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/ Publicado el 30 de julio de 2024

Manejo

Efeitos colaterais da terapia sistêmica crônica com glicocorticoides

Uma revisão narrativa sobre os principais efeitos adversos associados a esses medicamentos

Autor/a: Tavares LCP, Caetano LVN, Ianhez M.

Fuente: An Bras Dermatol. 2024 Mar-Apr;99(2):259-268. doi: 10.1016/j.abd.2023.05.005. Side effects of chronic systemic glucocorticoid therapy: what dermatologists should know.

Introdução

Os glicocorticoides (GCs) são medicamentos amplamente utilizados no tratamento de diversas doenças devido às suas propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras. Embora seus benefícios sejam bem reconhecidos, o seu uso pode acarretar graves efeitos adversos em vários órgãos, com um risco que pode chegar a 90% em pacientes que os utilizam por mais de 60 dias. Alguns desses incluem ganho de peso, hiperglicemia, diabetes mellitus, supressão adrenal, osteoporose e complicações cardiovasculares.

Na prática diária da dermatologia, diversas condições clínicas, especialmente dermatoses bolhosas e doenças autoimunes, exigem o uso crônico de GCs. Em uma revisão narrativa da literatura, Tavares e colaboradores (2024) destacaram os principais efeitos adversos associados a esses medicamentos.

Métodos

Para esta revisão, foi utilizada a base de dados MEDLINE através da ferramenta de busca PubMed. Foram pesquisados artigos publicados entre 2015 e 2021, utilizando operadores booleanos e descritores específicos. Dos 89 inicialmente selecionados, foram excluídos aqueles que abordavam o uso de glicocorticoides por vias diferentes da sistêmica, artigos focados em doenças específicas ou com pouca relação com o uso de GCs, escritos em idiomas diferentes do inglês ou português, bem como ensaios e revisões focados em tratamentos muito específicos. No final, 38 artigos foram incluídos nesta revisão.

Hiperglicemia e diabetes mellitus

Os glicocorticoides têm um impacto significativo no metabolismo dos carboidratos. Eles reduzem a viabilidade das células β pancreáticas e inibem a secreção de insulina. Nos tecidos periféricos, aumentam a resistência à insulina e, no fígado, estimulam a glicogênese. Como resultado, os GCs favorecem o ganho de peso, causam hiperglicemia e podem induzir ou agravar o diabetes mellitus.

A hiperglicemia induzida pode surgir na segunda semana de uso dos GCs. É essencial que os médicos informem seus pacientes sobre esse risco e os sinais de diabetes mellitus, como poliúria, polidipsia e polifagia. Recomenda-se mudanças no estilo de vida, incluindo dietas saudáveis, perda de peso e atividade física. Há diversos medicamentos disponíveis para tratar essa condição, mas poucas diretrizes indicaram a melhor opção. Portanto, é crucial que o tratamento seja conduzido em conjunto com um clínico geral ou endocrinologista.

Alterações no tecido adiposo, ganho de peso e síndrome de Cushing

Os GCs têm efeitos lipolíticos e lipogênicos no tecido adiposo, aumentando os ácidos graxos livres, reduzindo a gordura subcutânea e estimulando a gordura visceral. Essas mudanças promovem a redistribuição da gordura corporal, induzem dislipidemia e aumentam o risco cardiovascular.

O ganho de peso associado ao uso crônico de GCs está relacionado principalmente à dose e duração do tratamento, além de fatores como gênero feminino, idade jovem e tabagismo. Embora frequentemente subestimado pelos médicos, é considerado um dos efeitos adversos mais relevantes pelos pacientes, o que pode afetar a adesão ao tratamento.

A síndrome de Cushing, caracterizada por diversos fatores, incluindo obesidade central, redistribuição da gordura corporal, acne, estrias, fraqueza muscular, fadiga e entre outros, está diretamente associada à duração e dosagem do uso de GCs, especialmente doses de prednisona acima de 7,5 mg/dia. O manejo da síndrome envolve a redução da dosagem e duração do tratamento.

Insuficiência adrenal

Em excesso, os glicocorticoides causam um feedback negativo no hipotálamo e na glândula pituitária anterior, reduzindo a secreção dos hormônios liberador de corticotropina e adrenocorticotrófico. Isso leva à atrofia das zonas reticular e fasciculada da glândula adrenal, diminuindo a liberação de cortisol e andrógenos.

O risco de supressão adrenal deve ser considerado em pacientes que usam doses diárias de prednisona equivalentes a 20 mg ou mais por, no mínimo, três semanas. A resposta à corticoterapia pode variar entre os pacientes, e o uso noturno de GCs e doses fracionadas aumentam o risco de insuficiência adrenal. Para preveni-la, o tratamento deve ser na menor dose efetiva e pelo menor tempo possível. A descontinuação final só deve ocorrer após a recuperação documentada da função adrenal.

