Resistência das fibras

Compreendendo a mecânica do cabelo crespo

Características da fibra capilar e métodos para avaliar propriedades mecânicas do cabelo

Autor/a: Elsabe Cloete, Nonhlanhla P. Khumalo e Malebogo N. Ngoepe

Fuente: Journal of Investigative Dermatology (2020) 140, 113e120; doi:10.1016/j.jid.2019.06.141 Understanding Curly Hair Mechanics: Fiber Strength

Introdução

A força do cabelo é principalmente considerada como resistência à quebra durante a extensão uniaxial. O teste de tração é o método mais simples para medir a resistência de uma fibra capilar. Esse consiste em aplicar uma força controlada nos fios e observar sua capacidade de esticar e voltar ao estado original. Do ponto de vista da bioengenharia, os fios cacheados são estruturas mecânicas arqueadas. Isso apresenta desafios peculiares para a extensão, implicando em dificuldades para testar sua força com precisão.

O gráfico tensão-deformação retrata as propriedades mecânicas inerentes de uma fibra ao longo de quatro áreas: toe, elástica, plástica e de falha. As características de tração são principalmente registradas das regiões elásticas às de falha. Consideradas como ruído instrumental ou folga da fibra, as respostas da região do toe geralmente não são consideradas uma interpretação precisa do caráter de tração.

A maioria dos softwares possui um parâmetro ajustável que aciona a captura de estresse em um valor de deformação pré-definido, ou seja, um ponto zero ajustado no eixo das abscissas do gráfico tensão-deformação. A região elástica representa a extensibilidade elástica da fibra, que segue uma linha aproximadamente linear. Seu gradiente (modulo de Young) quantifica a resistência à deformação, ou seja, a força da fibra em relação à extensão aplicada. Um ponto zero ajustado discrimina entre o trabalho de desenrugamento (remoção da folga do fio capilar) e o trabalho de extensão ao longo do contínuo de deformação. O trabalho total de extensão é calculado sobre a distância de deformação elástica na qual a fibra retomaria sua forma anterior e a distância de deformação não elástica na qual o fio é progressivamente danificada. Em todos os casos, o trabalho é calculado como a área sob a curva especificada. O trabalho de análise é definido como o trabalho (energia) necessário para estender a fibra em sua região elástica. Quando a carga é removida em qualquer ponto nesta região, o fio retomaria sua qualidade original sem danos permanentes.

Figura 1: Forma da curva tensão-deformação, regiões e principais parâmetros. Imagem retirada de Cloete e colaboradores (2019).

Atualmente, os instrumentos de tração de última geração são Dia-Stron, Instron e TestResources. Essencialmente, têm um módulo de montagem para segurar as fibras preparadas; uma unidade de controle; uma unidade de teste motorizada para prender e estender os fios; e uma célula de carga para medir a resposta de estresse da fibra. Durante a preparação e a fixação, os fios cacheados são submetidos a uma deformação inevitável (embora baixa) ao serem esticadas para fixação e mantidas endireitadas no módulo de montagem.

Em relação ao tema, Cloete e colaboradores (2019) realizaram estudos de tração em fibras com diferentes níveis de cachos. Eles observaram que esses fios exibiam uma resposta de estresse inicialmente atrasada, que aumentava com o grau de cachos. Inicialmente, o atraso foi atribuido à folga. No entanto, devido ao comportamento semelhante a uma mola das fibras cacheadas, que as fazem retrair rapidamente na extensão, uma pequena quantidade de folga é inadvertidamente introduzida no comprimento assumido da fibra. Em experimentos subsequentes, foram tomados cuidados extraordinários para evitar a folga, mas os mesmos atrasos foram observados. Investigações adicionais mostraram que os gráficos de tração dos cabelos cacheados eram de fato significativamente diferentes dos retos. Usando a física, os autores desenvolveram uma teoria para explicar as observações.

