Prática clínica

Fármacos antirretrovirais durante a gravidez

Mulheres grávidas muitas vezes são excluídas dos ensaios clínicos HIV, com isso, os dados sobre a farmacocinética (PK), segurança e eficácia dos antirretrovirais (ARVs) geralmente são limitados a não grávidas

Autor/a: Department of Health and Human Services (HHS) Panel on Treatment of HIV During Pregnancy and Prevention of Perinatal Transmission

Fuente: Recommendations for Use of Antiretroviral Drugs During Pregnancy: Overview

Resumo das recomendações

  • Ao escolher um regime de medicamentos antirretrovirais (ARV) para uso em gestantes, os profissionais devem considerar vários fatores, incluindo efeitos adversos, interações medicamentosas, a farmacocinética (PK), a segurança deles na gravidez, as evidências disponíveis, eficácia virológica em adultos e os resultados do teste de resistência do paciente e comorbidades.
     
  • Os mesmos regimes recomendados para o tratamento em adultos devem ser usados em gestantes; os médicos devem pesar os riscos de efeitos adversos para gestantes, fetos ou bebês contra os benefícios desses regimes e reconhecer que os dados de segurança dos ARV na gravidez são, muitas vezes, incompletos.
     
  • Na maioria dos casos, grávidas que têm supressão da carga viral devem continuar seus regimes atuais.
     
  • As alterações farmacocinéticas na gravidez podem levar a níveis plasmáticos mais baixos de alguns medicamentos ARV e pode ser necessário doses aumentadas e/ou dosagem mais frequente, sendo assim o monitoramento da carga viral deve se tornar mais frequente ou, então, deve ocorrer uma mudança no regime.

Introdução

Mulheres grávidas muitas vezes são excluídas dos ensaios clínicos HIV, com isso, os dados sobre a farmacocinética (PK), segurança e eficácia dos antirretrovirais (ARVs) geralmente são limitados a não grávidas. A eficácia pode ser extrapolada, desde que a avaliação farmacocinética em gestantes demonstre exposições similares a drogas no grupo controle. Em contraste, a segurança da terapia ARV não pode ser extrapolada.

A decisão sobre quais medicamentos usar durante a gravidez deve ser feita pelas pacientes depois de discutir os benefícios e riscos conhecidos e potenciais para si mesmas e para seus fetos com seus profissionais de saúde.

Para ajudar na decisão, o The Panel on Treatment of HIV During Pregnancy and Prevention of Perinatal HIV Transmission (the Panel) revisou dados de ensaios clínicos que foram relacionados ao tratamento de mulheres com HIV, sendo ou não gestantes. A durabilidade, tolerabilidade e simplicidade de um regime foram particularmente importantes para garantir a adesão e preservar opções de tratamento futuras.

A seleção do tratamento deve ser baseada em vários fatores que se aplicam a todas as grávidas, bem como fatores individuais.

Os fatores relacionados à gravidez incluíram:

  • Potenciais efeitos adversos de curto e longo prazo em fetos ou recém-nascidos, como possível risco de teratogenicidade, parto prematuro ou efeitos no crescimento e desenvolvimento;
  • Dados disponíveis de segurança e resultados adversos da gravidez, como parto prematuro;
  • Alterações da PK na gravidez;
  • Potenciais efeitos adversos para o paciente, especialmente aqueles que podem ser exacerbados durante gravidez.

Os fatores individuais incluem:

  • Potenciais interações medicamentosas;
  • Comorbidades;
  • Resultados dos testes de resistência e exposição prévia do paciente aos ARVs;
  • Capacidade do paciente de aderir a um regime; e
  • Preferência do paciente.
Tratamento

O painel recomendou que a seleção de medicamentos ARV deve ser individualizada de acordo com o histórico específico de cada paciente. Os resultados dos ensaios de resistência aos medicamentos e a presença de comorbidades, bem como a preferências pessoais da paciente devem ser avaliados para equilibrar riscos e benefícios conhecidos e desconhecidos. Em mulheres grávidas ou que estão tentando engravidar, recomenda-se que inclua pelo menos três agentes na terapia antirretroviral. Para grávidas que irão iniciar o ARV, um regime que inclua dois inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (NRTIs) e um inibidor de transferência de fita integrase (INSTI) ou um inibidor de protease (PI) potencializado com ritonavir (RTV) é o preferido.

Para o painel, pessoas que estão em um regime totalmente supressivo quando ocorre a gravidez devem continuá-los. As principais exceções incluem medicamentos que não são recomendados para uso em adultos devido ao alto risco de toxicidade ou eficácia virológica inferior e medicamentos que não deve ser usado durante a gravidez devido a preocupações com a farmacocinética.

