Introdução
A síncope é definida como uma perda completa do conhecimento caracterizada por um início repentino, uma duração curta e uma recuperação completa espontânea. É uma condição comum, representa 1% de todos os atendimentos em unidades de emergências. Ocorrem devido a uma hipoperfusão cerebral transitória, que pode desencadear-se por muitas causas deferentes. A doença cardíaca representa a segunda causa mais comum, representando 5-21% de todas as síncopes, com uma contribuição significativa das arritmias.
As síncopes cardíacas ocorrem devido um baixo gasto cardíaco transitório. A perda de consciência pode ser facilidade por outros fatores concomitantes que contribuem para a diminuição da perfusão cerebral, como a doença valvular cardíaca ou a disfunção do ventrículo esquerdo. A aterosclerose das artérias cerebrais pode aumentar o fenômeno, fazendo da síncope arritmogênica um evento frequentes em pacientes de idade avançada.
A anamnese minuciosa é um ponto crucial na avaliação dos pacientes que apresentam essa condição. Alguns achados na primeira avaliação de pacientes que apresentam uma síncope deveriam incitar ao médico a incluir a síncope arritmogênica no estudo diagnóstico, como a aparição da perda temporária de consciência enquanto está sentado ou encostado, ou umaprecedida por palpitações. Do mesmo modo, em pacientes com cardiopatia estrutural (especialmente no caso de uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo gravemente deprimida) ou um eletrocardiograma (ECG) em repouso patológico, sempre deve-se considerar uma causa arrítmica. Na tabela 1 apresenta-se uma lista de Bandeira Roxas de ECG de 12 derivações que deveriam impulsionar a busca de uma causa arrítmica.
Síncope relacionada com bradicardia
Neste grupo, a síncope está relacionada com uma diminuição acentuada da frequência cardíaca, que pode ser transitória ou persistente ao longo do tempo. Essa pode ser causada por duas condições: disfunção do nó sinusal ou distúrbios da condução AV. Muitos fatores externos podem facilitar a bradicardia, como medicamentos, distúrbios eletrolíticos ou isquemia miocárdica aguda. Estas causas reversíveis devem ser procuradas e corrigidas antes de considerar outras terapias.
Deve-se suspeitar de síncope relacionada à bradicardia na presença de bradicardia sinusal ou anormalidades de condução no ECG de repouso. No entanto, estes resultados não implicam automaticamente que a bradicardia seja a causa da síncope. Este ponto precisa de uma avaliação cuidadosa. Caso haja relação estabelecida entre as duas e na ausência de fatores reversíveis, a estimulação cardíaca é o tratamento de escolha.
Distúrbios avançados da condução AV, como bloqueio de terceiro grau documentado, de segundo grau tipo Mobitz II ou de ramo alternativo, representam indicações claras para estimulação. O bifascicular, com ou sem bloqueio AV de primeiro grau associado, e a doença do nó sinusal são condições mais complicadas.
Foi conduzido um estudo em pacientes com síncope e bloqueio de ramo. Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação convencional padronizada de sua síncope, que incluiu ecocardiografia, monitoramento Holter e teste de esforço se a síncope ocorresse durante o exercício. Descobriram que menos da metade desses pacientes tinha diagnóstico final de síncope por bloqueio AV paroxístico e, portanto, indicação de marca-passo.
Proceder ao implante de marca-passo sem ter documentado a causalidade das arritmias para a síncope (marca-passos empíricos) pode fazer com que os pacientes implantados apresentem recorrências de síncope. Na verdade, a implantação de pacientes com suspeita não documentada de bloqueio AV devido a bloqueio bifascicular pode levar a recorrências de síncope em 11-14% dos pacientes ao longo de um a dois anos. Esses números são ainda maiores para a disfunção do nó sinusal, com recorrências de síncope em até 25% dos pacientes após dois anos. Isto se deve ao fato de que a condição está frequentemente associada a um mecanismo reflexo vasodepressor, que também contribui para a síncope, mas não é equilibrado pela estimulação cardíaca. Finalmente, a estimulação empírica não demonstrou melhorar a sobrevivência.
