Introdução |
As doenças funcionais do trato gastrointestinal compreendem um grupo variado de condições que se caracterizam por sintomas relacionados ao comprometimento de órgãos do trato gastrintestinal, sem que haja evidências clínicas, endoscópicas, de imagem ou laboratoriais de doença orgânica. Ou seja, são condições crônicas recorrentes que ocorrem na ausência de uma causa anatômica, inflamatória ou relacionada a dano tecidual.
A patogenia das doenças funcionais digestivas não é perfeitamente conhecida, mas diversos fatores parecem estar envolvidos, como anormalidade da motilidade digestiva; alterações da sensibilidade e da percepção sensorial visceral; distúrbios da área psicoemocional e alterações de natureza imuno-inflamatória nos níveis microscópico ou molecular.
A sobreposição de fatores desencadeantes, como o contato com certos alimentos ou medicamentos e, sobretudo, situações geradoras de estresse emocional podem explicar o início dos sintomas. Uma vez instalado, fatores mantenedores, como os de natureza psicoemocional, ou os ligados à dieta ou ao estilo de vida, podem explicar a persistência, em longo prazo, do quadro clínico.
Principais condições funcionais digestivas |
> Dispepsia funcional
É definida pela presença de um ou mais dos seguintes sintomas abdominais superiores: dor epigástrica, queimação epigástrica, plenitude pós-prandial e saciedade precoce e os sintomas devem estar ativos nos últimos 3 meses, com início pelo menos 6 meses antes do diagnóstico; no entanto, não deve haver sinais de doença estrutural.
> Síndrome do intestino irritável (SII)
É caracterizada pela combinação dos seguintes sintomas: dor ou desconforto abdominal, ocorrendo em locais que guardam relação com a topografia dos intestinos e alteração do hábito intestinal, como constipação ou diarreia. Adicionalmente, os pacientes com essa síndrome frequentemente apresentam alterações relacionadas ao ato defecatório, como urgência, desconforto ou sensação de evacuação incompleta. Não é incomum o relato de emissão de muco esbranquiçado junto com as fezes. Muitos portadores da SII relatam também a distensão abdominal, como sintoma relevante.
Diagnóstico |
A maioria dos diagnósticos ocorre apenas com a exclusão de causa orgânica que explique os sintomas, por meio de investigação exaustiva. No entanto, a realização de exames em todos os casos seria proibitiva em termos de custo financeiro e traria a inconvenientes para os pacientes e as instituições de saúde. Sendo assim, a avaliação diagnóstica de pacientes com suspeita de condição funcional deve se iniciar com cuidadosa análise dos sintomas apresentados e das características do paciente.
Tratamento |
Primeiramente, os pacientes devem ser orientados com clareza e franqueza sobre o atual conhecimento médico sobre a doença, com a explicação sobre os possíveis fatores associados com a origem dos sintomas. Além disso, deve-se tranquilizar o paciente sobre o caráter benigno dos sintomas.
O médico deve orientar sobre as mudanças no estilo de vida, como adotar uma alimentação mais saudável, evitar o consumo de álcool e de alimentos contendo cafeína ou análogos (como chá, café, chocolate, refrigerantes) e praticar exercícios físicos regularmente.
Especificamente em pacientes com SII, existem evidências de efeito benéfico da restrição de alimentos fermentativos, como leite e derivados e algumas frutas e legumes, além de adoçantes artificiais que contenham açúcares ou álcoois não absorvíveis.
Tratamento medicamentoso |
> Dispepsia funcional
O tratamento farmacológico desta condição deve ser dirigido ao sintoma predominante. Na dispepsia tipo dor abdominal, recomenda-se iniciar o tratamento com agentes antissecretórios, como inibidores da bomba de prótons (IBPs) ou antagonistas dos receptores histamínicos H2. Nos casos com plenitude predominante, a primeira opção deve recair nas drogas prócinéticas, como a domperidona. Quando ambos os sintomas são relatados, pode-se iniciar uma abordagem por tentativa, iniciando com antissecretórios e, eventualmente, alternando para prócinéticos, caso não haja resposta favorável, ou vice-versa. Nesses casos, pode ser necessária a combinação dos medicamentos. Drogas neuromoduladoras podem ser avaliadas em um grupo de pacientes.
> Síndrome do intestino irritável
Recomenda-se que o tratamento medicamentoso seja voltado ao sintoma predominante. Nos casos de dor ou desconforto abdominal, pode-se empregar as drogas anticolinégicas de efeito antiespasmódico. Quando há constipação, pode-se usar fibras e/ou laxativos osmóticos. Nos pacientes com diarreia, o tratamento deve ser feito com medicamentos constipantes. Na SII, neuromoduladores também podem ser utilizados para um grupo considerável de pacientes.