Para pacientes que atingiram a supressão viral e engravidaram enquanto recebiam regimes com um potencial risco de falha virológica devido a farmacocinética ou que estavam recebendo regimes com dados insuficientes disponíveis na gravidez, o painel sugeriu que os médicos devem considerar manter o regime ou mudá-lo, pois sua alteração traz um risco de rebote viral. Caso a paciente decida continuar com o mesmo regime, a carga viral deve ser monitorada com mais frequência.

No entanto, caso as pacientes que não estejam totalmente suprimidas mas estão tomando terapia antirretroviral devem ser avaliadas cuidadosamente para adesão e resistência, com todos os esforços feitos para alcançar a supressão viral rápida e completa através intervenções de adesão ou mudanças de medicação.

Balançando os riscos e os benefícios da terapia antirretroviral

É importante pesar os dados disponíveis sobre riscos e benefícios de todos os agentes preferenciais e alternativos. Esses agentes incluem dolutegravir (DTG), atazanavir/ritonavir (ATV/r), darunavir/ritonavir (DRV/r) e raltegravir (RAL) (preferencial), bem como efavirenz (EFV) e rilpivirina (RPV) (alternativa), e medicamentos de base NRTI, incluindo abacavir (ABC), lamivudina (3TC), emtricitabina (FTC), fumarato de tenofovir desoproxila (FTD), tenofovir alafenamida (TAF) (todos preferidos) e zidovudina (ZDV) (alternativa). Destes, os dados sistemáticos de vigilância ao nascimento estão disponíveis apenas para TDF, FTC, 3TC, EFV e DTG.

Embora os dados iniciais tenham levantado preocupações sobre o risco de defeitos do tubo neural (DTNs) com DTG, preocupações semelhantes não foram levantadas para outros agentes. Além disso, os dados disponíveis dos ARVs são muito limitados para identificar os riscos específicos de defeitos congênitos raros ou para determinar seu uso durante a gravidez.

O risco de outros resultados adversos da gravidez, muitos dos quais são mais comuns do que defeitos congênitos, também devem ser considerados. Por exemplo, o uso de IPs, particularmente lopinavir/ritonavir (LPV/r), foi associado a um risco aumentado de parto prematuro, o que pode levar a um aumento da morbidade e mortalidade infantil.

Considerações farmacológicas para os fármacos antirretrovirais

As alterações fisiológicas que ocorrem durante a gravidez podem afetar a absorção, distribuição, biotransformação e eliminação; afetando também os requisitos para a dosagem do medicamento e, potencialmente, aumentando o risco de falha virológica ou toxicidade da droga.

  • Inibidores da Transcriptase Reversa de Nucleosídeos

As combinações de NRTI preferidas para uso em mulheres grávidas são o abacavir (ABC) associado com lamivudina (3TC) e fumarato de tenofovir desoproxila (FTD) ou tenofovir alafenamida (TAF), associado com emtricitabina (FTC) ou 3TC.

A associação de abacavir com lamivudina é considerada um regime preferido para não grávidas. Oferece a vantagem de ser administrado uma vez ao dia e é bem tolerado na gravidez. O teste para o alelo HLAB*5701 deve ser realizado e documentado como negativo antes de iniciar o ABC, e as mulheres devem ser informados sobre os sintomas de reações de hipersensibilidade.

A associação entre tenofovir disoproxil fumarato ou tenofovir alafenamida mais emtricitabina ou lamivudina é considerada um regime preferido para mulheres não grávidas. Essas combinações têm várias vantagens, incluindo dados farmacocinéticos tranquilizadores, ampla experiência com uso na gravidez, dosagem única diária, atividade aumentada contra HBV e menor toxicidade do que zidovudina associado à 3TC.

A associação de zidovudina com lamivudina é uma combinação alternativa para gestantes que ainda não realizaram nenhum tratamento antirretroviral. Apesar da eficácia comprovada na prevenção da transmissão perinatal do HIV e da vasta experiência com o uso clínico na gravidez, esta combinação de é classificada como alternativa porque requer dose duas vezes ao dia e está associada a taxas mais altas de efeitos adversos leves a moderados, incluindo náuseas, cefaleias e anemia e neutropenia materna e neonatal reversíveis.

O painel recomendou que gestantes que estejam recebendo didanosina ou estavudina devem mudar para medicamentos preferenciais ou alternativos.