O estudo diagnóstico em caso de síncope em combinação com bradicardia sinusal deve incluir pelo menos 24 horas de monitorização por ECG. Em pacientes com pausas sinusais assintomáticas documentadas > 6 segundos, a estimulação pode ser indicada, mas somente após outras opções diagnósticas concomitantes terem sido descartadas. Os gravadores de loop implantáveis são uma boa opção em casos pouco claros para combinar sintomas e arritmia. No caso de bloqueio bifascicular sem bloqueio AV documentado, a estratégia recomendada é realizar um estudo eletrofisiológico (EPS) para medir o intervalo HV e implantar um registrador de eventos se os achados do EPS forem inconclusivos.
A ecocardiografia deve ser realizada em todos os pacientes antes do implante de um dispositivo para escolher a melhor opção de estimulação. Em geral, a estimulação ventricular deve ser evitada sempre que possível, pois pode causar redução da função sistólica do ventrículo esquerdo, especialmente se já estiver prejudicada ou limítrofe. Se for prevista uma frequência elevada de estimulação ventricular, os doentes com uma fração de ejeção ventricular esquerda reduzida <40% devem ter um dispositivo de ressincronização implantado. Vale ressaltar que em pacientes com disfunção ventricular esquerda e/ou cardiopatia estrutural, as arritmias ventriculares devem ser incluídas no diagnóstico diferencial, mesmo que a bradicardia seja o achado mais proeminente na avaliação inicial.
Finalmente, arritmias atriais com alternância de frequências ventriculares rápidas e ritmos sinusais bradicárdicos (síndrome de bradicardia-taquicardia) podem ser tratadas com ablação por cateter, evitando-se o implante de marca-passo. Na verdade, em análise retrospectiva foi constatado que 95% dos pacientes com síndrome de taquicardia-bradicardia submetidos à ablação por cateter não tinham mais indicação de marca-passo 20,1 ±9,6 meses após o procedimento. Nestes, incluindo aqueles com pausas sinusais sintomáticas após cardioversão de fibrilação atrial espontânea, é apropriado considerar a ablação como tratamento de primeira linha.
Síncope relacionada com taquicardia
A síncope relacionada à taquicardia pode ser dividida em taquiarritmias supraventriculares e ventriculares. Diferenciá-las é crucial, pois tem importantes implicações terapêuticas e prognósticas. Portanto, esforços devem sempre ser feitos para obter documentação de taquicardia em 12 derivações. Embora as primeiras sejam muito menos frequentemente sincopais do que as taquicardias ventriculares, a tolerância hemodinâmica não deve ser considerada uma pista diagnóstica confiável. As opções de tratamento para essas taquiarritmias são muito mais amplas do que para as bradiarritmias, incluindo medicamentos antiarrítmicos, ablação por cateter e desfibriladores cardíacos implantáveis (DCI).
A taquicardia supraventricular benigna pode ser uma causa de síncopes arritmogênicas, especialmente em pacientes de idade avançada com doença cardíaca valvular significativa concomitante e aterosclerose dos vasos supraórticos. Os diagnósticos diferenciais incluem taquicardia por reentrada no nódulo AV, flutter atrial ou fibrilação atrial e, mais raramente, taquicardia por reentrada atrioventricular ortodrômica e taquicardia atrial focal. A ablação por cateter muitas vezes representa o tratamento de primeira linha para essas arritmias, dadas as graves repercussões clínicas.
Um padrão de pré-excitação ventricular no ECG deve levantar a suspeita de fibrilação atrial pré-excitada como possível causa de síncope. A ablação por cateter seria então a terapia de primeira linha, pois esta condição poderia levar à fibrilação ventricular.
A síncope na fibrilação atrial e no flutter atrial podem estar relacionadas a frequências ventriculares rápidas, mas são mais comumente relacionadas à disfunção concomitante do nó sinusal. Conforme mencionado acima, o tratamento da taquiarritmia pode prevenir a necessidade de implantação de marca-passo.
Os antiarrítmicos podem ser pesados, levando em consideração as condições e preferências concomitantes do paciente, mas devem ser cuidadosamente selecionados e monitorados, pois todos os antiarrítmicos também podem ser pró-arrítmicos e uma possível causa de síncope recorrente, seja por bradicardia ou taquiarritmia.
