Revisão sistemática

Intervenções para manejo da dor em pacientes após lesão medular

A dor é um problema muito comum nesses pacientes, com até 80% deles experimentando dor crônica

Autor/a: Ioannis Koukoulithras, Abdulaziz Alkhazi, Athanasios Gkampenis, Alexandra Stamouli y otros

Fuente: Cureus 15(7): e42657

Introdução

Muitos fatores podem contribuir para a dor crônica, como dano aos nervos, aumento dos impulsos nervosos, mudanças moleculares nos receptores da medula espinhal, mudanças funcionais nas estruturas supraespinhais e corticais, e inflamação medular.

A dor pode ser do tipo nociceptiva, neuropática ou ambas. A segunda é causado por dano no sistema nervoso, enquanto a primeira por dano ao tecido não neural. A segunda é o tipo mais comum de dor em pacientes com lesão da medula (LME) e pode ser persistente. A dor musculoesquelético, que é a fonte mais comum de dor nociceptiva, especialmente em pacientes com LME incompleta, pode tratar-se com anti-inflamatórios não esteroides (AINE). 

O tratamento de pacientes com LME pode ser um desafio, já que pode acompanhar de várias deficiências graves, como paralisia, perda sensorial, intestino neurogênico, disfunção vesical e dor crônica. Independentemente do tipo, a dor pode afetar significativamente o funcionamento, o estado mínimo e a satisfação com a vida.

Muitos estudos e revisões sistemáticas revelaram que os antidepressivos e os anticonvulsionantes são as terapias de primeira linha para dor neuropática. Tem sido proposto outros métodos invasivos e não invasivos, embora a maioria não fora investigado adequadamente.

Por isso, Koukoulithras e colaboradores (2023) tiveram como objetivo examinar todos os métodos de manejo disponíveis utilizados para tratar dor relacionada com LME e combinar sua efetividade.

Resultados

Somente 57 estudos que investigaram o tratamento da dor crônica depois de LME foram elegíveis para esta revisão sistemática. A maioria das intervenções foram farmacológicas e minimamente invasivas, e a qualidade dos estudos foi de “moderada” a “alta”. Utilizou-se fisioterapia e tratamentos alternativos, assim como estimulação magnética transcraneal (EMT), estimulação transcraneal por corrente direta (ECDt) e estimulação cranial (ETC). Estes métodos foram considerados de qualidade metodológica “moderada”.

Gabapentina, mirogabalina, pregabalina, carbamazepina, lamotrigina e valproato foram os anticonvulsivos achados nos estudos incluídos. Um estudo investigou a infusão de doses baixas de ketamina como adjuvante de gabapentina oral. Os antidepressivos estudados foram amitriptilina, venlafaxina, duloxetina e mexiletina. Além disso, estudos individuais investigaram o papel da bumetanida (diurético), o dronabinol (Canabinóides) e o tramadol (opioide).

Os métodos minimamente invasivos incluíram injeções intravenosas de ketamina e lidocaína, injeção de toxina botulínica A, injeção/infusão intratecal de baclofeno, infusão de lidocaína e infusão intrarecal de clonidina e morfina. A EMT e a ECDt foram estudadas em 12 artigos. Um total de 16 estudos avaliaram a fisioterapia e outros métodos alternativos para o tratamento da dor. Meditação clínica e intervenção de imagens, realidade virtual 3D, imagens mentais, exercício, terapia cognitiva conduta (TCC), massagens, dieta anti-inflamatória, palmitoiletanolamida ultra micronizada, acupuntura, estimulação nervosa elétrica transcutânea (ENTC), terapia de manipulação ortopédica (TMO) e auto hipnose foram achadas entre os estudos incluídos.

Discussão
  • Anticonvulsivantes

Os anticonvulsivantes têm sido usados ​​há décadas como tratamento de primeira linha para dor neuropática. A gabapentina parece ser mais eficaz do que outros anticonvulsivantes e, em estudos, foi o medicamento de primeira linha para o tratamento da dor neuropática em pacientes com LME, especialmente quando a duração da lesão foi inferior a seis meses. Pode causar tonturas e sonolência, por isso deve ser administrado com cuidado.