  • Inibidores de Transferência de Fita Integrase

O dolutegravir (DTG) é um INSTI preferido para gestantes porque existem dados suficientes sobre a PK, eficácia e segurança do medicamento quando é iniciado durante a gravidez. Além disso, também é considerado preferível para mulheres que estão tentando conceber. O DTG está associado a taxas mais altas de supressão viral, taxas mais rápidas de diminuição da carga, maior tolerabilidade e uma maior barreira genética à resistência. No entanto, os médicos devem alertar sobre o ganho de peso durante e após a gravidez associado ao medicamento.

O raltegravir (RAL) é um INSTI preferencial para uso em gestantes que ainda não utilizaram nenhuma terapia antirretroviral com base nos dados de farmacocinética e segurança. Ensaios clínicos e dados programáticos demonstraram um rápido decaimento viral e uma maior proporção de supressão viral no parto com o uso de RAL do que com EFV ou IPs reforçados. Embora uma formulação de RAL uma vez ao dia seja aprovada para uso em não grávidas, os dados farmacocinéticos indicaram baixos níveis da droga com dose única diária na gravidez; sendo assim, o painel recomendou uso duas vezes ao dia.

Elvitegravir/cobicistate (EVG/c) é um INSTI para o qual os dados sobre o seu uso na gravidez são limitados. Os dados do estudo P1026 e do estudo PANNA sugeriram que a coadministração de EVG e COBI levou a níveis significativamente mais baixos de ambas as drogas no terceiro trimestre, ou seja, estavam abaixo dos esperados para levar à supressão viral. Com base nesses dados, EVG/c não é recomendado para uso inicial na gravidez. Por isso, o painel recomendou que grávidas que já utilizam EVG/c e têm supressão viral, podem continuar o regime desde que haja um monitoramento frequente da carga viral durante o segundo e terceiro trimestre (por exemplo, a cada 1-2 meses) ou podem mudar o regime para outro preferido.  Se a gravidez for planejada, EVG/c pode ser alterado e a supressão viral em um novo regime deve ser confirmada antes da concepção.

Bictegravir (BIC) é um INSTI recomendado para uso inicial em não grávidas. Não há dados disponíveis sobre a PK na gravidez e os dados sobre os seus resultados clínicos durante a gestação são limitados.

Cabotegravir (CAB) é um INSTI que faz parte de um regime de TARV completo de dois medicamentos em não grávidas com níveis de RNA <50 cópias/mL por pelo menos 3 meses, que estão em um regime antirretroviral estável, não têm histórico de falha de tratamento e resistência conhecida ou suspeita. Portanto, o painel constatou que o CAB não é recomendado para grávidas ou não grávidas iniciando ou reiniciando terapia ARV ou para aquelas cujo regime atual não é bem tolerado e/ou não é totalmente supressivo. Não há dados suficientes para pessoas que engravidam utilizando CAB ou aquelas que planejam conceber. O painel recomendou que as pessoas que conceberam enquanto tomaram CAB e RPV injetáveis ​​de ação prolongada mudem para um regime ARV oral recomendado durante a gravidez.

  • Inibidores de Protease

Atazanavir/ritonavir (ATV/r) e darunavir/ritonavir (DRV/r) são IPs preferidos para uso em pacientes grávidas que ainda não receberam nenhuma terapia ARV, com base em estudos de eficácia em adultos e experiência clínica. No entanto, os dados sobre o risco de defeitos congênitos raros, como DTN, são raros. Dentre os fatores que afetam a decisão de qual medicamento usar, pode-se incluir limitações como administração concomitante de antiácido, bloqueador H2 ou inibidores da bomba de prótons (para ATV/r) e a necessidade de dosagem duas vezes ao dia (para DRV/r).  Além disso, O atazanavir (ATV) está associado ao aumento dos níveis de bilirrubina indireta, que teoricamente pode aumentar o risco de hiperbilirrubinemia em neonatos; entretanto, elevações patológicas não foram observadas em estudos até hoje.

Lopinavir/ritonavir (LPV/r) não é recomendado para mulheres que desejem conceber, exceto em casos especiais. Existe uma vasta experiência clínica e dados farmacocinéticos para a utilização deste na gravidez, mas requer dosagem duas vezes ao dia e frequentemente está associado à náusea, diarréia, risco aumentado de parto prematuro e bebês pequenos para a idade gestacional. O painel recomendou que caso a paciente tenha concebido em um regime supressivo e bem tolerado que inclui LPV/r, deve-se continuar este regime.

