Introdução |
A alopecia areata (AA) é uma doença autoimune que tem como alvo os folículos pilosos na fase anágena e causa alopecia não cicatricial. É altamente frequente com grande impacto na qualidade de vida, no entanto, há poucas evidências sobre as diversas opções de tratamento. Por isso, Ramos e colaboradores (2020) realizaram um consenso para divulgar as recomendações para o tratamento da condição.
Métodos |
Para a elaboração do consenso, foram indicados oito especialistas de diferentes centros universitários com experiência em AA pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. A partir de metodologia DELPHI adaptada, os elementos relevantes foram considerados.
Resultados |
AA é uma doença crônica de curso imprevisível. É possível ocorrer remissão espontânea, bem como evoluir para formas não responsivas aos tratamentos. As formas extensas (que afetam mais de 50% do couro cabeludo) geralmente não respondem bem ao tratamento.
Considerações prévias ao tratamento da alopecia areata:
• Doença crônica de curso imprevisível
• Acometimento de áreas extensas, longo tempo de evolução e início em idade precoce estão associados a pior prognóstico
• Exames complementares não são obrigatórios para diagnóstico e avaliação de comorbidades
Para o tratamento, é essencial que o profissional explique sobre a natureza e o curso da doença, bem como as terapias disponíveis. Devido à eficácia variável dos tratamentos e seus efeitos colaterais, é importante que o clínico torne o paciente consciente sobre os aspectos positivos e negativos de cada opção.
O paciente deve ficar ciente que nenhuma das terapias modifica o curso da doença à longo prazo e tratá-la não é mandatório, sendo assim, a decisão deve ser compartilhada com o mesmo.
Dentre as opções, a corticoterapia injetável intralesional foi considerada a primeira opção para doença localizada no adulto. O acetonido de triancinolona é o mais utilizado mundialmente, mas como no Brasil está restrito ao uso intraocular, o hexacetonido de triancinolona é o tratamento de escolha.
Classicamente, é usada a concentração de 2,5 a 10mg/mL de triancinolona para o couro cabeludo e 2,5−5mg/mL para a face e demais áreas corporais. A infiltração de 0,05−0,1mL por ponto se dá no plano intradérmico ou porção superior do tecido subcutâneo, com espaçamento de 0,5−1cm entre as puncturas e intervalo de quatro a seis semanas entre as sessões. Recomenda‐se a diluição com soro fisiológico ou glicosado, misturado ou não à lidocaína. O acréscimo de lidocaína pode aumentar o risco de floculação do fármaco, caso o anestésico tenha metilparabeno, propilparabeno ou fenol como componentes de seu veículo, o que pode aumentar a chance de atrofia.
A dor pode ser relatada por alguns pacientes, principalmente crianças ou nos que apresentam formas extensas da AA, por isso pode ser útil considerar o uso de anestésicos tópicos, vibração ou resfriamento local antes da aplicação. Caso não haja melhorias em até seis meses, o tratamento deve ser suspenso. Efeitos adversos incluem dor e hemorragia nos sítios das puncturas, cefaleia, atrofia cutânea local reversível, discromia, absorção sistêmica e, bem mais raramente, anafilaxia.
Para quadros extensos, a corticoterapia sistêmica deve ser considerada. O deflazacorte foi considerada como melhor opção devido ao seu perfil de segurança mais favorável. As taxas de resposta com corticoterapia sistêmica são altas, porém há altas chances de recaída com a redução ou retirada da medicação. Para os que respondem ao tratamento, mas que se tornam corticodependentes, a associação de outra medicação sistêmica pode ser útil, como os imunossupressores (poupadores de corticoides). Não há consenso na literatura sobre dose e tempo de uso da corticoterapia oral diária na AA.
Há evidências limitadas sobre o uso da corticoterapia tópica no tratamento da AA, embora esses fármacos sejam utilizados de maneira isolada na AA limitada. Estudos indicaram que os corticoides de muito alta potência, como o clobetasol, são significativamente mais efetivos do que os de menor potência. Entre as vantagens dessa modalidade estão o menor efeito colateral em relação à via sistêmica, maior adesão do paciente e a possibilidade de seu uso em diversos veículos. Os efeitos adversos mais comuns são foliculite, atrofia cutânea local, estrias, erupção acneiforme, telangiectasias, discromia e raramente supressão adrenal. Recomenda‐se lavagem do local após 12 horas da aplicação a fim de reduzir a incidência de foliculite; a posologia de até cinco vezes por semana parece prevenir o aparecimento de atrofia.
