Introdução |
O conjunto de conhecimento em rápida expansão sobre as funções da genômica e o sistema imunológico no câncer têm permitido o desenvolvimento de terapias dirigidas a alterações moleculares específicas ou outras características biológicas, como as implicadas na supressão imune. No entanto, a genômica também tem relevado uma realidade complicada sobre as neoplasias malignas que requerem uma mudança importante no paradigma da terapia: abandonando o tratamento focado no tipo de tumor e adotando um tratamento dirigido por genes e independente da histologia, que é individualizado para cada paciente com base na análise de biomarcadores.
Esta mudança de paradigma se refletiu na aparição de ensaios de medicina de precisão com desenhos inovadores. A sequenciação de próxima geração (NGS) de cânceres avançados tem demostrado que as alterações genômicas não caem claramente em categorias definidas pelo órgão de origem do tumor. Além disso, os tumores metastáticos abrigam países genômicos e imunológicos tremendamente complexos e individualmente únicos. Por isso, para atacar as neoplasias malignas com “precisão”, o tratamento deve ser personalizado.
Com isso, Tsimberidoua e colaboradores (2020) realizaram uma revisão da rápida evolução da medicina de precisão em oncologia e, em particular, o desafio e a oportunidade que a ciência genômica tem revelado frente a necessidade de tratamentos específicos.
Desenhos inovadores de ensaios clínicos |
Tradicionalmente, os ensaios de oncologia se centram nos fármacos e apontam a identificar atributos comuns entre os pacientes (por exemplo, seu tipo de tumor ou, mais recentemente, uma anomalia genômica compartilhada) e inclui-los em um ensaio com um regime farmacológico específico. A grande variabilidade nos subgrupos genômicos, o microambiente, as características iniciais, as comorbilidades e outras covariações deram como resultados estudos clínicos específicos de tumores que cobriram uma população tremendamente heterogênea em ensaios de genes independentes de histologia específica.
Os ensaios randomizados de fase III foram frequentemente críticos para a aprovação regulatória de um novo agente/regime, especialmente porque a atividade antitumoral de um novo medicamento/regime era frequentemente apenas melhor do que a do grupo de comparação (geralmente terapia convencional), como talvez porque o regime era eficaz apenas em um pequeno subgrupo da população diversificada representada por uma histologia específica.
O objetivo final da medicina de precisão é um ensaio individualizado e centrado no paciente (em vez de centrado no medicamento), baseado nos melhores biomarcadores disponíveis. Nos ensaios “N de 1”, o tratamento de cada participante é considerado separadamente com base nas suas características moleculares, imunológicas e biológicas. Esses ensaios envolveram combinações de medicamentos personalizadas.
Genômica e outros biomarcadores |
A genômica tem sido a pedra angular dos estudos de medicina de precisão. Além dessa, os perfis de RNA e proteínas, sendo as últimas os efetores de sinalização, também parecem ser importantes para mediar o impacto biológico. Curiosamente, a comparação de pacientes com medicamentos sobre a base da genômica tem demostrado ser mais efetiva para melhorar os resultados do que quando comparando com base de proteínas, talvez por razões técnicas.
Apesar das limitações práticas, os ensaios de proteínas e transcrições podem proporcionar informação essencial quando se integram com a genômica. Recentemente, painéis que incorporam assinaturas imunológicas, baseadas em DNA, RNA e/ou proteínas, também ganharam importância clínica.
> Análise de DNA livre de células derivadas do sangue
Os testes de DNA tumoral circulante derivado do sangue (ctDNA) de grau clínico, que não são invasivos e refletem a heterogeneidade do tumor (porque o seu DNA pode filtrar-se na corrente sanguínea a partir de múltiplas lesões metastáticas), utilizam-se cada vez mais para selecionar terapias contra o câncer e monitorar a dinâmica dos subclones durante o tratamento. A discordância observada em alguns casos entre os resultados dos testes e a análise de genotipados do tecido tumoral pode refletir problemas técnicos, mas não pode ser atribuído as seguintes razões biológicas: (1) o NGS do tumor mede a genômica na pequena porção do tecido biopsiado, enquanto o ctDNA avalia a liberação de DNA de vários locais; (2) o ctDNA está associado à carga tumoral e pode ser detectado em níveis baixos.
