Revisão

Psilocibina e depressão resistente ao tratamento

Atualmente, dois estudos de fase III estão sendo desenvolvidos para analisar o uso da substância na condição

Autor/a: Borissova A, Rucker JJ.

Fuente: BJPsych Bulletin. 2024;48(1):38-44. doi:10.1192/bjb.2023.25 he development of psilocybin therapy for treatment-resistant depression: an update.

O transtorno depressivo maior (TDM) é um distúrbio psiquiátrico caracterizado por um conjunto de sintomas que incluem humor deprimido, anedonia, desesperança, sentimentos de culpa, falta de energia, dificuldade de concentração, ideação suicida e alterações no sono e no apetite. Para atender aos critérios diagnósticos, esses precisam persistir por pelo menos duas semanas.

Existem várias opções de tratamento para TDM, como terapias psicológicas e tratamentos farmacológicos. No entanto, alguns pacientes não respondem a esses. Sendo assim, apresentam a depressão resistente ao tratamento (DRT). Essa é comumente definida como falha em responder a dois ou mais cursos adequados em dose e duração (pelo menos 6 semanas) de tratamentos de diferentes classes de antidepressivos.

O tratamento da DRT apresenta desafios significativos. As opções atuais incluem combinações de diferentes antidepressivos e estratégias de potencialização (por exemplo, adição de estabilizadores de humor, antipsicóticos ou hormônio tireoidiano). No entanto, apresentam efeitos colaterais significativos e complicações adicionais. Estudos demonstraram que psicodélicos, em particular a psilobicina, podem produzir efeitos antidepressivos rápidos, no entanto a pesquisa na DRT ainda é limitada.

A psilocibina é uma droga psicodélica clássica. Pertence à classe química das triptaminas, com uma estrutura molecular semelhante à da serotonina. Induz um estado alterado de consciência caracterizado por mudanças no humor, padrões de pensamento e experiência perceptual. Tem pouco ou nenhum potencial de dependência e não há síndrome de abstinência conhecida.

O primeiro estudo que investigou a psilocibina no DRT foi de Carhart e colaboradores (2016). Realizaram um ensaio aberto com 20 participantes com depressão resistente ao tratamento moderada a grave. Esses tinham uma duração média de doença de 17,7 anos, haviam tentado uma média de 4,6 medicamentos anteriores, e 85% já tinham tido psicoterapia. Os participantes receberam uma sessão de psilocibina de 10 mg, seguida por 25 mg duas semanas depois. Uma semana após o tratamento, 19 participantes apresentaram alguma redução na gravidade da depressão e 45% foram respondedores em 5 semanas. O estudo relatou que a substância foi bem tolerada, sem nenhum evento adverso grave ou inesperado. Apenas foram observados dor de cabeça transitória, ansiedade, náusea e transtorno de pensamento.

Um estudo clínico randomizado duplo-cego foi desenvolvido por Kopra e colaboradores (2021). Nesse, 24 participantes com TDM moderada a grave foram incluídos. Eles haviam experimentado o episódio depressivo atual por uma média de 24,4 meses, no qual 58% haviam tentado medicamentos. Receberam duas doses ajustadas ao peso de psilocibina (20 mg/70 kg, seguida por 30 mg/70 kg 1,6 semanas depois) com suporte psicológico. No total, 71% dos participantes foram respondedores uma semana após a dose e 67% aos 3 meses.

Ademais, Carhart-Harris e colaboradores (2022) recrutaram 59 pacientes com TDM moderada para um ensaio clínico randomizado duplo-cego. Eles tinham depressão com uma duração de 2 a 46 anos, haviam tentado de 0 a 6 medicamentos e 90% havia recebido psicoterapia. Metade dos participantes receberam comprimidos diários de escitalopram e duas sessões de terapia com psilocibina de 1 mg. A outra metade recebeu comprimidos diários de placebo e duas sessões de terapia com psilocibina de 25 mg. Não foi encontrada diferença significativa entre os grupos de tratamento na medida de resultado primário para depressão em 6 semanas.

Goodwin e colaboradores (2022) realizaram um estudo duplo-cego com 233 adultos divididos em três braços de tratamento. Cada grupo recebeu uma dose diferente de psilocibina: 25 mg (n = 79), 10 mg (n = 75) e um de controle ativo com 1 mg (n = 79). As mudanças na gravidade da depressão foram avaliadas do início do estudo até a terceira semana usando as pontuações totais da Escala de Classificação de Depressão de Montgomery-Åsberg (MADRS). A dose de 25 mg de psilocibina reduziu significativamente as pontuações de depressão em comparação com o controle. Os eventos adversos, ao final do estudo, foram relatados por 9%, 7% e 1% dos participantes nos grupos de 25 mg, 10 mg e 1 mg, respectivamente. Estes incluíram ideação suicida, auto-lesão e hospitalização por depressão.

O estudo conduzido por Von Rotz e colaboradores (2023) avaliou os efeitos de uma dose de psilocibina de 0,215 mg/kg versus placebo, com ambos os grupos recebendo suporte psicológico. No end point primário de duas semanas, houve uma melhora significativa tanto nas escalas de MADRS quanto nos escores autorrelatados de depressão de Beck (BDI), com taxas de resposta e remissão significativamente maiores nos participantes que receberam psilocibina.

Raison e colaboradores (2023) realizaram um estudo de fase II com objetivo de avaliar a magnitude e a durabilidade dos efeitos antidepressivos e a segurança de uma única dose de psilocibina em pacientes com TDM. Um total de 104 participantes (com idade média de 41,1 anos; 50% mulheres) foram randomizados para receber ou a 25 mg da substância ou placebo de 100 mg de niacina, cada uma administrada com suporte psicológico. O tratamento com a psilocibina foi associado a reduções significativas nas pontuações da MADRS. Ademais, foi relacionado às reduções significativas nas pontuações da Escala de Incapacidade de Sheehan. Não houve eventos adversos graves emergentes do tratamento.

Finalmente, Goodwin e colaboradores (2023) (n = 19) administraram uma dose de 25 mg de psilocibina como adjuvante a um SSRI. A mudança média do início do estudo até a semana 3 na pontuação total do MADRS foi de -14,9. O ensaio foi limitado pelo seu design de etiqueta aberta, pequeno tamanho da amostra e a ausência de um grupo de controle. Apesar dessas, foram significativos: foi o primeiro ensaio a administrar psilocibina em combinação com SSRIs para aqueles com TRD e, portanto, forneceu evidências preliminares de que a retirada desse último fármaco não é um pré-requisito para os efeitos antidepressivos da psilocibina. Dentre os eventos adversos, dois pacientes relataram aumento da pressão arterial, considerado grave e possivelmente relacionado à substância, e um experimentou sensação de peso no peito.

Sendo assim, evidências preliminares sugeriram que a psilocibina produz efeitos antidepressivos significativos e sustentados em TRD. Embora os achados sejam encorajadores, são necessários mais estudos com acompanhamentos mais longos para estabelecer a eficácia da substância.