Métodos

Para o estudo, foi utilizada uma taxonomia qualitativa para a ondulação do cabelo, oferecida pelo método de análise de árvore de segmentação, classificando o cabelo em oito grupos de tipos de cachos (I, liso, a VIII, muito cacheado). No entanto, na prática clínica, esse método é impraticável para um grande conjunto de fibras medianamente a altamente cacheadas devido ao tempo necessário para realizar e à variabilidade nos custos da avaliação humana. Sendo assim, na pesquisa, as fibras foram classificadas de acordo com um protocolo modificado, no qual as classes V e VI, bem como VII e VIII, foram colapsadas em grupos únicos. Para estimar quantitativamente a curvatura, foram usados três descritores de curvatura: índice (Ci), largura (Cw) e profundidade (Cd). Ci, calculado como mudança percentual nos comprimentos de fibra endireitada e naturalmente retraída, é uma medida da ondulação do fio. Cw e Cd foram calculados como médias das larguras e profundidades individuais das ondas, respectivamente; a largura da onda é a distância entre os pontos médios de dois vales sucessivos; a profundidade da onda é a distância perpendicular entre um pico e a linha que une os vales em ambos os lados.

Resultados

Variabilidade significativa (entre doadores) foi observada nas mudanças no índice de cachos (ΔCi) após a fixação; no entanto, diferentes fibras do mesmo doador geralmente apresentavam comportamento semelhante. Após a primeira fixação, Ci estava acima de 80% para cacheados médios a muito cacheados; 40–60% para cacheados médios a médio-baixos; e insignificante para fios quase lisos. Após a segunda fixação, Ci estava entre 10–50% para muito cacheados; e menos de 10% para fibras cacheadas médias.

O Ci0 foi o índice de curvatura calculado após a fibra ser unifixa, cortada em comprimento fixo e repousada para manter a curvatura natural; Ci1 e Ci2 foram calculados pós-fixação e pós-medidas de tração (antes da imersão em água). As mudanças no índice de curvatura (% ΔCi0–1 e % ΔCi0–2) a partir do valor inicial do índice de curvatura mostram que a ondulação da fibra sofreu mudanças significativas ao ser esticada manualmente e mudanças adicionais ao ser testada em tração de baixa tensão. Os dados para a fibra 3 mostraram um aparente pequeno aumento em Ci após a fixação após o teste de tração. Embora pequeno, foram observadas irregularidades semelhantes no índice de curvatura em fibras de outros doadores. Essas fortaleceram a opinião de que o índice de curvatura não era um parâmetro confiável para quantificar a ondulação da fibra.

O comportamento das fibras foi investigado pela calibração, seguida pelo teste de tração. Durante a primeira etapa, a maioria foi facilmente estendida até 20% de deformação sem fraturar. Aquelas que quebraram precocemente provavelmente sofreram de fraqueza visualmente imperceptível. A maioria das fibras entrou na região elástica até 2,5% de extensão. O atraso raramente excedeu 3,5% de extensão. Todas mostram atraso na resposta ao estresse, seguido por um rápido caminho não linear para cima na região elástica, antes de se desviarem quase horizontalmente novamente, com ou sem uma pequena inclinação. As linhas tracejadas representaram o cabelo mais cacheado (tipo VI) dos dois conjuntos, enquanto as contínuas são perfis de fibras de um doador com cabelo ligeiramente menos cacheado (IV–V). Os dados brutos mostraram que as respostas ao estresse registradas para o período de deformação de atraso não eram zero, mas seguiam um caminho quase linear, com uma pequena inclinação positiva. Uma variabilidade significativamente maior nas inclinações e cargas de fratura foi observada em fibras muito cacheadas, o que poderia potencialmente ser atribuível a danos imperceptíveis, mas investigações adicionais são necessárias para uma compreensão completa.

Figura 2: Comportamentos de tensão-deformação de fibras capilares. Imagem retirada de Cloete e colaboradores (2019).

A avaliação durante o período de pequena deformação facilitou uma visualização direcionada e ampliada da região do toe. Os resultados mostraram uma forte tendência para que as fibras mais cacheadas exibissem atrasos mais longos. Para validação, perfis de três tipos distintos de cachos foram avaliados juntos, ou seja, quase lisos (tipo de cachos II), cacheados médios (tipo de cachos IV) e muito cacheados (tipo de cachos VI), e foram representados na Figura 2b. A correlação proporcional entre cachos e atrasos foi distinta, com (quase) nenhum atraso no extremo baixo da escala de curvatura, mas longos atrasos no extremo alto. Como antes, as fibras por doador geralmente apresentavam perfis semelhantes.

