Introdução |
Condições do sistema nervoso incluem uma ampla variedade de distúrbios que afetam o cérebro, a medula espinhal e os nervos periféricos, impactando as funções cognitivas, sensoriais e motoras em diferentes estágios da vida. Estas incluem doenças congênitas, neurodesenvolvimentais, cerebrovasculares, neurodegenerativas, infecções, distúrbios imunológicos, condições neuromusculares, traumas neoplasias. Suas causas, sintomas e prognósticos variam, desde curáveis ou evitáveis até aqueles que causam incapacidade ao longo da vida ou alta mortalidade.
À medida que a expectativa de vida aumenta, também aumentam os distúrbios neurológicos relacionados à idade, como Alzheimer, acidente vascular cerebral (AVC) e doença de Parkinson. O Plano de Ação Global Intersetorial da Assembleia Mundial da Saúde para Epilepsia e Outros Distúrbios Neurológicos (IGAP) visa reduzir o impacto dessas condições. Por isso, a Globan Burden of Disease Association (2024) criou uma revisão com o objetivo de estimar a perda da saúde do sistema nervoso causada por 37 condições únicas e seus fatores de risco associados em 204 países de 1990 a 2021.
Métodos |
Para isolar o impacto neurológico dessas condições, o estudo empregou diversas metodologias, utilizando uma ampla gama de fontes de dados, incluindo estudos representativos da população, pesquisas e registros hospitalares. Ajustes foram feitos para alinhar dados não referenciados com definições padrão por meio de análises de regressão, permitindo uma estimativa mais precisa da prevalência da doença.
Os modelos bayesianos desempenharam um papel crucial na estimativa da incidência e prevalência ao longo do tempo, ajustando as diferenças geográficas, etárias e de sexo, e levando em consideração as taxas de progressão e remissão da doença. O cálculo da prevalência envolveu a agregação de casos em diferentes níveis de gravidade, denominados sequelas, para refletir vários resultados de saúde. Para condições com aspectos tanto neurológicos, quanto não neurológicos, apenas os componentes neurológicos foram considerados.
O estudo também introduziu uma correção de comorbidade para evitar a superestimação da prevalência, levando em conta a coexistência de condições. A carga não fatal foi avaliada por meio de anos vividos com incapacidade (DALYs), calculados multiplicando a prevalência de cada sequela pelo seu peso de incapacidade, enquanto mortes e anos de vida perdidos (AVPs) foram estimados para condições que causaram diretamente mortalidade.
Além disso, avaliou-se a contribuição de fatores de risco evitáveis para a carga da doença, oferecendo insights sobre áreas potenciais para intervenção. Isso envolveu a estimativa do impacto da redução da exposição a certos riscos para um nível mínimo teórico. A análise utilizou métodos estatísticos avançados para calcular estimativas médias, intervalos de incerteza e mudanças percentuais ao longo do tempo, fornecendo uma imagem detalhada da paisagem em evolução da perda de saúde neurológica global.
Resultados |
Em 2021, estimou-se que 3,4 bilhões de indivíduos, equivalendo a 43,1% da população global, estavam vivendo com uma condição do sistema nervoso, resultando em 11,1 milhões de mortes e gerando 443 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade.
Essa categoria de doenças do sistema nervoso foi a principal causa de DALYs e AVPs, enfatizando o enorme impacto na saúde pública dessas condições.
Notavelmente, condições neurológicas recém-consideradas, neurodesenvolvimentais e pediátricas, juntamente com outros distúrbios que causam perda de saúde cerebral, contribuíram significativamente para o ônus geral.
As dez condições neurológicas que contribuíram com o maior número de DALYs foram AVC, encefalopatia neonatal, enxaqueca, doença de Alzheimer e outras demências, neuropatia diabética, meningite, epilepsia, complicações neurológicas devido ao nascimento prematuro, transtorno do espectro autista e câncer do sistema nervoso.
Figura 1: Classificação das taxas de DALY padronizadas por idade para todas as condições com perda de saúde neurológica por região do GBD em 2021. Imagem retirada de The Globan Burden of Disease Association (2024).
A perda de saúde do sistema nervoso afetou de forma desproporcional as pessoas em países de baixa e média renda.
Regionalmente, o ônus das condições neurológicas estava distribuído de forma desigual, com as maiores taxas de DALYs padronizadas por idade observadas na África subsaariana ocidental e central, principalmente devido a condições que afetam crianças menores de cinco anos. Esse grupo etário enfrentou as maiores taxas de DALYs globalmente, com encefalopatia neonatal e meningite sendo as principais causas. Entre diferentes grupos etários, as principais causas de DALYs variaram, destacando o impacto de condições específicas em diferentes estágios da vida. A alta proporção de mortes em países de baixa e média renda, em comparação com os de alta, provavelmente foi relacionada ao menor acesso a serviços de alta qualidade e especialistas em sistema nervoso.
Tendências temporais de 1990 a 2021 mostraram padrões variados entre condições individuais, com aumentos significativos nos DALYs padronizados por idade para condições como neuropatia diabética, enquanto outras, como o tétano, apresentaram diminuições substanciais. O surgimento da doença coronavírus 2019 (COVID-19) adicionou uma nova dimensão ao ônus neurológico, com milhões de casos apresentando sintomas cognitivos de longo prazo ou síndrome de Guillain-Barré. Curiosamente, a distribuição de DALYs neurológicos entre os sexos foi desigual, com os homens geralmente com um maior ônus(principalmente atribuída à síndrome de Guillain-Barré devido à COVID-19, esclerose múltipla e enxaqueca), exceto nos grupos etários mais avançados, onde as taxas eram similares ou mais altas para as mulheres.
O estudo também examinou a contribuição de vários fatores de risco para o ônus neurológico, sendo a pressão arterial sistólica alta o fator de risco mais significativo para o AVC e a glicose plasmática em jejum alta para a doença de Alzheimer e outras demências. Outros fatores, como tabagismo e poluição do ar, também foram identificados como contribuintes significativos para o ônus de várias condições neurológicas.
O número absoluto de pessoas vivendo com ou morrendo de condições neurológicas aumentou ao longo das últimas três décadas. Essa descoberta refletiu as tendências demográficas e de envelhecimento globais e o aumento da exposição a fatores de risco ambientais, metabólicos e de estilo de vida que foram especialmente relevantes para condições neurológicas não transmissíveis, como acidente vascular cerebral e demência. Ao mesmo tempo, as taxas de morte diminuíram. A maior conscientização pública sobre o AVC, o uso de estatinas e medicamentos para baixar a pressão arterial provavelmente contribuíram para a redução de DAILYs associadas ao AVC. Essas provavelmente também foram impulsionadas pela vacinação global e esforços de prevenção de doenças, especialmente para tétano, raiva, meningite, neurocisticercose e encefalite, e melhoria no acesso à prevenção e tratamento. Por fim, a promoção e a aplicação da suplementação de ácido fólico e fortificação de produtos de cereais contribuíram para a redução na incidência de defeitos do tubo neural em países que instituíram essa iniciativa básica de saúde pública.
Conclusão |
O estudo destacou que os distúrbios que afetam o sistema nervoso são a principal causa do ônus global de doenças em todo o mundo. Considerando as diferenças ao longo da vida e dentro dos países, são urgentemente necessárias estratégias de tratamento e prevenção sob medida, planos de saúde pública e promoção de pesquisas sobre intervenções inovadoras para enfrentar o crescente ônus dos distúrbios neurológicos.