Avaliação e tratamento

Deficiência de dissacaridases intestinais em adultos

A deficiência de dissacaridases em adultos é mais prevalente do que inicialmente imaginado

Autor/a: Viswanathan e Rao (2023) |

Fuente: https://link.springer.com/article/10.1007/s11894-023-00870-z

Introdução

A deficiência de dissacaridases é uma condição frequentemente subdiagnosticada em adultos que apresentam sintomas gastrointestinais crônicos. Esta carência interfere na degradação e absorção de carboidratos, podendo resultar em sintomas como dor e distensão abdominal, gases e diarreia.

As implicações da deficiência de dissacaridases no contexto da neurogastroenterologia e dos distúrbios de motilidade têm sido um mistério ao longo das últimas décadas. Embora inicialmente tenha sido estabelecida como uma causa de dor abdominal crônica em crianças pequenas, essa carência é mais comum em adultos do que se pensava anteriormente. Por esta razão, Viswanathan e Rao (2023) revisaram a literatura sobre a deficiência de dissacaridases em adultos, visando fornecer insights para a avaliação, diagnóstico e manejo dessa condição.

Digestão de Carboidratos

As enzimas dissacaridases desempenham um papel crucial na decomposição de carboidratos no intestino delgado, especificamente ao longo da borda em escova. Essas proteínas, incluindo lactase, sacarase, maltase e isomaltase, trabalham para quebrar dissacarídeos em monossacarídeos, que são então transportados através da borda de escova, onde são absorvidos e metabolizados.

A atividade dessas dissacaridases varia nas diferentes regiões do intestino delgado, sendo mais elevada no jejuno médio e mais baixa no duodeno proximal e íleo terminal. Uma deficiência em qualquer uma dessas enzimas pode levar a um aumento da carga osmótica de açúcares mal absorvidos, resultando em sintomas como dores, gases, distensão abdominal e diarreia. Esses são comuns em pacientes com distúrbios da interação intestino-cérebro (DGBI). É importante destacar que, em alguns casos, o diagnóstico da Síndrome do Intestino Irritável (SII) pode não identificar deficiências de dissacaridases. Portanto, o diagnóstico precoce dessas carências pode ser fundamental para um tratamento mais eficaz dos distúrbios da interação intestino-cérebro.

Figura 1. Efeito dos amidos fermentados em pacientes com deficiência de dissacaridase em comparação com pacientes normais e saudáveis. Imagem adaptada de Viswanathan e Rao (2023).

Deficiência de dissacaridases em adultos

A deficiência de dissacaridases em crianças é amplamente documentada como uma explicação para a dor abdominal. Recentemente, pesquisadores divulgaram os primeiros dados de prevalência da carência de dissacaridase em 120 pacientes adultos que apresentavam sintomas gastrointestinais inexplicáveis. Os resultados revelaram que 9,2% tinham privação nas quatro enzimas dissacaridases (pan-dissacaridase), 35,8% em lactase, 0,8% em maltase, e 0,8% na combinação de sacarase, maltase e isomaltase.

Pacientes com deficiência única de dissacaridase relataram sintomas como dor abdominal, distensão abdominal, gases, indigestão, cólicas e náuseas. Por outro lado, a coorte com carência pan-dissacaridase destacou-se por experimentar sensação de inchaço e constipação, além da perda de peso. Esses achados indicaram que a falta dessas proteínas frequentemente ocorre em combinação, e a deficiência pan-dissacaridase é mais prevalente em adultos do que inicialmente imaginado.

Diagnóstico

Os métodos de teste para diagnosticar a deficiência de dissacaridases incluem o ensaio de dissacaridase, o teste genético e o teste respiratório. Esses são recomendados para pacientes que apresentam queixas de dor abdominal pós-prandial crônica, gases, distensão abdominal ou diarreia.

O padrão ouro para o diagnostico envolve a realização de uma endoscopia para obter duas biópsias da terceira porção do duodeno. A primeira é destinada ao estudo da arquitetura da mucosa, enquanto a segunda é utilizada para analisar os níveis de sacarase, maltase, lactase e isomaltase, utilizando o método de Dahlqvist. Esse procedimento proporciona medições precisas dos níveis de dissacaridases.

Tratamento

A exclusão dietética de sacarose ou amido pode ser benéfica, embora a adesão a longo prazo seja desafiadora. Diante dessa dificuldade, é aconselhável que os pacientes busquem orientação formal de um nutricionista especializado em questões gastrointestinais, se possível. Outra opção é a suplementação enzimática, seja com lactase ou sacarosidase. Embora não haja certeza se o tratamento da deficiência de lactase pode melhorar os sintomas de outras deficiências de dissacaridase, a sacarosidase, uma enzima sacarase derivada de Saccharomyces cerevisiae, é atualmente o único tratamento aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para pacientes com Deficiência Congênita de SI (sacarase-isomaltase).

Em pacientes pediátricos, o tratamento com sacarosidase demonstrou melhorar sintomas como diarreia, gases, cólicas e distensão abdominal, com uma dose diluída proporcionando melhora e a completa resultando na resolução completa dos sintomas. Além disso, a reposição oral dessa enzima normalizou os resultados do teste respiratório de C-sacarose em pacientes deficientes. Resultados semelhantes foram observados em enfermos com deficiência de lactase que receberam a sua suplementação, apresentando melhora nos sintomas, juntamente com pontuações reduzidas nos testes respiratórios de hidrogênio.

Existem também outras opções de venda livre, incluindo vários suplementos enzimáticos, como opções veganas. No entanto, vale ressaltar que esses produtos ainda não foram avaliados em ensaios clínicos.

Conclusões

A deficiência de dissacaridases representa um problema clínico significativo e frequentemente subestimado na população adulta. A conscientização e a educação sobre a relevância da má absorção de carboidratos são cruciais para médicos e pacientes, especialmente quando se trata de sintomas pós-prandiais persistentes e inexplicáveis, como dor e distensão abdominal, gases e diarreia.

Apesar dos avanços no entendimento dessa condição patológica, ainda há muito a ser desvendado. Estudos abrangentes com amostras populacionais maiores são necessários, dada a expressão epigenética variada desse fenômeno, que difere entre os pacientes. Aumentar a aplicação de triagens e testes, juntamente com uma caracterização detalhada dos fenótipos, contribuirá para uma compreensão mais aprofundada dessa condição única e frequentemente mal compreendida.