Para determinar se a deformação observada era permanente ou transitória por natureza, os autores submeteram as fibras a duas hipóteses possíveis, que aludiriam ao tipo subjacente de ligação que daria origem às mudanças observadas. A hipótese sugeriria uma transição irreversível (estrutural) de alfa-hélice para folha-beta, e, como resultado, seria esperado um pequeno aumento no comprimento do fio. A hipótese impermanente aludiria à quebra da ligação de hidrogênio na fibra, e, como resultado, seria esperada a reformação do cacho ao ser imersa em água. Os resultados mostraram que não houve diferença estatisticamente significativa nos comprimentos antes e depois da extensão em todas as etapas da experimentação. No entanto, enquanto imersas em água, foi observado o restabelecimento da curvatura inerente.

Os resultados da análise multivariada mostraram uma correlação positiva entre atraso, desenrugamento e trabalho de extensão de análise. A associação entre as regiões de trabalho de desenrugamento e de análise foi notável, apoiando a premissa de que a resistência da fibra, decorrente das respostas elásticas está entrelaçada com a resistência do cacho. Uma correlação semelhante não foi encontrada entre o trabalho total de extensão e o de desenrugamento, implicando que os componentes de resistência são descritos nas regiões do Toe e elástica, mas não na plástica.

Discussão

> Quantificação da curvatura

Os resultados sugeriram que Ci é um descritor de curvatura variável, que muda com o manuseio do cabelo cacheado. Além disso, ao submeter certas fibras muito cacheadas a medições de comprimento, elas naturalmente se transformam em uma hélice bidimensional quase plana. Significando que a determinação precisa de Ci é praticamente impedida. Portanto, pode-se concluir que o índice de cachos não é um representante preciso da curvatura da fibra.

> Comportamento de tração comparável

A fibra ideal representa uma mola enrolada. De acordo com a lei de Hooke, a estrutura exerce uma resposta de estresse proporcional a uma deformação que tenta esticá-la. Isso implica que, se duas molas enroladas com seções transversais equivalentes forem deformadas, a mola com bobinas mais apertadas apresentará a maior resistência. Nessa perspectiva, é de fato esperado que cabelos cacheados apresentem uma resposta de estresse ao serem endireitadas, e a resposta seria proporcional à curvatura. Os achados observados são principalmente explicados pelo comportamento de tração semelhante observado para outros biomateriais.

Figura 3: Similaridades estruturais e de resposta à tração entre um tendão e uma fibra capilar. (a) Ilustração da estrutura de um tendão, (b) estrutura do fio capilar, e (c) a sobreposição das curvas de tração das duas estruturas. Imagem retirada de Cloete e colaboradores (2019).

Quando submetidos a uma tensão, os tendões exibem um comportamento distinto na região Toe, durante o qual mostra baixa rigidez, enquanto as fibrilas são puxadas em linha reta (desenrugadas). Referindo-se ao alinhamento das estruturas internas (e não à remoção externa da folga), e, portanto, ao atrito interno resultante da reorganização das ligações. Após o desenrugamento, a espinha dorsal estrutural reta se deforma elasticamente e, em seguida, permanentemente, antes de fraturar. A resistência à tração dos tendões depende de duas contribuições, a elasticidade da espinha dorsal e o enrugamento das fibrilas.

Viscosidade e ligação de hidrogênio

A constatação de que não houve diferença estatisticamente significativa nos comprimentos das fibras antes e depois da extensão em todas as etapas da experimentação, e o restabelecimento da curvatura inerente quando imersas em água, sugeriram que a hipótese impermanente era verdadeira. O conhecimento atual associa a ligação de hidrogênio à estabilização nanoestrutural, mas não à forma da fibra.

A ligação de hidrogênio é uma interação eletrostática entre um átomo de hidrogênio ligado e uma parte de outra estrutura. Sua formação e força são facilitadas pela interação dinâmica entre vários fatores. São amplamente categorizadas em ligações fortes ou fracas. As primeiras são comumente associadas à dobragem de proteínas, mantendo o polipeptídeo em sua estrutura secundária. As biomoléculas contêm vários tipos de ligações de hidrogênio fracas. Dois dos tipos são a ligação de hidrogênio contendo enxofre e a ligação de hidrogênio de carboidratos.

