de 0,97. Os dados sobre a sensibilidade local são inconclusivos.

  • Proteína C reativa (PCR)

O PCR é um biomarcador hematológico (disponível como kits de teste de ensaio rápido) e sua utilização está aumentado na infecção bacteriana. Seu uso tem sido preconizado na infecção do trato respiratório como um auxílio para detectarou não a infecção bacteriana e, assim, limitar o uso desnecessário de antibióticos. Uma PCR baixa ou normal pode identificar pacientes com baixa probabilidade de infecção bacteriana e que dificilmente precisarão ou se beneficiarão de antibióticos.

  • Procalcitonina

A procalcitonina tem sido defendida como um potencial biomarcador hematológico indicando infecção bacteriana mais grave e investigada como uma ferramenta para orientar a prescrição de antibióticos em infecções do trato respiratório na comunidade.

Diagnóstico diferencial de RSA na prática clínica
  • Infecção viral do trato respiratório superior (ITRS)

Os sintomas do resfriado comum e de infecções do trato respiratório autolimitadas se sobrepõem aos da RSA pós-viral. De fato, a maioria dos episódios desse tipo de RSA começa como uma ITRS viral, mas manifesta uma doença prolongada além de 10 dias ou com sintomas de piora após cinco dias. Os resfriados mais comuns estão associados à infecção por rinovírus, com sintomas atingindo o pico em três dias, e a maioria dos pacientes não procura atendimento médico. O diagnóstico e o tratamento clínico de suporte sendo no geral apenas, tratamento sintomático são geralmente as únicas intervenções necessárias.

  • Rinite alérgica

A rinite alérgica (RA) é uma condição global comum que afeta pelo menos 10 a 20% da população adulta. É a forma mais comum de rinite não infecciosa e está associada a uma resposta imune mediada por IgE contra alérgenos. Os sintomas da RA incluem rinorreia não purulenta, obstrução nasal, prurido nasal e espirros que podem ser, reversíveis espontaneamente ou após o tratamento. A RA é subdividida em doença “intermitente” ou “persistente”. A primeira pode ocorrer repentinamente em resposta à exposição a um alérgeno específico e confundir o diagnóstico entre RA e RSA. A diferenciação entre as doenças é feita principalmente com base em uma história prévia de alergia e atopia e exposição a um alérgeno ao qual o paciente é sensibilizado. Os sintomas oculares são comuns na RA, mas não na RSA. Rinorreia mucopurulenta, dor, obstrução nasal sem outros sintomas nasossinusais ou anosmia são incomuns na RA.

Os testes de diagnóstico para RA baseiam-se na demonstração de IgE específica de alérgenos na pele (testes cutâneos) ou no sangue (IgE específica), e podem ser considerados para esclarecer o diagnóstico, principalmente naqueles com sintomas graves ou persistentes.

  • Doença dentária

Pacientes com doença dentaria podem apresentar-se na consulta de atenção primária com dor facial mal definida, com ou sem febre e dor de dente. A ausência de outros sintomas associados à RSA, como rinorreia, secreção nasal e distúrbios do olfato, tornará a doença um diagnóstico menos provável, embora em alguns casos a dúvida possa persistir. Uma avaliação odontológica e radiografia dentária podem ser necessárias para esclarecer o diagnóstico.

Tratamento

O tratamento de quase todos os pacientes com RSA deve ser sintomático, se necessário, combinado com corticosteroides locais. O papel dos antibióticos é muito limitado, devendo ser administrado apenas em situações que apontam para doença grave.

Figura 4: Esquema de tratamento para a RSA. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

  • Antibióticos

Não há evidências de benefício dos antibióticos para o RSA ou para a rinite purulenta aguda persistente em crianças ou adultos. Há evidências de que os antibióticos causam efeitos adversos significativos, portanto, o uso rotineiro de antibióticos nessas condições não é recomendado.

  • Corticoides nasais

Os anti-histamínicos apresentam um efeito benéfico limitado a curto prazo (dias 1 e 2 de tratamento) na gravidade dos sintomas gerais, mas não a médio e longo prazo. Não há efeito clinicamente significativo na obstrução nasal, rinorreia ou espirros.

  • Descongestionantes

Doses múltiplas de descongestionantes podem ter um pequeno efeito positivo nas medidas subjetivas de congestão nasal. No entanto, devido ao pouco número de estudos que utilizaram descongestionante nasal tópico, não foi possível esclarecer a eficácia dos descongestionantes orais tópicos. Os descongestionantes parecem não aumentar o risco de eventos adversos a curto prazo.

