Introdução |
É amplamente reconhecido que sexo e gênero interagem com fatores como raça, origem étnica, nível socioeconômico, deficiência, idade e orientação sexual para moldar a saúde humana. O sexo refere-se a fatores biológicos associados a características físicas e fisiológicas, incluindo hormônios, cromossomos sexuais e anatomia reprodutiva, enquanto gênero está relacionado a papéis, comportamentos e identidades socialmente construídas de mulheres, homens e pessoas de gênero diverso, também influenciados por contextos históricos e culturais. Esses processos biológicos e sociais dinâmicos e entrelaçados resultam em homens, mulheres e indivíduos com diversidade sexual e de gênero experimentando saúde e doença de maneira diferente.
A literatura existente reconhece, por exemplo, que as mulheres, apesar de sofrerem um maior grau de doenças não fatais, incluindo doenças crônicas, sobrevivem mais que os homens em quase todos os ambientes do mundo, um fenômeno conhecido como a paradoxo de sobrevivência e saúde entre homens e mulheres. Nesta análise, Patwardhan et al, (2024) utilizaram dados disponíveis para explorar as diferenças na saúde entre mulheres e homens.
Métodos |
Os pesquisadores utilizaram o Estudo Global de Carga de Doenças de 2021 para comparar as taxas de Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (DALYs) para mulheres e homens para as 20 principais causas de carga de doenças para pessoas acima de 10 anos em nível global e em sete regiões do mundo, entre 1990 e 2021. Apresentaram diferenças absolutas e relativas nas taxas de DALYs por causa específica entre mulheres e homens.
Resultados |
Globalmente, as mulheres tinham uma maior carga de doenças impulsionadas pela morbidade, com as maiores diferenças em taxas de Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (DALYs) para dor lombar (com 478,5 [intervalo de incerteza de 95%: 346,3–632,8] DALYs adicionais por 100.000 pessoas entre mulheres do que entre homens), distúrbios depressivos (348,3 [241,3–471,0]) e distúrbios de cefaleia (332,9 [48,3–731,9]).
Enquanto os homens tinham taxas mais altas de DALYs para condições impulsionadas pela mortalidade, com as maiores diferenças em DALYs para COVID-19 (com 1767,8 [1581,1–1943,5] DALYs adicionais por 100.000 entre homens do que entre mulheres), lesões em acidentes de trânsito (1012,2 [934,1–1092,9]), e doença cardíaca isquêmica (1611·8 [1405·0–1856·3]).
As diferenças entre sexos aumentaram com a idade e permaneceram constantes ao longo do tempo para todas as doenças, exceto HIV/AIDS.
Figura 1: Classificações globais das 20 principais causas de DALYs em nível mundial para mulheres e homens, padronizadas por idade (10 anos e mais), 2021
Interpretação As notáveis diferenças de saúde entre mulheres e homens apontaram para a urgente necessidade de políticas baseadas em dados específicos por sexo e idade. Também é importante continuar promovendo pesquisas sensíveis ao gênero e, em última instância, implementar intervenções que não apenas reduzam a carga de doenças, mas também alcancem uma maior equidade em saúde. |
Investigação em contexto
O estudo apresentou uma exploração sistemática das diferenças de saúde entre mulheres e homens em relação às principais causas de carga de morbidade. Utilizamos dados do GBD 2021 para analisar padrões globais e regionais na perda de saúde feminina e masculina em diferentes grupos etários e anos para as 20 principais causas de carga de morbidade.
Os Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (DALYs) de distúrbios mentais, musculoesqueléticos e neurológicos em nível mundial foram mais altos para as mulheres, enquanto as taxas de DALYs para COVID-19, lesões na estrada, doença cardíaca isquêmica, acidentes vasculares cerebrais, doenças hepáticas e tuberculose foram mais altas para os homens. Em várias condições, as diferenças entre mulheres e homens surgiram em uma idade precoce e continuaram crescendo ao longo da vida.