Em relação às arritmias ventriculares, caso sejam documentadas em paciente com cardiopatia estrutural, o DAI está indicado para prevenção secundária. Sempre que houver suspeita de síncope cardíaca com base na história e/ou no ECG de repouso, a arritmia ventricular deve sempre ser considerada em pacientes com doença cardíaca estrutural. Portanto, a ecocardiografia tem papel central na avaliação inicial. Muitas vezes, outras modalidades de imagem cardíaca serão necessárias, como a ressonância magnética cardíaca, complementadas ou não por outras modalidades dependendo do contexto clínico, como a tomografia por emissão de pósitrons 18-FDG.
Desfibriladores cardíacos implantáveis (DCI) devem ser sempre considerados em caso de síncope, quando a fração de ejeção do ventrículo esquerdo for ≤35%.
Pacientes com taquicardia ventricular monomórfica e coração estruturalmente normal apresentam menos frequentemente síncope. Nestes pacientes, a indicação de desfibrilador cardíaco implantável (CDI) é mais fraca, uma vez que um estudo abrangente que geralmente inclui ressonância magnética cardíaca descartou doença cardíaca estrutural. O CDI certamente será considerado se a arritmia não puder ser curada com ablação por cateter ou se os medicamentos antiarrítmicos não conseguirem prevenir as recorrências da arritmia. A displasia arritmogênica do ventrículo direito deve ser considerada no diagnóstico diferencial em caso de extrassístoles ventriculares prematuras do tipo bloqueio de ramo esquerdo.
É importante observar que um desfibrilador cardíaco implantável (CDI), quando indicado, tratará a arritmia quando estiver presente, mas não poderá preveni-la. Portanto, no caso de arritmias ventriculares documentadas, a ablação por cateter e/ou medicamentos antiarrítmicos também devem ser utilizados nesses pacientes para prevenção de arritmias.
Finalmente, a síncope arritmogênica pode ser devida a taquicardia ventricular polimórfica ou torsade de pointes no contexto de canalopatias congênitas ou adquiridas. Uma história familiar positiva ou um ECG patológico de 12 derivações pode indicar doença cardíaca arritmogênica hereditária. Se houver suspeita, os pacientes devem ser encaminhados para uma investigação abrangente, incluindo teste ergométrico para taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC) ou teste de ajmalina para síndrome de Brugada. Testes genéticos baseados em dados clínicos também podem ser considerados para completar o exame.
A síndrome do QT longo congênita pode ser muito difícil de diagnosticar e pode exigir o uso de manobras provocativas para desmascará-la (como um teste de exercício ou medição dinâmica do intervalo QT durante a aceleração do coração em resposta à posição em pé). O manejo da taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC) e da síndrome congênita do QT longo inclui betabloqueadores, sendo o nadolol e o propranolol as melhores evidências. Os pacientes devem ser orientados a evitar alguns medicamentos e situações, dependendo da condição. A implantação do DCI pode ser indicada, mas deve ser considerada com cautela, principalmente em pacientes jovens e de acordo com a suspeita diagnóstica.
A condição mais prevalente é a forma adquirida da síndrome do QT longo, que pode causar torsade de pointes. Um intervalo gravemente prolongado > 500 ms confere um risco duas a três vezes maior de desenvolver torsade de pointes.
Em estudo publicado por Pasquier et al., (2012) 22,3% dos pacientes internados em medicina interna apresentavam intervalo QT prolongado, principalmente no caso de doenças hepáticas ou polifarmácia. Além disso, neste estudo, 50,8% receberam medicamentos prolongadores do intervalo QT durante a internação. O intervalo QT deve sempre ser avaliado em um ECG de 12 derivações antes de iniciar medicamentos que possam prolongá-lo. É possível encontrar uma lista completa desses medicamentos online em www.crediblemeds.org. Em pacientes com intervalo QT prolongado, fatores reversíveis, como medicamentos e distúrbios eletrolíticos, devem ser procurados e corrigidos.