  • Paracetamol

O paracetamol pode auxiliar no alívio da obstrução nasal e da rinorreia, mas não parece melhorar alguns outros sintomas de resfriado (incluindo dor de garganta, mal-estar, espirros e tosse).

  • Anti inflamatório não hormonal

Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) não reduzem significativamente o escore total dos sintomas ou a duração dos resfriados. No entanto, para desfechos relacionados aos efeitos analgésicos dos AINH (dor de cabeça, dor no ouvido e dor muscular e articular), os AINH produziram benefícios significativos, e o mal-estar mostra um benefício limítrofe, embora a irritação na garganta não seja melhorada. Calafrios mostram resultados mistos. Para sintomas respiratórios, os escores de tosse e descarga nasal não melhoraram, mas o escore de espirro é significativamente melhorado. Não há evidência de aumento da frequência de efeitos adversos nos grupos de tratamento com AINH.

  • Combinações anti-histamínico-descongestionante-analgésico

 Evidências sugeriram que as combinações de anti-histamínico-descongestionante-analgésico apresentam benefícios na redução da duração e no alívio dos sintomas do resfriado comum. No entanto, esses devem ser pesados contra o risco de efeitos adversos.

  • Brometo de ipratrópio

Para pessoas com resfriado comum, as evidências existentes sugerem que o brometo de ipratrópio provavelmente é eficaz na melhora da rinorreia. No entanto, não apresentou efeito sobre a congestão nasal e seu uso foi associado a mais efeitos colaterais em comparação com placebo ou nenhum tratamento, embora parecessem bem tolerados e autolimitados.

  • Vapor/ar aquecido umidificado

O ar aquecido e umidificado é utilizado há muito tempo por pessoas com resfriado comum. A base teórica é que o vapor poderia ajudar a drenar melhor o muco e o calor conseguiria destruir o vírus do resfriado, como ocorre in vitro. No entanto, as evidências atuais não mostraram benefícios ou malefícios do uso de ar aquecido e umidificado para o tratamento do resfriado comum.

  • Probióticos

Uma revisão demonstrou que os probióticos foram melhores ao placebo na redução do número de episódios e na duração de ITRS aguda, no uso de antibióticos e no absenteísmo escolar relacionada ao resfriado nos pacientes tratados. Indicando que os probióticos podem ser mais benéficos na prevenção de ITRS agudo. No entanto, a qualidade da evidência foi considerada baixa ou muito baixa.

  • Vitamina C

Evidências demonstraram que o fracasso da suplementação de vitamina C em reduzir a incidência de resfriados na população geral, sendo assim, a suplementação rotineira não é justificada. No entanto, dado o efeito consistente da vitamina C na duração e gravidade dos resfriados nos estudos regulares de suplementação e no baixo custo e segurança, pode valer a pena para pacientes com resfriado comum testar individualmente se a vitamina C terapêutica é benéfica para eles.

  • Vacinas

O desenvolvimento de vacinas para o resfriado comum tem sido difícil por causa da variabilidade antigênica do vírus do resfriado comum e dos vários outros vírus indistinguíveis. Há incerteza quanto à eficácia e segurança das intervenções para prevenir o resfriado comum em pessoas saudáveis.

  • Exercício

Evidências demonstram que o exercício regular de intensidade moderada pode ter um efeito sobre a prevenção do resfriado comum.

  • Echinacea

Os produtos da Echinacea não mostraram benefícios no tratamento de resfriados, embora possa haver um benefício fraco em alguns produtos da Echinacea; os resultados de ensaios individuais de profilaxia mostram consistentemente tendências positivas (se não significativas), embora potencialmente importantes.

  • Zinco

O zinco, quando administrado dentro de 24 horas após o início dos sintomas, foi capaz de reduzir a duração dos sintomas do resfriado comum, mas é necessário cautela devido à heterogeneidade dos dados. Em relação à suplementação profilática de zinco, atualmente nenhuma recomendação firme pode ser feita devido a dados insuficientes.

  • Fitoterapia (excluindo Echinacea)

Alguns medicamentos fitoterápicos como o BNO1016, o extrato de cineol e andrographis paniculata SHA-10 têm um impacto significativo nos sintomas do resfriado comum, sem eventos adversos importantes. No entanto, falta uma revisão sistemática formal para avaliar o papel dos fitoterápicos na RSA.