Atividade física e saúde

Estilo de vida e aterosclerose cardiovascular

A atividade física regular, os padrões dietéticos saudáveis e a redução do estresse psicossocial são determinantes importantes.

Autor/a: Arno Schmidt-Trucksäss, Alice H Lichtenstein, Roland von Känel

Fuente: Atherosclerosis Lifestyle factors as determinants of atherosclerotic cardiovascular health Atherosclerosis. Available

Destaques:

• O aumento da atividade física e do exercício estruturado aeróbico e de resistência, que melhoram a aptidão cardiorrespiratória, reduzem o risco relativo de doença aterosclerótica cardiovascular (ASCVD) em até 50%.

• Vários padrões alimentares são consistentes com todas ou a maioria das características básicas de uma dieta saudável para o coração.

• As intervenções multicomportamentais, que incluem educação em saúde, exercício físico para melhorar o humor e aliviar o estresse, e terapia psicológica, reduzem o estresse psicossocial e os fatores de risco.

• A implementação efetiva e a adesão sustentada a hábitos de vida que apoiam a saúde na ASCVD são objetivos críticos, mas desafiadores.

1. Introdução

Compreender a complexa relação entre os fatores do estilo de vida que promovem a saúde na doença aterosclerótica cardiovascular (ASCVD) é fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento. À medida que a pesquisa continua desvendando a interação entre atividade física, dieta e estresse psicossocial, torna-se cada vez mais claro que cada um desses elementos exerce uma influência única e significativa na saúde cardiovascular (CV), e seus efeitos combinados moldam a trajetória do risco de ASCVD.

Com isso, Schmidt-Trucksäss e colaboradores (2024) realizaram uma revisão com objetivo de sintetizar os conhecimentos práticos sobre abordagens de estilo de vida para reduzir e gerenciar o risco de ASCVD.

Embora a revisão tenha abordado de maneira abrangente a atividade física, a dieta e o estresse psicológico em relação ao risco de ASCVD, é importante considerar que outros comportamentos, como o sono, o trabalho em turnos noturnos, o consumo de drogas ilícitas e a exposição ao tabaco também influenciam significativamente o risco e a progressão.

2. Atividade física, aptidão cardiorrespiratória e ASCVD

A atividade física foi definida como qualquer movimento corporal realizado por músculos esqueléticos que requer gasto energético. Assim, tanto a sua ausência (sedentarismo, inatividade) quanto o seu treinamento, definido como exercício planejado, estruturado e repetitivo com o objetivo de melhorar ou manter a condição física, foram incluídos no espectro da atividade física. No entanto, a aptidão física não é determinada apenas pelo nível de atividade física e treinamento, mas também pela genética.

A atividade física está inversamente relacionada ao risco de ASCVD. Resultados recentes do estudo National Health Interview Survey (NHIS) relataram que, para uma quantidade equivalente de atividade física, realizar atividade aeróbica regular em comparação com a inatividade resultou em uma maior redução do risco de mortalidade cardiovascular em mulheres (36%) do que em homens (14%).

Em uma revisão sistemática, a medição objetiva da atividade física baseada na contagem de passos diários foi negativamente relacionada com a incidência de ASCVD fatal e não fatal. Por exemplo, pode-se esperar uma redução do risco relativo da doença de 11% com cerca de 3.000 passos por dia, enquanto a incidência foi reduzida em aproximadamente 50% com 7.000. Em outra metanálise, foi encontrada uma redução do risco de mortalidade CV de 10-15% para cada 1.000 passos adicionais de atividade física.

O estilo de vida sedentário foi positivamente associado ao risco de ASCVD. Por exemplo, a inatividade de >6 horas/dia e assistir televisão por >4 horas/dia foram relacionados a um maior risco de mortalidade por DCV, e cada hora adicional acima do limite aumentou a razão de risco (RR) estimada em 1,04 e 1,08, respectivamente.

