As artes têm acompanhado a humanidade desde sempre, promovendo a saúde de maneira única. Embora não sejam palpáveis como um remédio, acalmam a alma e equilibram os seres humanos. Dentre as artes, destaca-se a a arte circense, com o palhaço como figura central. Esse, presente em diversas culturas, usa o humor para expor fragilidades humanas de forma cômica, transportando-nos para um mundo imaginário cheio de esperança e alegria.
O palhaço não ignora as dificuldades diárias; ao contrário, incorpora-as e as expressa com humor, transformando a tragédia em paródia. Isso não resolve os problemas, mas ajuda a lidar com eles, mostrando que as dificuldades são passageiras.
Nos hospitais, a figura do palhaço se apresenta como uma paródia dos médicos. No entanto, é crucial que essa figura seja introduzida com cuidado, pois o mesmo não possui as mesmas habilidades dos profissionais de saúde. Seu papel é estimular o lado saudável dos pacientes através da arte.
“O riso proporcionado pelo palhaço pode aliviar dores e sofrimentos”
Conhecendo a ancestralidade do palhaço de hospital |
Desde os primórdios, o palhaço utiliza a paródia para enfrentar a dor, a tragédia e o sofrimento humano. Ele não ignora as mazelas da vida, mas oferece uma nova perspectiva para lidar com elas. Assim como o profissional de saúde visita o paciente para diagnosticar e tratar doenças, o palhaço visita a "dor" e, de forma artística, busca encontrar algo além do sofrimento, utilizando o riso, a empatia e o amor para amenizar a tragédia .
A figura do palhaço no hospital, embora recente, tem raízes na filosofia, na arte e na saúde físico-mental. Na civilização egípcia, por exemplo, Bess, o Deus da alegria, simbolizava a busca pelo equilíbrio humano. Na Grécia antiga, o santuário de Asclépio usava o humor para curar a mente e o corpo. Nas tribos indígenas Hopis e Tunis, sacerdotes responsáveis pela saúde da tribo se vestiam de palhaço.
No final do século XIX, os irmãos Fratellini, um famoso trio de palhaços, começaram a visitar hospitais na França de forma casual. No entanto, a profissionalização surgiu em 1986, com Michael Christensen e a Clown Care Unit, vinculada ao Big Apple Circus. Christensen foi convidado pelo Babies and Children's Hospital, em Nova Iorque, a se apresentar para crianças no setor de cirurgia cardíaca. Ele parodiou a figura do médico, criando o personagem Dr. Stubs, e trouxe irreverência ao ambiente hospitalar.
Impressionado com o impacto positivo, Christensen fundou a Clown Care Unit, com o objetivo de levar surpresa, magia, entusiasmo, alegria e diversão às crianças hospitalizadas. O Brasil seguiu esse exemplo em 1991, com a criação dos "Doutores da Alegria". Para evitar conotações pejorativas associadas ao termo "palhaço", adotou-se o termo "clown". Essa profissionalização incluiu a criação de espaços de formação, como a "Escola de Palhaços", que forma artistas para atuar em diversos contextos, e projetos como o NUFO (Núcleo de Formação e Orientação) e "Palhaços em Rede", que promovem a troca de experiências e parcerias entre palhaços hospitalares no Brasil.
O Brasil apresenta um grande número e diversidade de grupos, em relação aos demais países.
O filme Patch Adams: O amor é contagioso |
Ainda sobre o palhaço no contexto hospitalar, há a perspectiva das atividades desenvolvidas pelo médico Patch Adams, cujo trabalho começou em 1971. Sua história ganhou fama internacional com o filme "Patch Adams: O Amor é Contagioso". Esse é frequentemente utilizado para promover debates sobre o personagem e a ideia equivocada de que ele pode resolver todas as demandas de saúde.
Em uma entrevista ao programa Roda Viva, na televisão brasileira, em 2007, Patch Adams afirmou que sua filosofia de vida é baseada no amor, não apenas no ambiente hospitalar, mas em todas as relações sociais. Ele acredita que o objetivo do médico não é apenas curar, mas cuidar dos pacientes com muito amor, tocando-os, olhando nos olhos, sorrindo, e usando a figura do palhaço como uma forma de interação durante o atendimento.
Formação profissional para palhaço de hospital |
Com a expansão do trabalho dos palhaços no cenário hospitalar, especialmente no Brasil, e a diversidade de grupos envolvidos, há uma necessidade premente de oferecer conhecimento adequado a todos. É crucial estabelecer uma formação mínima para esses profissionais, que complementam a assistência em saúde.
É urgente implementar um controle rigoroso sobre os trabalhos realizados no país, pois a falta de conhecimento específico pode comprometer a continuidade dos grupos mais sérios. É essencial criar verdadeiras redes de apoio para fortalecer a categoria.
Além disso, é necessário estabelecer uma comunicação e parceria eficazes com os hospitais para definir claramente o papel e as atribuições dos palhaços no atendimento aos pacientes. Assim como os gestores selecionam os profissionais de saúde, os palhaços também devem ser treinados para desenvolver suas competências e habilidades. Suas intervenções precisam ser validadas por grupos comprometidos e competentes antes de serem integradas ao serviço hospitalar.
Por fim, observa-se que muitos palhaços no Brasil atuam sem formação específica. Historicamente, muitos palhaços possuíam o dom de provocar risos, apesar de serem analfabetos. Hoje, essa falta de formação pode resultar em trabalhos de baixa qualidade, comprometendo a atuação de profissionais qualificados. Portanto, sugere-se que aqueles que desejam atuar em hospitais busquem formação técnica com profissionais de artes cênicas, que possam fornecer ferramentas para desenvolver competências e habilidades artísticas. É também essencial que os palhaços recebam capacitação em biossegurança, compreendendo a NR32 para evitar contaminação cruzada durante as interações com pacientes. Isso inclui a higienização adequada das mãos e objetos de trabalho, uso mínimo de adornos, imunizações atualizadas, utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e respeito aos protocolos de isolamento. As normas e rotinas do ambiente hospitalar devem ser rigorosamente seguidas. |
Referências
SILVA, R. et al. (2021) Análise crítica e reflexiva do filme ”Patch Adams: o amor é contagioso” faces das relações de poder no cenário hospitalar. Revista Portal.
SILVA, R. et al. (2022) Comportamentos construídos e disseminados no palhaço de hospital. SciElo Brasil.