A pregabalina foi o segundo medicamento mais utilizado em estudos para tratar a dor neuropática após LME, com boa tolerância. Além de reduzir a dor, também foi observado melhora da ansiedade e do sono dos pacientes.

Por outro lado, na maioria dos estudos, a lamotrigina, o valproato e a carbamazepina foram ineficazes no manejo da dor neuropática em pacientes com LME completa e incompleta.

A mirogabalina foi um novo medicamento investigado por Ushida et al. em um ensaio randomizado, duplo-cego e controlado para determinar sua segurança e eficácia no tratamento da dor neuropática crônica em pacientes com lesão medular traumática. Sua administração levou a uma alteração estatisticamente significativa no escore de dor, sendo, portanto, considerada uma droga promissora para o tratamento desses casos.

  • Antidepressivos

Os antidepressivos são usados ​​para controlar a dor neuropática crônica e, em muitos pacientes, podem ser combinados com anticonvulsivantes. Os inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina, como duloxetina e venlafaxina, não mostraram um efeito significativo na redução da dor neuropática após LME. A eficácia dos antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, parece ser controversa. Agarwal e Joshi conduziram um estudo longitudinal randomizado para comparar a eficácia da lamotrigina e amitriptilina em pacientes com LME e dor neuropática, e encontraram uma diferença significativa entre o escore de dor inicial e o valor no acompanhamento em ambos os grupos de tratamento, concluindo que ambos os medicamentos podem ser usados para tratar esse tipo de dor.

  • Tramadol

É um opioide fraco que pode ser usado com cautela em curto prazo para o tratamento da dor neuropática crônica. Norrbrink et al. realizaram um estudo sobre a segurança e eficácia do tramadol no alívio da dor neuropática em pacientes com LME e concluíram que seu uso estava associado à redução da intensidade da dor após quatro semanas de terapia, embora com efeitos colaterais significativos. Portanto, o tramadol deve ser considerado após o uso de antidepressivos tricíclicos e pregabalina ou gabapentina.

  • Bumetanida

Zarepour et al. investigaram as propriedades analgésicas da bumetanida como adjuvante no tratamento da dor neuropática por LME, confirmando seu efeito analgésico ao desinibir a via GABAérgica por meio da regulação positiva da proteína KCC2.

  • Mexiletina

Chiou-Tan et al. examinaram o efeito da mexiletina no tratamento da dor disestésica medular e concluíram que ela não auxilia na redução da dor.

  • Estimulação transcraniana por corrente contínua (ECDt)

Este parece ser um método muito promissor e seguro para controlar a dor neuropática crônica devido à LME. Neste, um eletrodo anódico e um eletrodo catódico são aplicados ao couro cabeludo e uma corrente elétrica baixa sublimiar é aplicada para neuromodular a área cerebral alvo. De acordo com quatro dos cinco estudos incluídos, o tECD, sozinho ou em combinação com a ilusão visual, leva a uma melhora significativa na dor neuropática após a lesão medular.

  • Estimulação magnética transcraniana (EMT)

O TMS visa interferir nos circuitos cerebrais que geram eletricidade através do campo magnético aplicado. rTMS é um tipo de TMS que usa pulsos repetitivos para gerar correntes elétricas repetitivas na região cerebral alvo. Em alguns estudos, a EMTr pareceu reduzir significativamente a dor neuropática em pacientes com LME.

  • Métodos minimamente invasivos (toxina botulínica tipo A, lidocaína, cetamina, baclofeno, morfina e clonidina)

Três estudos examinaram o papel da toxina botulínica tipo A na dor crônica da lesão medular; dois mostraram uma redução estatisticamente significativa na dor vs. placebo às 4 e 8 semanas após a injeção, demonstrando que poderia ser um tratamento viável nestes pacientes.

