As férias são uma oportunidade de descanso e estão associadas a benefícios, incluindo melhoria no desempenho no trabalho, maior produtividade, maior criatividade, maior satisfação no trabalho, atenção aprimorada aos relacionamentos pessoais, menor absenteísmo, menor rotatividade e menores índices de esgotamento. Também foram associadas a uma melhoria na saúde física e mental, incluindo menor risco de mortalidade cardiovascular, redução nos marcadores de estresse em nível celular e menos sintomas de depressão e ansiedade.
Apesar desses benefícios, menos da metade (48%) dos trabalhadores nos Estados Unidos com tempo pago de folga usam todo o tempo alocado. Desconectar totalmente do trabalho durante as férias também é importante e tem sido mostrado como uma melhoria na produtividade e uma redução no esgotamento emocional, enquanto trabalhar durante esse período influencia negativamente na saúde e bem-estar.
Pouco se sabe sobre o comportamento de férias dos médicos nos Estados Unidos. Uma pesquisa de 2023 com uma amostra composta por 9175 médicos em 29 especialidades descobriu que 1 em cada 3 médicos tirava 2 semanas ou menos de férias por ano. Com isso, Sinsky e colaboradores (2024) realizaram um estudo com o objetivo de caracterizar o número de dias de férias tirados por ano e a magnitude do trabalho médico durante as férias e sua associação com o esgotamento e realização profissional dos médicos, por características individuais e organizacionais.
Para isso, realizaram uma pesquisa transversal com médicos dos Estados Unidos entre 20 de novembro de 2020 e 23 de março de 2021.
O esgotamento foi medido usando o Índice de Esgotamento Profissional de Maslach, e a realização profissional foi medida usando o Índice de Realização Profissional de Stanford. Foram coletados o número de dias de férias tirados no último ano, o tempo gasto trabalhando e outras tarefas profissionais por dia típico de férias (ou seja, trabalho durante as férias), cobertura da caixa de entrada do prontuário eletrônico (PE), barreiras enfrentadas para tirar esse período de descanso e informações demográficas padrão.
Dentre 3024 respondentes, 1790 (59,6%) tinham tirado 15 dias ou menos de férias no último ano, com 597 (19,9%) tirando 5 dias ou menos. A maioria, 2104 (70,4%), realizaram tarefas relacionadas ao cuidado do paciente durante as férias, com 33,1% trabalhando 30 minutos ou mais em um dia típico de férias. Menos da metade dos médicos (1468 de 2991 médicos [49,1%]) relataram ter cobertura completa da caixa de entrada do PE enquanto estavam de férias.
O número de dias de férias tirados por ano variou por especialidade. Entre as disciplinas especializadas os anestesiologistas, radiologistas e oncologistas tiveram a maior proporção de médicos tirando mais de 3 semanas de férias, enquanto médicos da família, médicos de reabilitação e emergencistas tiveram a menor porcentagem de terem tirado mais de 3 semanas de férias.
O tempo gasto em tarefas relacionadas ao paciente durante as férias também variou por especialidade. Os emergencistas e os radiologistas tiveram a menor porcentagem de médicos realizando 30 minutos de trabalho durante as férias, enquanto os urologistas, neurologistas e subespecialidades cirúrgicas tiveram a maior porcentagem.
Em relação ao gênero, o número de dias de férias tirados e a quantidade de trabalho fora do expediente variaram por gênero. Uma proporção menor de mulheres relatou tirar mais de 3 semanas de férias do que os homens. As mulheres também tinham mais probabilidade de realizar 30 minutos ou mais de trabalho fora do expediente.
A maioria dos médicos indicou as seguintes barreiras para tirar férias: encontrar alguém para cobrir responsabilidades clínicas, o impacto financeiro de tirar férias e o volume de trabalho da caixa de entrada do EHR.
Ademais, os pesquisadores identificaram os fatores associados ao esgotamento. Na análise, tirar mais de 3 semanas de férias por ano e ter cobertura completa da caixa de entrada do EHR durante as férias foram associados a menor risco de esgotamento, enquanto gastar 30 minutos ou mais estava associado a maior risco.
Sendo assim, mais da metade dos médicos nos Estados Unidos (59,6%) tiram 3 semanas ou menos de férias por ano. A maioria dos médicos (70,4%) trabalhou em suas férias, com um terço trabalhando 30 minutos ou mais. Na análise multivariada, controlando fatores pessoais e profissionais, as mulheres tinham mais probabilidade de trabalhar mais de 30 minutos nas férias.
Tirar menos férias e trabalhar durante as férias foi associado a uma média maior de exaustão emocional e pontuações mais baixas de realização profissional. Após ajuste para outros fatores-chave (idade, gênero, estado civil, filhos, especialidade e ambiente de prática), o número de dias de férias tirados e ter cobertura completa da caixa de entrada eletrônica (EHR) durante as férias foram associados a menores chances de esgotamento profissional, enquanto passar 30 minutos ou mais trabalhando nas férias estava associado a maiores chances.
Evidências indicaram que muitos médicos estão enfrentando uma sobrecarga de trabalho. Esses profissionais trabalham mais horas por semana do que a população trabalhadora geral dos EUA, com o médico em tempo integral típico trabalhando 54 horas por semana, em média, 10 horas a mais do que outros trabalhadores a cada semana. Mais horas de trabalho por semana estão associadas a taxas mais altas de esgotamento, com aproximadamente um aumento de 2% nas chances desse a cada hora.
Como a maioria dos médicos tira 3 semanas ou menos de férias por ano e não se desconecta completamente durante as férias, esses comportamentos, provavelmente, exacerbam o risco de esgotamento profissional. Esse é uma séria ameaça ao bem-estar dos pacientes e dos profissionais, pois foi associado a taxas mais altas de erros médicos, internações mais longas, maior mortalidade, menores taxas de satisfação do paciente, redução nas horas de trabalho, rotatividade, custos excessivos com saúde e problemas de saúde física e mental.
Sendo assim, é necessário que políticas de saúde e organizações reforcem a importância do sistema garantir que os médicos tirem férias adequadas e tenham cobertura das responsabilidades clínicas para reduzir o esgotamento.