Osteoporose

Os glicocorticoides impactam negativamente a saúde óssea ao inibir a osteoblastogênese e estimular a apoptose de osteoblastos e osteócitos. Além disso, eles aumentam a reabsorção óssea ao ativar a atividade dos osteoclastos. Esse processo, quando usados cronicamente, resulta em uma redução significativa da massa óssea nos ossos trabeculares, especialmente nos corpos vertebrais, aumentando o risco de osteoporose e fraturas.

Para prevenir esses efeitos, é fundamental que os pacientes mantenham uma ingestão diária adequada de cálcio e vitamina D. O Colégio Americano de Reumatologia recomendou consumir entre 1000 e 1200 mg de cálcio e 600 a 800 UI de vitamina D por dia.

Alterações cardiovasculares

Os GCs podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares através de vários processos fisiopatológicos. Esses medicamentos possuem propriedades protrombóticas e aumentam a circulação de lipídios livres (hiperlipidemia), promovendo eventos isquêmicos. Eles também causam alterações no tônus vascular devido ao desequilíbrio entre substâncias vasoconstritoras e vasodilatadoras e aumentam a retenção de água e sódio pela ativação de receptores mineralocorticoides, levando à hipertensão arterial.

Todos os pacientes que utilizam GCs devem ser informados sobre o aumento do risco cardiovascular e incentivados a adotar hábitos de vida saudáveis. A hipertensão e a hiperlipidemia devem ser controladas conforme as principais diretrizes. 

Alterações dermatológicas

A pele também é significativamente afetada pelo uso crônico de GCs. O seu afinamento ocorre devido à inibição da proliferação de queratinócitos e à redução da produção de colágeno e ácido hialurônico pelos fibroblastos dérmicos. Complicações comuns incluem lacerações, estrias roxas largas, telangiectasias e equimoses/hematomas. A dermatoporose compromete a barreira cutânea e a cicatrização de feridas. Em doses altas, podem ocorrer acne, hirsutismo e queda de cabelo. Portanto, o manejo desses efeitos deve ser ajustado conforme a dose e a duração da terapia com CGs.

Alterações no trato gastrointestinal

O uso de GCs é considerado um fator de risco para eventos adversos gastrointestinais, como gastrite, úlcera péptica e sangramento gastrointestinal, embora haja dados conflitantes na literatura sobre o risco quando usados como monoterapia. No entanto, quando associados a anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), o risco dos dois últimos aumenta consideravelmente. Recomenda-se a profilaxia em todos os pacientes quando utilizam essa combinação de fármacos, com os inibidores da bomba de prótons sendo a primeira escolha preferida.

Trastornos neuropsiquiátricos

É amplamente reconhecido que os GCs podem causar distúrbios neurológicos e psiquiátricos significativos. Alterações de humor, depressão, euforia, labilidade emocional, mania/hipomania, acatisia, déficit de atenção, confusão, psicose e transtorno de pânico são complicações possíveis, sendo mais frequentes nos primeiros três meses de tratamento. Essas parecem estar relacionadas a doses diárias moderadas a altas, tratamento prolongado e condições psiquiátricas preexistentes.

Todos os pacientes, especialmente os mais jovens, devem ser avaliados quanto ao histórico neuropsiquiátrico antes de iniciar o tratamento com GCs. Caso ocorram efeitos adversos significativos, é essencial o encaminhamento a um especialista. Esse também é recomendado para pacientes com condições neuropsiquiátricas prévias.

Infecção e vacinas

Um dos principais efeitos dos GCs é a imunossupressão, o que representa um risco significativo para os pacientes, pois um estado de imunossupressão sistêmica facilita o surgimento e a reativação de várias infecções. Os GCs podem interferir em praticamente todas as células do sistema imunológico. Eles antagonizam a ação dos macrófagos e suprimem a produção das principais citocinas pró-inflamatórias; reduzem a adesão endotelial dos neutrófilos; inibem a ativação de subpopulações de células T, causando linfopenia significativa; e interferem na maturação e ativação das células dendríticas.

Conclusão

É essencial que todos os prescritores de GCs estejam cientes dos efeitos adversos desses medicamentos, para que possam identificá-los o mais cedo possível. O manejo dessas complicações frequentemente requer uma abordagem multidisciplinar; portanto, o dermatologista deve estar preparado para encaminhar seus pacientes aos especialistas mais adequados quando necessário. Além disso, é importante educar os pacientes e adotar medidas profiláticas para prevenir cada complicação.