> Análise de células tumorais circulantes (CTC) derivadas do sangue
A presença de CTC têm se associado de forma independente com uma piora na sobrevivência em vários tipos de câncer. Por exemplo, em um estudo prospectivo, multicêntrico e duplo-cego, o número dessas células em pacientes com câncer de mama metastático não tratado se correlacionou com uma sobrevivência livre de progressão (SSP) e uma sobrevivência geral (SG) mais curtas.
As CTCs também podem ser um biomarcador preditivo para quimioterapia e imunoterapia. No entanto, o seu uso na prática clínica não é estabelecido completamente.
Finalmente, as análises seriadas de CTC poderiam permitir a vigilância em tempo real.
Imunoterapia e terapia celular |
Ao reativar a respostas antitumoral imune inata, a imunoterapia tem suporto um grande avanço na oncologia. Atualmente estão explorando diversas abordagens novas: bloqueio de pontos de controle, vírus oncolíticos, produtos celulares, citocinas modificadas, anticorpos biespecíficos CD3, plataformas de vacinas e terapia celular adotiva.
> Bloqueio de pontos de controle
Há sete inibidores de pontos de controle aprovados pela FDA: ipilimumabe, pembrolizumabe, nivolumabe, avelumabe, cemiplimabe, durvalumabe e atezolizumabe. Os pacientes selecionados com doença avançada têm uma resposta notável, incluindo a remissão completa (RC) duradoura.
Na era da medicina de precisão, é usada a genômica, a transcriptômica e outras tecnologias para a identificação de biomarcadores que predizem os benefícios da imunoterapia. Curiosamente, os que predizem a capacidade de resposta dos inibidores de pontos de controle são genômicos: alta carga mutacional tumoral (TMB), defeitos de reparação de genes não coincidentes que resultam em uma alta instabilidade de microssatélites (MSI-H), alterações PBRM1, e amplificação de PDL1.
Especificamente, alguns estudos demonstraram que TMB prediz o benefício clínico dos inibidores de ponto de controle. Em uma análise de 151 de 1638 pacientes que foram tratados com regimes imunoterápicos e tiveram uma avaliação de TMB, a TBM alta se associou de forma independente com uma melhora significativa na SSP e a SG em comparação com a TMB baixa a média. No entanto, outros têm questionado o seu uso como biomarcador.
> Terapia celular adotiva (TCA)
A TCA é uma abordagem de tratamento personalizada inovadora que melhora o sistema imunológico do paciente e conduz a destruição de células tumorais específicas. As células imunes derivadas do sangue ou do tecido de um paciente se expandem in vitro e logo são reinfundidos. Estas podem reprogramar-se para reconhecer antígenos específicos de tumores. Alguns modelos de TCA são:
- TIL: O TIL TCA é baseado no uso de células T que se infiltraram no tumor de um paciente. Células autólogas são coletadas e administradas após expansão e ativação. Esta abordagem mostrou resultados promissores em melanoma metastático e carcinoma nasofaríngeo e cervical.
- Células CAR-T: As células CAR-T são um tipo de terapia com células T adotivas em que as células T autólogas são geneticamente modificadas para reconhecer antígenos expressos em células malignas. A terapia adotiva com células T resultou em taxas de sucesso notavelmente altas em malignidades hematológicas, mesmo em pacientes com doença refratária. Portanto, o FDA aprovou células CAR-T para o tratamento de pacientes pediátricos e adultos jovens com leucemia linfoblástica aguda precursora de células B recidivante/refratária.