Dados sobre o perfil de fatores de risco cardiometabólico e a atividade física mostram que uma mudança de 30 minutos de exercício leve para um moderado e/ou mais intenso tem um efeito favorável sobre o índice de massa corporal, HbA1c e perfil lipídico, sugerindo uma redução a longo prazo dos eventos CV.

A aptidão cardiorrespiratória é cada vez mais reconhecida como o sexto sinal vital.

Estudos que compararam pessoas mais ativas com aquelas com maior aptidão cardiorrespiratória, observaram que os segundo apresentam maiores vantagens cardiorrespiratórias. Portanto, aumentar a aptidão cardiorrespiratória deve ser comparativamente mais importante do que aumentar a atividade física.

Durante 5 anos, o estudo Geração 100 comparou o efeito do treinamento contínuo moderado com o treinamento intervalado de alta intensidade e com o aconselhamento padrão (grupo de controle). O grupo de alta intensidade demonstrou um aumento significativo na capacidade cardiorrespiratória em comparação com o controle.

Uma revisão Cochrane recente de 85 estudos em 23.430 pacientes com doença coronariana submetidos a um treinamento de reabilitação com um acompanhamento médio de 12 meses mostrou uma redução do risco relativo de incidência de 26% para mortalidade CV, 23% para hospitalização e 16% para reinfarto do miocárdio.

A evidência da eficácia do treinamento de força na ASCVD ainda é mais limitada. De acordo com alguns estudos, esse foi associado a um menor risco da doença em uma curva em forma de J. A maior redução foi observada com 30 a 60 minutos de treinamento de força por semana. Durações de 130-150 min/semana e mais foram associadas a um aumento de eventos cardiovasculares.

> Mecanismos da atividade física

Diversos mecanismos foram sugeridos pelos quais a atividade física aeróbia reduz o risco de manifestações ateroscleróticas. Em primeiro lugar, há a redução da atividade do sistema nervoso simpático e a promoção da modulação vagal, que está associada a uma economia do trabalho cardíaco e a uma maior liberação de óxido nítrico, consequentemente, a uma melhor função endotelial.

Outro mecanismo chave é o efeito anti-inflamatório. A interleucina (IL) -6 e seu receptor, assim como a glicoproteína 130 e outras citocinas anti-inflamatórias, são liberadas cada vez mais da musculatura ativa durante o exercício com maior intensidade e participação da massa muscular.

A resposta inflamatória, o efeito sobre o estresse oxidativo e a função endotelial mediada pelo óxido nítrico dependem em grande medida do tipo, intensidade e duração do programa de resistência.

Recomendações para a atividade física e o treinamento físico

Para promover a saúde da ASCVD, a OMS recomenda atualmente entre 150 e 300 minutos de exercício aeróbico de intensidade moderada e entre 75 e 150 minutos de exercício de maior intensidade por semana. Na prática clínica, pode-se recomendar aos pacientes que aumentem o número de passos.

O treinamento de força deve ser realizado 2-3 vezes por semana com uma duração total de aproximadamente 30-60 minutos/semana (mas não >130-150 minutos/semana) sem evidência clara sobre os resultados de ASCVD em relação à intensidade da resistência. Em geral, recomenda-se uma intensidade de 40-60% (treinamento de potência/explosivo) ou progressão para 70-85% de 1 repetição máxima com 8-12 repetições até a fadiga voluntária com 8-10 grupos de músculos principais em 1-3 séries.

Todas as recomendações devem ser ajustadas com base na idade, sexo, fatores de risco preexistentes e estado de DCV e no nível geral de aptidão física do indivíduo. Para colocar essas recomendações em prática, é importante identificar e eliminar possíveis barreiras para a implementação sustentada de orientação sobre atividade física, tanto no nível individual (mudança de comportamento) quanto no social (por exemplo, ambiente natural e construído).

