Introdução |
O jejum (isto é, restrição calórica [CR] em várias formas) tem sido usado como uma intervenção de promoção da saúde desde o início da civilização e se espalhou de forma independente entre diferentes regiões, culturas e religiões.
As doenças neurodegenerativas (NDs) compreendem uma variedade de condições médicas complexas que afetam os neurônios e possivelmente se estendem à medula espinhal e ao sistema nervoso periférico. Atualmente, as doenças mais comuns, devido ao envelhecimento da população, são a doença de Alzheimer (DA), a doença de Parkinson (DP) e a esclerose múltipla (EM).
Fatores genéticos e idade são fatores-chave no aparecimento e desenvolvimento da EM; No entanto, os ambientais e de estilo de vida também desempenham um papel importante. Além da atividade física e do exercício cognitivo, a nutrição tornou-se um fator relevante. Estudos associaram dieta mediterrânea (MD) e a dieta cetogênica (KD) a efeitos neuroprotetores na EM. Embora exista um grande conjunto de trabalhos em modelos animais, poucos estudos investigaram essa relação em humanos.
Por isso, Hansen e colaboradores (2024) forneceram uma visão abrangente e comparativa dos dados disponíveis de estudos de intervenção primária sobre jejum em humanos com EM, nos quais o desfecho principal foi o cognitivo. Além disso, foram elucidadas possíveis ligações entre os mecanismos subjacentes aos efeitos do jejum e a neuropatologia da doença.
Figura. Mecanismos subjacentes. Embora uma dieta ocidental típica cause disbiose intestinal e aumento da inflamação, a abstinência ou redução alimentar pode ter um impacto positivo na função cognitiva, alterando a composição da microbiota intestinal e a sua secreção de metabolitos. Vários mecanismos adicionais, como reparo do DNA, aumento da autofagia, regulação positiva da função mitocondrial, aumento da sensibilidade à insulina, aumento da produção de corpos cetônicos e diminuição da inflamação geral, podem ter efeitos benéficos na função cognitiva. Abreviaturas: CR, restrição calórica; DE, doença neurodegenerativa.
Estado atual do conhecimento |
> Jejum e restrição calórica
O jejum prolongado (JP) geralmente dura entre 48 horas e 21 dias, com ingestão inferior a 350 kcal/d. O jejum intermitente (JI) é um termo geral que abrange diferentes abordagens, incluindo a restrição alimentar em dias alternados ou de tempo (TRE).
As formas mais populares de JP são o método TRE 16:8, com ingestão alimentar ad libitum por 8 horas seguida de 16 de jejum, e a dieta 5:2 onde a restrição calórica (~600 kcal) ocorre durante 2 dias consecutivos ou não por semana. Este último pode ser chamado também de jejum periódico.
A restrição calórica é definida como uma redução na ingestão energética de pelo menos 20% a 30% por 3 meses ou mais com composição nutricional adequada. Finalmente, a dieta que imita o jejum (FMD), uma combinação de RC e IA, está se tornando mais popular.
> Doença de Alzheimer
A DA é a causa mais comum de demência. Mais de 50 milhões de pacientes são afetados em todo o mundo, e os números aumentaram dramaticamente nas últimas décadas.
Estudos de randomização mendeliana forneceram evidências de uma associação causal entre características glicêmicas e DA. O metabolismo prejudicado da glicose pode ser intrínseco à patogênese do transtorno, contribuindo para o dano oxidativo, inflamação e redução do metabolismo energético.
Uma infinidade de trabalhos fora realizada sobre intervenções dietéticas e suplementos em humanos com DA. A suplementação de triglicerídeos de cadeia média mostrou efeitos promissores no hipometabolismo da glicose na DA, aumentando os níveis de cetonas e fornecendo uma fonte alternativa de energia para o cérebro.
> Comprometimento cognitivo leve
O comprometimento cognitivo leve é um estágio de transição entre o declínio cognitivo esperado que ocorre com a idade e o comprometimento mais grave observado na DA. As estimativas da etiologia da demência DA entre pacientes com comprometimento cognitivo leve variam entre 40% e 75% em diferentes populações.
Em um estudo prospectivo controlado unicêntrico em pacientes obesos com comprometimento cognitivo leve, com 60 anos ou mais, eles foram aleatoriamente designados para receber cuidados médicos convencionais sozinhos ou em conjunto com aconselhamento nutricional. Na análise, uma diminuição no IMC foi associada a melhorias nos testes cognitivos. Portanto, concluiu-se que a perda de peso intencional estava associada a uma melhor cognição em pacientes com comprometimento cognitivo leve.
> Doença de Parkinson
A DP afeta entre 0,4% e 2% da população com mais de 65 anos de idade em todo o mundo e é a segunda doença neurodegenerativa progressiva mais comum, com homens 1,5 vezes mais propensos a serem afetados do que mulheres.
Até o momento, nenhum estudo primário em humanos investigou o jejum ou a RC em pacientes com DP.
> Esclerose múltipla
A EM é uma doença do sistema nervoso central e, embora geralmente caracterizada como um distúrbio autoimune, apresenta desmielinização e neurodegeneração mediada por células T e B.
Num estudo recente, distribuíram aleatoriamente 36 pacientes com EM para 3 dietas durante 8 semanas: dieta RC diária (redução diária de 22% nas necessidades energéticas), intermitente (redução de 75% nas necessidades energéticas, 2 dias/semana) ou com peso estável (0% de redução nas necessidades energéticas, 7 dias/semana). A primeira foi melhor do que a segunda, com 86% completando o ensaio em geral. Ambas as dietas foram associadas a melhorias significativas no bem-estar emocional e nos escores de depressão em comparação com a dieta de controle com peso estável.
Conclusão As recomendações dietéticas para EM e a aplicação iminente desta como intervenção terapêutica padrão na prática clínica diária são de vital importância. Os ensaios clínicos em andamento fornecerão informações sobre os mecanismos do jejum e o eixo microbiota-intestino-cérebro em relação à doença neurológica. No geral, esta perspectiva enfatiza a necessidade de ensaios clínicos adicionais que estudem vários protocolos de jejum, pois isto poderia constituir uma nova ferramenta poderosa para prevenir e tratar a EM. |