A imunoterapia tópica (ITT) é feita com agentes desencadeantes de dermatite de contato alérgica. São usados no tratamento da AA com o intuito de diminuir a inflamação linfocítica do folículo anágeno. No Brasil, o agente sensibilizante mais utilizado é a difenciprona (DFCP). Essa é indicada principalmente para casos extensos. O uso da substância é dividido em três fases: inicial, seguimento e manutenção. Na fase I, aplica‐se uma pequena quantidade de DFCP a 2% diluída em acetona com cotonete embebido numa área de 2 × 2cm. Após duas a três semanas da fase I, pode‐se iniciar a fase II. Nessa etapa, aplica‐se DFCP semanalmente em metade do couro cabeludo. Sugere‐se, então, iniciar com baixa concentração e aumentar progressivamente a cada duas semanas: 0,01%; 0,02%; 0,05%; 0,1%; 0,2%; 0,5%; 1% e 2%. Após atingir a concentração ideal (a qual provoca eritema, descamação, prurido e desconforto de intensidade leve a moderada nas primeiras 48 horas após a aplicação), o tratamento deve ser mantido semanalmente. Na fase III, após repilação cosmética, sugere‐se reduzir a frequência das aplicações para quinzenal seguida de mensal e, por fim, suspensão do tratamento.
A antralina visa desviar o processo inflamatório, porém provoca uma dermatite de contato irritativa. Sua concentração pode variar de 0,5%−2,0% diluída em creme lanette ou solução. O medicamento é aplicado no local afetado, adentrando até 1cm da área aparentemente sã. O paciente é orientado a lavar o local e retirar bem o produto após 30 minutos. Repete‐se o procedimento diariamente. O tempo de contato com a pele é aumentado em 15 minutos, a cada três dias. Justifica-se seu uso em crianças pela ausência de efeitos colaterais sistêmicos. O tempo médio de resposta inicial é de três meses e o resultado completo, de 15 meses. Para os adultos, é considerada como segunda ou terceira linha de tratamento, mas pode ser utilizada em conjunto com outra terapia.
Dentre os imunossupressores, o metotrexato é a melhor opção, devido à necessidade de uso prolongado com segurança. Doses iniciais de 5−10mg/semana são progressivamente aumentadas, em 4−6 semanas, até 20−25mg. Como o MTX via oral em doses superiores a 15 mg pode apresentar absorção errática, a opção injetável deve ser considerada nesses casos. A ciclosporina deve ter seu uso limitado a períodos curtos, devido aos efeitos colaterais. Dose de 2mg/kg/dia dividida em três tomadas é usada inicialmente, com aumento progressivo até 5mg/kg/dia. Apesar dos efeitos colaterais, esses fármacos devem ser considerados em casos de doença extensa. Ademais, para potencializar os resultados, pode-se considerar a associação com corticoides sistêmicos e intralesionais.
Os inibidores da Janus quinase (JAK) são aprovados para mielofibrose, policitemia vera, trombocitose essencial, artrite reumatoide e psoriásica. O tratamento da AA ainda apresenta evidência de baixa qualidade. No entanto, estudos demonstraram a eficácia do ruxolitinibe e tofacitinibe oral no tratamento de pacientes refratários a outros tratamentos. Infelizmente, após a suspensão do mesmo, demonstrou-se altas taxas de recidiva. O seu uso é limitado principalmente devido a seu alto custo.
Por fim, tratamentos que apresentam pouca evidência e devem ser apenas utilizados na ausência de resposta às terapias padrão: hidroxicloroquina, zinco, sulfassalazina/mesalazina, sinvastatina/ezetimibe e minoxidil oral. Além desses, pode-se citar excimer laser/luz, fotoquimioterapia com psoraleno mais ultravioleta A, dapsona, plasma rico em plaquetas (PRP) e microagulhamento e próteses.
> Tratamento em casos especiais
Em crianças, costuma-se a utilizar corticoterapia tópica, preferencialmente de média a alta potência, como primeira opção terapêutica. Quando há uma contraindicação ou não há resposta terapêutica, pode-se utilizar antralina, DFCP e minoxidil ou optar por tratamento expectante. Os medicamentos sistêmicos podem ser cogitados em casos extensos ou em franca atividade.
A barba pode ser acometida pela AA, no entanto, não existem estudos que avaliem o tratamento nessa região. A abordagem mais frequente é a utilização de terapias locais, começando com CT tópicos, seguidos pelos intralesionais.
Os análogos de prostaglandinas, especialmente a solução de bimatoprosta 0,03%, são os únicos agentes indicados para a hipotricose ou alopecia na região de cílios. Nos supercícilios, além desse tratamento, pode-se utilizar corticoterapia tópica ou intralesional ou minoxidil.