A lidocaína intravenosa foi utilizada em três estudos, com resultados estatisticamente significativos, mas em pequenas amostras de pacientes. Os efeitos da cetamina, isoladamente e como terapia adjuvante da gabapentina oral, também foram estudados, com redução significativa da dor neuropática em pacientes com dor na lesão medular, mas apenas por algumas semanas.

Os efeitos analgésicos do baclofeno intratecal foram examinados em três estudos. Apenas um apresentou redução significativa em todos os subtipos de dor neuropática, mas o tamanho da amostra foi pequeno e os efeitos só foram estudados ao longo de 24 horas.

Os efeitos da combinação de morfina, um opioide, e clonidina, um anti-hipertensivo, foram estudados para tratar a dor neuropática, e os resultados mostraram melhor alívio da dor do que ambos os medicamentos isoladamente em comparação com o placebo. Embora os resultados tenham sido significativos, o tamanho da amostra foi pequeno e são necessários mais estudos sobre os efeitos desses medicamentos em pacientes com dor na lesão medular.

  • Fisioterapia e métodos alternativos

Dos 16 estudos que examinaram o efeito da fisioterapia e de outros métodos alternativos na dor neuropática, 4 utilizaram estimulação elétrica nervosa transcutânea de baixa frequência (TENS), com redução significativa da dor em comparação com a ilusão visual e o placebo.

Arienti et al. compararam o tratamento manipulativo osteopático (TMO), pregabalina e TMO em combinação com pregabalina e todas as intervenções reduziram a dor, e no grupo em que a TMO foi usada além da medicação, o alívio foi maior. A acupuntura auricular também foi investigada e seus resultados mostraram redução significativa da dor.

Hicks et al. examinaram um exercício de carga aeróbica e um protocolo de treinamento destinado a reduzir a dor e a depressão e encontraram uma diferença estatisticamente significativa entre o grupo de exercício vs. nenhum exercício. Mulroy et al. compararam o fortalecimento domiciliar, a otimização do movimento, o alongamento e a educação sobre transferência, elevação e propulsão da cadeira de rodas com um vídeo educativo em pacientes com lesão medular e ombro doloroso, sendo a intervenção eficaz na redução da dor e na melhoria da qualidade de vida geral.

Resultados conflitantes foram encontrados em relação ao efeito das técnicas de imagens mentais na dor neuropática; uma vez que se espera que os efeitos diretos das imagens mentais sejam na modificação da experiência da dor e não na interferência da dor em si, os efeitos na no segundo serão provavelmente indiretos e influenciados por outros fatores estranhos à intervenção. Por outro lado, observou-se que a massoterapia é tão eficaz quanto o relaxamento guiado por imagem no alívio da dor, e que a hipnose é tão eficaz quanto o relaxamento por biofeedback na redução da dor neuropática em curto prazo.

Uma dieta antiinflamatória pode afetar a inflamação relacionada à dor neuropática. Allison et al. demonstraram que a redução da inflamação como método de tratamento da dor neuropática na LME é eficaz, com um possível mecanismo envolvendo diminuição de citocinas pró-inflamatórias e prostaglandina E2. Os efeitos da palmitoiletanolamida ultramicronizada como tratamento adicional para dor neuropática devido à LME foram estudados por Andresen et al., sem diferenças significativas na intensidade da dor vs. placebo.

Conclusões

Várias opções de tratamento reduziram a dor em pacientes depois de uma LME. Existem testes contundentes de que os anticonvulsionantes e mais especificamente a gabapentina possuem um papel beneficiosos no tratamento da dor neuropática crônica.

A pregabalina parece ser uma alternativa eficaz já que também reduz a ansiedade dos pacientes. Em alguns estudos demonstrou-se que a EMTr e a ECDt reduzem a intensidade da dor, embora deva-se realizar estudos com maior tamanho de amostra e qualidade metodológica.

Todos os métodos minimamente invasivos reduziram significativamente a intensidade da dor. A fisioterapia, os métodos alternativos, e a terapia com exercícios parecem ser beneficiosos para controlar a dor neuropática crônica por LME. Finalmente, a realidade virtual é um tratamento muito prometedor para o manejo da dor e deve-se realizar mais estudos com este método.