- Vacinas personalizadas: O acúmulo de mutações somáticas no câncer pode gerar neoepítopos específicos. As células T autólogas identificam frequentemente estes neoepítopos como corpos estranhos, tornando-os alvos ideais para vacinas contra o cancro. Cada câncer tem suas próprias mutações, mas compartilham um pequeno número de neoantígenos. Em teoria, os avanços tecnológicos resultarão em breve no mapeamento rápido de mutações dentro de um genoma, na seleção racional de alvos de vacinas, como neoepítopos, e na produção sob demanda de vacinas adaptadas ao tumor individual. Alternativamente, vacinas comercialmente disponíveis para tumores com epítopos partilhados também poderiam ser úteis.
Desafios e soluções para a implementação ideal da medicina de precisão |
Os estudos genômicos têm revelado a realidade dos tumores: são tremendamente heterogêneos e complexos, e a terapia otimizada frequentemente não é o resultado de modelos de prática e investigação clínica clássica.
Estudos de medicina de precisão demostraram os principais desafios no desenho de ensaios para este novo paradigma. Em primeiro lugar, a taxa de emparelhamento de pacientes com fármacos nestes ensaios oscila entre 5% e 49% e, em sua maioria, se situa entre 15% e 20%. A incompatibilidade de pacientes é atribuída a (1) inscrição de pessoas com doença em estágio terminal, que pioram ou morrem prematuramente; (2) uso de pequenos painéis de genes que produzem alterações acionáveis limitadas; (3) atrasos no recebimento e interpretação dos resultados genômicos; e (4) dificuldade de acesso a medicamentos terapêuticos direcionados e/ou disponibilidade limitada de medicamentos.
Várias iniciativas poderiam ajudar a superar os desafios introduzidos pela compreensão emergente da biologia do cancro: (1) o perfil molecular (tecido, sangue) deve ser utilizado no momento do diagnóstico e durante o curso da doença, este último para monitorizar a resposta e a resistência; (2) a conclusão do perfil molecular deve ser acelerada; e (3) a análise bioinformática deve ser otimizada para incluir os principais fatores da carcinogênese.
Conclusões e perspectivas de futuro |
Os notáveis avanços biotecnológicos estão transformando o atendimento ao câncer. Os perfis de DNA livres de células e tumores mediante NGS, assim como a análise proteômica e de RNA, e uma melhor compreensão dos mecanismos imunológicos estão otimizando a seleção de tratamentos.
Um grande desafio no manejo terapêutico de pacientes com câncer metastático avançado é a complexidade da biologia tumoral. Essa complexidade é atribuída a padrões altamente variáveis de diversidade genética e epigenética e arquitetura clonal associada à expansão espacial, auto renovação proliferativa, migração e invasão. A complexidade é amplificada pelo caráter evolutivo dinâmico e darwiniano das células cancerígenas, que passam por buscas sequenciais de mecanismos para escapar das limitações ambientais.
As estratégias para abordar a complexidade do tumor incluem o direcionamento de células-tronco cancerosas autorrenováveis para superar sua plasticidade e adaptabilidade, impactando o microambiente e convertendo o câncer em uma doença crônica (usando medicamentos citostáticos para suprimir a divisão celular e novas mutações). A natureza complicada da biologia tumoral também é resultado de interações entre o tumor, o hospedeiro e o ecossistema local, incluindo o tipo HLA, polimorfismos genéticos, microbioma, repertório de células imunes e microambiente tumoral.
Novas estratégias, algumas das quais têm agora uma história comprovada, incluem terapias dirigidas a genes e uma série de abordagens dirigidas ao sistema imunitário (por exemplo, bloqueio de pontos de controlo, células CAR-T, vacinas personalizadas). Um tema geral é que a terapia otimizada pode exigir o uso de combinações de medicamentos e/ou estratégias que ataquem o tumor de múltiplos ângulos. É hora de reconhecer a possibilidade de que a implementação da computação avançada possa gerar dados do mundo real que expandam a compreensão do câncer, identifiquem rapidamente novos tratamentos e criem medicamentos personalizados ou terapias imunitárias.