O pH e a concentração de lipídios do ambiente local também são provavelmente contribuintes para a força da rede de ligações de hidrogênio.

É provável que uma rede de ligação de hidrogênio forte seja forte o suficiente para contribuir para a forma da fibra, mas fraca o suficiente para ser quebrada mecanicamente. Tal rede provavelmente adiciona um componente de viscosidade. Em materiais viscoelásticos, a rearrumação de ligações (desenrugamento interno) é necessária antes que o material se deforme elasticamente. Consequentemente, um aumento na viscoelasticidade resultaria em um perfil de tração diferente. Portanto, os autores argumentaram que existe uma rede subsidiária de ligações de hidrogênio em fibras cacheadas (que não está presente em cabelos não-cacheados), que introduz um componente viscoelástico adicional no cabelo cacheado. A diferença viscoelástica entre cabelos cacheados e não-cacheados é mais claramente perceptível na região do Toe.

Caráter multicomponente da resistência à tração do cabelo

Os resultados também sugeriram que a resistência à tração (σT) de todas as fibras capilares é composta por dois (em vez de um) componentes principais, a saber, o componente da região do Toe (σt) e da região elástica (σε). Para cabelos não-cacheados, a maior parte da resistência é derivada de σε, enquanto σt ≈ 0. Já nos cacheados, σt contribui significativamente para a resistência geral, enquanto σε continua sendo o principal contribuinte.

A contribuição de σt para a resistência do fio capilar justifica um novo termo, a saber, elasticidade da fibra, uma propriedade material inerente à tendência do cabelo de convoluir para um estado retraído (cacheado). A elasticidade descreveu a energia mecânica potencial armazenada no fio. Com base na linearidade observada na resistência da região do Toe, o termo módulo de elasticidade da fibra (gradiente da 1ª região de Hooke) foi definido como equivalente ao módulo de Young. O módulo de elasticidade está relacionado à resistência derivada da energia mecânica inerente, enquanto o de Young está associado à resistência derivada da elasticidade inerente. Com o aumento da cacheabilidade, espera-se um aumento proporcional no módulo de elasticidade. Fios retos não convoluem para um estado retraído e não oferecem resistência ao "serem puxadas em linha reta". Portanto, não se espera que armazenem energia mecânica e tenham um módulo de elasticidade de zero.

Usando análise multivariada, encontrou-se uma correlação positiva entre atraso e módulo de elasticidade da fibra. Isso implica que um módulo de elasticidade mais alto (maior energia mecânica interna) está associado a atrasos mais longos. Também foi encontrada uma correlação positiva entre atraso, desenrugamento e trabalho de extensão de análise. A associação entre as regiões de trabalho de desenrugamento e análise foi notável, apoiando a premissa de que a resistência da fibra, derivada das respostas elásticas da rigidez inerente, está entrelaçada com a resistência que surge da cacheabilidade. Não foi encontrada uma correlação semelhante entre o trabalho de extensão total e o trabalho de desenrugamento, o que implica que os componentes de resistência são descritos nas regiões do Toe e elástica, mas não nas regiões plásticas.

Conclusão

As investigações mostraram uma interrelação distinta entre a mecânica e a geometria da fibra. Consequentemente, a cacheabilidade é previsível a partir de dados de tração. Os resultados sugeriram fortemente que a resistência à tração não depende apenas do módulo de Young, mas também do módulo de elasticidade da fibra. O primeiro representa o caráter elástico do fio de cabelo, enquanto o segundo a viscoelasticidade inerente. Este último é importante em fibras cacheadas, mas se torna negligenciável com a perda de cacheabilidade.

Os resultados também destacaram limitações nos métodos de tração, que provavelmente afetam negativamente a resistência da fibra cacheada durante a preparação. Além disso, como os métodos se concentram na região elástica, eles parecem ser incapazes de capturar com precisão a resistência do cabelo cacheado, o que, por sua vez, levou à compreensão comum de que as fibras cacheadas são geralmente mais fracas do que as não-cacheadas. Isso pode não ser necessariamente verdadeiro se todos os componentes de resistência forem distinguidos com precisão.