Além disso, as descobertas destacraam vários padrões regionais na distribuição da carga de morbidade entre grupos etários para mulheres e homens. Fornecer estimativas semelhantes sobre condições, regiões e tempo permite que pesquisadores e formuladores de políticas identifiquem claramente diferenças-chave de saúde e informem áreas prioritárias para intervenções direcionadas às diferenças nos resultados de saúde de mulheres e homens.
Discussão
Com base nas estimativas do GBD 2021, foram identificadas diferenças persistentes de saúde entre mulheres e homens nas 20 principais causas de carga de morbidade ao longo das últimas três décadas. Em 2021, de maneira geral, os homens enfrentaram uma carga de doença maior do que as mulheres. Para 13 das 20 causas principais, incluindo a COVID-19, lesões em acidentes de trânsito e uma variedade de doenças cardiovasculares, respiratórias e hepáticas, as taxas de DALYs para os homens foram mais altas do que para as mulheres. As mulheres apresentaram taxas de DALYs padronizadas por idade mais altas associadas à dor lombar, distúrbios depressivos, dores de cabeça, ansiedade, e outras condições musculoesqueléticas, doença de Alzheimer e outras demências, e HIV/AIDS do que os homens. Essas diferenças ressaltaram a importância de se considerar as diferentes necessidades de saúde de mulheres e homens ao longo da vida.
Historicamente, a atenção voltada para a saúde da mulher tem sido predominantemente focada em questões sexuais e reprodutivas, deixando de abordar todo o espectro de problemas de saúde que afetam esse gênero ao longo de suas vidas. A análise destacou, por exemplo, o custo desproporcional de condições impulsionadas pela morbidade entre as mulheres, com as maiores diferenças observadas em distúrbios mentais e musculoesqueléticos. Doenças não transmissíveis que afetam mais comumente as mulheres ainda carecem de prioridade no financiamento de pesquisa, literatura científica e, mais notavelmente, no planejamento de sistemas de saúde, tanto em termos de profissionais capacitados quanto de financiamento atribuído a essas doenças, apesar da carga sanitária e econômica associada a elas. Por exemplo, o Atlas de Saúde Mental 2020 da OMS destacou a escassez global de profissionais de saúde mental capacitados, especialmente em países de baixa e média renda, onde a taxa de profissionais de saúde mental pode ser tão baixa quanto dois por cento por 100.000 habitantes, em contraste com mais de 60 em países de alta renda. Além disso, o relatório revela que, globalmente, apenas 2,1% do gasto público com saúde é destinado à saúde mental, o que é especialmente preocupante dada a enorme carga associada aos distúrbios de saúde mental e ao fato de que afetam desproporcionalmente as mulheres em todas as regiões do mundo.
Particularmente, as diferenças de saúde que identificamos começam em idade precoce, uma fase da vida marcada por mudanças puberais e uma intensificação na socialização de gênero, quando a identidade, os papéis e as normas de gênero divergem acentuadamente e ganham destaque — sublinhando a necessidade de respostas precoces e específicas. Além disso, as diferenças entre mulheres e homens continuam a crescer com a idade em muitas doenças, deixando as mulheres com níveis mais altos de morbidade ao longo da vida, que, em média, é mais longa do que a dos homens.
Populações em todo o mundo que estão envelhecendo impõem uma demanda maior aos já sobrecarregados sistemas de saúde, o que exige um aumento no financiamento e uma infraestrutura mais sólida para atender às necessidades cambiantes de suas populações. O maior grau de morbidade entre as mulheres se combina com a crescente proporção de mulheres e homens em populações que estão envelhecendo, sendo componentes cruciais que os formuladores de políticas devem considerar ao preparar os sistemas de saúde para as próximas décadas. Isso é particularmente importante para países de baixa e média renda, onde a transição na estrutura etária de suas populações ocorre juntamente com os desafios persistentes das doenças infecciosas.