3. Dieta e risco de ASCVD

Em 2021, a Associação Americana do Coração (AHA) publicou uma orientação dietética para melhorar a saúde cardiovascular. O foco dessa foi no equilíbrio energético; consumir padrões dietéticos ricos em uma variedade de frutas e vegetais, produtos integrais, alimentos ricos em proteínas de origem vegetal, peixe e frutos do mar, laticínios com baixo teor de gordura e, se desejado, cortes magros de carne não processada e óleos vegetais líquidos; limitados em alimentos processados, açúcar adicionado, sal e, se consumido, álcool; e, o que é mais importante, aplicar as orientações independentemente de onde os alimentos são preparados ou consumidos, dentro ou fora de casa.

Figura 1. Padrões dietéticos para promover a saúde cardiovascular.

É fundamental para facilitar a adoção na população, visando promover a saúde da ASCVD. Em 2023, a Associação Americana do Coração publicou uma avaliação da harmonização das orientações com os padrões dietéticos populares. Os incluídos foram o estilo DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), mediterrâneo, pescetariano, ovo/lacto-vegetariano, vegano, baixo em gorduras,muito baixo em gorduras, baixo em carboidratos, paleolítico (Paleo) e muito baixos em carboidratos/cetogênicos.

Os resultados indicaram que quatro padrões dietéticos (estilo mediterrâneo, estilo DASH, dieta pescetariana e ovo-lacto-vegetariana) se alinhavam mais de perto com as 10 características descritas na Figura 1. As dietas vegana e baixa em gorduras se alinharam com a maioria das 10 características. Os padrões dietéticos baixos em carboidratos e muito baixos em gorduras se alinharam em certa medida, embora com limitações. Recomendou-se que as pessoas que escolhessem esses padrões dietéticos se beneficiassem da orientação de um nutricionista registrado. Observou-se que, para cada padrão dietético, existem formas mais saudáveis e menos saudáveis de configurar cada um deles. Um desafio identificado foi a grande quantidade de informação errônea e simplificação excessiva de como alguns desses padrões dietéticos são apresentados.

4. Estresse psicosocial e fatores de risco

O estresse psicossocial pode ser definido como uma ameaça ao equilíbrio homeostático que surge de desafios ambientais psicológicos e sociais exigentes (ou seja, “fatores estressantes” internos e externos). Embora as suas respostas também possam falhar e levar a síndromes coronarianas agudas (SCA) durante momentos de angústia emocional, geralmente em pessoas com aterosclerose preexistente, os fatores estressantes crônicos estão associados a consequências consideradas fatores de risco para ASCVD. Isso inclui estados persistentes de perturbação biológica, emoções negativas e estilos de vida pouco saudáveis.

Reconhecer o impacto diverso dos fatores de risco psicossociais (PSRF) na saúde cardiovascular ao longo da vida (por exemplo, estresse nos primeiros anos de vida versus na idade adulta), dependendo da sociodemografia, comportamentos de saúde e comorbidades, é crucial para orientar a pesquisa sobre os mecanismos biocomportamentais subjacentes e oferecer recomendações clínicas. Embora os PSRF possam coexistir e se sobrepor, podem estar parcialmente associados à ASCVD por meio de vias fisiológicas ou comportamentais distintas. Por exemplo, ao ajustar pela depressão, manteve-se uma associação significativa de ansiedade com eventos cardiovasculares adversos importantes, de esgotamento vital com eventos cardíacos e de estresse percebido com doença coronariana incidente.

Os efeitos específicos de gênero e as contribuições da psicologia positiva estão se tornando cada vez mais importantes na pesquisa da cardiologia comportamental. Por exemplo, os homens apresentam risco elevado de sofrer doenças coronarianas relacionadas ao estresse laboral e pior prognóstico em comparação com as mulheres. O otimismo disposicional foi relacionado a um risco reduzido de ASCVD incidente, independentemente dos dados sociodemográficos, dos fatores de risco convencionais e da depressão, além de um melhor prognóstico em pacientes com doença coronariana.

Mecanismos biocomportamentais

O estresse psicossocial e os fatores de risco exercem seus efeitos ateroscleróticos por meio de mecanismos fisiopatológicos diretos. As variantes de risco genético compartilhadas, incluindo as do sistema inflamatório, juntamente com a programação epigenética dos genes dos glicocorticoides, a disbiose intestinal e o estresse nos primeiros anos de vida, podem ser a base ou contribuir tanto para os fatores de risco psicossociais (PSRF) quanto para as ASCVD ao longo da vida.

