Introdução |
A dor crônica afeta em torno de 20% da população adulta dos Estados Unidos. Pode ter origem em causas conhecidas (neuralgia pós-herpética, neuropatia diabética, câncer) e em outras não tão facilmente identificáveis (fibromialgia, dor pélvica crônica idiopática). É prevalente em idosos, prejudicando negativamente a qualidade de vida, a saúde mental e a função cognitiva, prejudicando negativamente a qualidade de vida, a saúde mental e a função cognitiva. O manejo é especialmente complexo nessa população devido ao declínio associado à idade no metabolismo de medicamentos e a uma alta carga de comorbidades.
Os tratamentos variam desde abordagens e intervenções não farmacológicas (como terapia de exercícios e terapia cognitivo-comportamental) até agentes farmacológicos, incluindo medicamentos opioides e não opioides (como anti-inflamatórios não esteroidais, acetaminofeno, anticonvulsivantes, inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina [IRSNs]). Diretrizes orientaram que os opioides não devem ser usados como agentes analgésicos de primeira linha para dor crônica, mas reservados para quando os pacientes não respondem à terapia existente.
Diante disso, houve uma mudança para a prescrição de gabapentinoides (GABAs: gabapentina e pregabalina) como alternativa aos opioides, com a presunção de eficácia analgésica igual e melhor perfil de segurança. Diferentes estudos apoiaram a utilização dessa classe terapêutica no tratamento de neuralgia pós-herpética, neuropatia pós-poliomielite e neuropatia diabética, mas não existem dados comparando os GABAs com opioides nessas e outras condições de dor crônica. Por isso, Kim e colaboradores (2024) realizaram um estudo com o objetivo de preencher essa lacuna avaliando e comparando os escores de dor antes e após a intervenção.
Métodos |
Realizaram um estudo de coorte retrospectivo que utilizou dados de 2017 a 2019 de uma amostra nacional de 20% dos beneficiários do Medicare diagnosticados com dor crônica que iniciaram uma prescrição de GABA ou opioide por 30 dias contínuos e receberam cuidados domiciliares.
O resultado principal foi a diferença na redução do escore de dor entre as avaliações pré e pós-prescrição entre os 2 grupos. Essa avaliação foi medida pela frequência da dor que interfere nas atividades ou movimentos em cinco níveis (0: sem dor, 1: dor que não interfere na atividade ou movimento, 2: menos frequentemente do que diariamente, 3: diariamente, mas intermitente, 4: constantemente).
Os escores de dor foram examinados nas consultas médicas pré- e pós-prescrição dos fármacos. No primeiro, as pontuações foram obtidas através de uma avaliação anterior ao início do tratamento (0-60 dias), enquanto na segunda, após a prescrição após 7 dias (8-60 dias). Os pesquisadores também exploraram a relação dose-resposta usando as categorias de dose baixa, intermediária e alta de GABA (<600 mg, 600-1200 mg ou >1200 mg por dia, respectivamente) e de opioide (<50, 50-89 ou >90 equivalentes de miligramas de morfina [MME] por dia, respectivamente).
Resultados |
Após aplicar critérios de inclusão e exclusão, a coorte final consistiu em 3.208 usuários de GABA (idade média de 76,38 anos) e 2.846 de opioides (idade média de 77,71 anos), com 66,10% do sexo feminino e 77,13% não hispânicos brancos. Dentre as características prévias ao estudo, os pacientes que receberam GABA apresentaram uma taxa maior de diabetes, hiperlipidemia e acidente vascular cerebral/ataque isquêmico transitório, mas uma taxa menor de condições psiquiátricas, câncer e doença de Alzheimer e demências relacionadas (DADR), quando comparados ao grupo de opioides.
Em ambos os grupos, a indicação dos fármacos foi mais prevalente para lombalgia, dor crônica, abdominal/torácica e musculoesquelética. No entanto, no grupo GABA também foi observada para neuropatia, enquanto no opioide para fratura. Em relação às categorias de dosagens, é possível observar a diferença entre os grupos nas tabelas 1 e 2.
Tabela 1: Porcentagem de divisão das categorias de dose diária para os pacientes do grupo GABA.
Tabela 2: Porcentagem de divisão das categorias de dose diária para os pacientes do grupo opioide.
Os escores de dor reduziram em ambos os tratamentos. No grupo GABA, a pontuação foi diminuída em 0,64 em uma escala de 0 a 4 na avaliação pós, em comparação com 0,54 no de opioides. O número de usuários que experimentaram dor menos frequente que diária após a prescrição foi de 1.543 (48,1%) no grupo GABA e 1.188 (41,7%) no de opioides.
Sendo assim, o uso de GABA foi associado a uma maior redução na dor que interfere nas atividades em comparação com o uso de opioides, sugerindo que essa classe tem potencial como uma alternativa não opioide para dor crônica, especialmente em pacientes mais idosos com altas taxas de multimorbidade e polifarmácia.
Não houve interações significativas entre os grupos de medicamentos e diabetes, condições psiquiátricas ou doença de Alzheimer e demências associadas. A categoria de dose diária revelou significância variável. Em relação ao grupo GABA, 46,9%, 48,5% e 44,59% nas categorias de dose diária baixa, intermediária e alta, respectivamente, experimentaram dor menos frequente que a diária após a prescrição. Já em relação aos opioides, 44,0%, 36,5% e 34,58% demonstraram dor menos frequente que a diária nas doses diárias baixa, intermediária e alta, respectivamente. Logo, o estudo não encontrou diferença significativa entre os grupos de GABA e opioides nas categorias de dose baixa e alta, mas na de dose intermediária revelou uma diferença significativa, destacando a importância da dosagem ao formular planos de tratamento. Além disso, foi observado um aumento significativo nas chances de dor menos frequente que diária após a prescrição com o uso de GABA em todas as categorias de dosagem de medicamento de forma dose-dependente, com aumento significativo nas chances com as mais altas.
É importante ressaltar, no entanto, a cautela necessária para prescrever GABA em populações com alto risco de eventos adversos graves relacionados a medicamentos (pacientes com demência, doença renal crônica) ou naqueles que tomam múltiplos fármacos que atuam no sistema nervoso central. Esses estão em alto risco de efeitos colaterais: tontura, sonolência, retenção de água, distúrbios de marcha/quedas e morte; o risco é ampliado quando usado em conjunto com opioides.
Conclusão |
O uso de gabapentinoides foi associado a uma redução maior na interferência de atividades relacionadas à dor do que o uso de opioides entre os beneficiários do Medicare. As descobertas de Kim e colaboradores (2024) podem orientar planos de tomada de decisão compartilhada entre clínicos e pacientes, pesando os prós e contras do uso de GABA versus opioides. Isso destacou a necessidade de mais pesquisas sobre como essa classe farmacológica afeta a qualidade de vida e a função das atividades de vida diária em idosos com dor crônica.