Darunavir/cobicistate (DRV/c) ​​e atazanavir/cobicistate (ATV/c) não são recomendados para uso na gravidez. Estudos farmacocinéticos sugeriram que baixos níveis de DRV e COBI ocorrem no final da gravidez e altas taxas de falha virológica foram observadas. Os níveis de ATV foram igualmente mais baixos no segundo e terceiro trimestres. Além disso, a dosagem de DRV uma vez ao dia não é recomendada para terapia na gravidez. Para pessoas que conceberam enquanto recebiam DRV/c ou ATV/c e são viralmente suprimidas, o regime pode ser continuado com monitoramento frequente da carga viral durante o segundo e terceiro trimestre ou mudado para outro regime preferencial. Para DRV e ATV, COBI pode ser substituído por RTV como reforço farmacológico, mas atenção especial deve ser dada à dosagem de ATV (maior se usado com TDF ou antiácidos) e DRV (dose duas vezes ao dia).

Alguns IPs mais antigos – IDV, NFV, RTV e saquinavir ou tipranavir não potenciados e outros—fosamprenavir potencializado ou não, saquinavir/ritonavir e tipranavir/ritonavir – não foram recomendados e não devem ser usados ​​em mulheres grávidas.

  • Inibidores Não Nucleosídeos da Transcriptase Reversa

Não há NNRTIs preferidos para uso em gestantes.

A triagem para depressão pré-natal e pós-parto é recomendada para todas as pacientes grávidas. Como o uso de alguns NNRTIs pode aumentar o risco de depressão e suicídio, esta triagem é particularmente crítica para pacientes em regimes contendo EFV e RPV.

O efavirenz (EFV) é um ITRNN alternativo para grávidas e não grávidas que nunca receberam ARV. Pode ser adequado para pessoas que desejem um regime de combinação de dose fixa uma vez ao dia e que tolere o medicamento. Embora os dados sobre o uso de EFV na gravidez sejam tranquilizadores com no que diz respeito ao DTN e à prevenção da transmissão vertical do HIV, o aumento de desfechos adversos ao nascimento foi observado com TDF/FTC/EFV em comparação com TAF/FTC/DTG. Além disso, os efeitos adversos associados ao EFV incluem tontura, fadiga, hepatotoxicidade rara e ocasionalmente grave, sonhos vívidos e/ou pesadelos e aumento do risco de suicídio.

A rilpivirina (RPV) (oral) pode ser usada como parte de um regime para não grávidas com pré-tratamento RNA HIV <100.000 cópias/mL e contagem de células de linfócitos T CD4 (CD4) >200 células/mm. O medicamento é recomendado como um agente alternativo para gestantes que atendam a esses mesmos critérios de contagem de CD4 e carga viral. Embora os dados de PK indiquem que a sua concentração plasmática é reduzida durante os dois últimos trimestres, a redução é menor do que as observadas com EVG/c ou DRV/c, e a maioria das mulheres terá exposição adequada. Doses mais altas do que o padrão de RPV não foram estudadas, então os dados são insuficientes para recomendar uma mudança de dose na gravidez. O RPV deve ser tomado com uma refeição, o que pode dificultar a tolerância na gravidez.

O RPV injetável de ação prolongada, usado em combinação com o CAB injetável de ação prolongada, não é recomendado para gestantes que iniciam ou reiniciam terapia ARV ou cujo regime atual não é bem tolerado e/ou não totalmente supressivo. Não há dados suficientes para aqueles que conceberam com RPV injetável de ação prolongada ou aqueles que planejam conceber e há poucos dados sobre os resultados clínicos na gravidez. Recomenda-se que mulheres que conceberam enquanto tomavam CAB e RPV injetáveis ​​de longa duração mudem para um regime ARV oral recomendado durante a gravidez.

O painel não recomendou a nevirapina para terapia antirretroviral inicial em grávidas que nunca realizaram tratamento de ARV ou para não grávidas devido a um maior potencial de efeitos adversos, dosagem complexa de introdução e uma baixa barreira para resistência. Além disso, a doravirina ainda não foi estudada na gravidez, por isso, o painel não recomendou o seu uso.

  • Inibidores de fusão

Enfuvirtida e maraviroc (MVC) não foram recomendados como terapia inicial na gravidez porque seus dados de segurança e farmacocinética são limitadas. O uso desses agentes pode ser considerado para gestantes que sofreram falha virológica com várias outras classes de medicamentos e para mulheres que engravidaram em regimes supressivos bem tolerados, no entanto, os dados foram insuficientes para informar a segurança ou orientação posológica para seu uso na gravidez.

Não há dados suficientes disponíveis para suportar o uso de Fostemsavir e Ibalizumab durante a gravidez.