Como mostrado na Figura 2, o início da resposta ao estresse central envolve o recrutamento de áreas neurobiológicas, principalmente a amígdala e outras estruturas límbicas. Isso resulta na ativação do sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, por um lado, e na retirada da atividade vagal, por outro. As respostas cardiovasculares periféricas subsequentes, mediadas em parte pelos níveis circulantes de cortisol liberado, catecolaminas e receptores adrenérgicos, são multifacetadas.

Figura 2. Mecanismos e vias biocomportamentais que ligam os fatores de risco psicossocial ao desenvolvimento, progressão e manifestação clínica da ASCVD.

Comportamentos pouco saudáveis, como distúrbios do sono, podem promover os PSRF. Além disso, pesquisas sugeriram que a inflamação relacionada à aterosclerose pode enviar sinais ao cérebro, induzindo neuroinflamação e disfunção dos neurotransmissores, provocando assim emoções negativas, incluindo a depressão. Esses poucos exemplos são representativos das muitas interações complexas entre os mecanismos biocomportamentais e as vias que ligam os PSRF às ASCVD.

Recomendações

Como os PSRF claramente modificam o risco de ASCVD e atuam como barreiras para a mudança de estilo de vida e a adesão ao tratamento, várias diretrizes e declarações científicas recomendam a triagem desses fatores em pacientes com a DCV estabelecida ou com alto risco de desenvolvê-la. A Figura 3 forneceu recomendações e considerações para o tratamento do estresse psicossocial e dos fatores de risco, incluindo transtornos mentais, em pacientes com ASCVD.

Figura 3. Recomendações para o tratamento do estresse psicossocial e dos transtornos mentais.

As intervenções multicomportamentais, por exemplo, oferecidas na reabilitação cardíaca, devem integrar educação em saúde, exercício físico para melhorar o humor e aliviar o estresse, e terapia psicológica para os PSRF, incluindo o aprendizado de apoio social e estratégias de autoajuda. Além disso, na presença de um transtorno mental, recomenda-se a atenção à saúde mental baseada em evidências e a cooperação interdisciplinar.

Em pacientes com doença coronariana, as intervenções psicológicas melhoraram os sintomas depressivos, a ansiedade e o estresse, reduzindo a mortalidade CV. A terapia cognitivo-comportamental remota, oferecida por telefone ou internet, também reduziu os sintomas depressivos, e a atividade física aliviou a depressão e a ansiedade.

Perspectivas

Compreender o papel clinicamente significativo do estresse psicossocial e dos fatores de risco é crucial para entender os determinantes do estilo de vida da ASCVD em um contexto mais amplo. Abordar os determinantes psicossociais não só melhora a estratificação do risco, mas também abre caminhos para intervenções multidimensionais e inovadoras em pacientes com ASCVD. Justifica-se realizar mais pesquisas para aprimorar os enfoques terapêuticos.

5. Implementação e conclusão

A implementação eficaz e a adesão sustentada a estilos de vida que apoiam a saúde da ASCVD, incluindo atividade física, dieta e estresse psicossocial, são objetivos críticos, mas desafiadores. A colaboração entre formuladores de políticas, profissionais de saúde e pacientes é essencial para criar um ambiente que apoie a adoção e a manutenção de hábitos de vida saudáveis.

Equipes de atendimento multidisciplinar estão em melhor posição para implementar intervenções abrangentes no estilo de vida que apoiarão a saúde da ASCVD (Figura 4). Intervenções personalizadas podem otimizar ainda mais os resultados. No entanto, ainda existe uma lacuna entre o conhecimento baseado em evidências dos estudos sobre esses poderosos determinantes do risco de ASCVD e a implementação no sistema de saúde que precisa ser fechada. Sem dúvida, este é um objetivo que vale a pena perseguir.

Figura 4. Determinantes do estilo de vida do risco de ASCVD.