Introdução |
O sistema gastrointestinal humano abriga uma imensa quantidade de microrganismos que interagem de maneira simbiótica com seus hospedeiros, desempenhando um papel vital tanto na manutenção da saúde quanto no surgimento de doenças. Helicobacter pylori, uma bactéria gastrointestinal amplamente estudada, está no centro dessas investigações. Uma série de enfermidades sistêmicas, incluindo distúrbios neurológicos, hematológicos, cardiovasculares, dermatológicos e alérgicos, foram associadas a ela. Entre essas, a conexão entre a infecção por H. pylori e o aumento do risco de doenças alérgicas está se tornando cada vez mais evidente, gerando preocupações significativas.
Estudos recentes têm demonstrado que a exposição precoce ao H. pylori pode desempenhar um papel preventivo no desenvolvimento de doenças alérgicas. Por isso, Liu e colaboradores (2024) realizaram uma revisão para investigar essa relação, examinando tanto a infecção bacteriana quanto seus componentes associados como potenciais opções terapêuticas para o tratamento da asma. Além disso, apresentaram os avanços mais recentes na compreensão da correlação entre a infecção por H. pylori e as doenças alérgicas.
Associação entre infecção por H. Pylori e o risco de doenças alérgicas |
> Associação entre H. pylori e asma
A asma é uma condição heterogênea caracterizada por inflamação crônica das vias aéreas, hiperresponsividade brônquica e remodelação dessas vias. Nos últimos anos, houve um aumento significativo nos estudos sobre a possível associação entre a infecção por H. pylori e o risco de desenvolvimento da doença. Pesquisas epidemiológicas revelaram um declínio na prevalência da infecção por H. pylori em países do mundo ocidental e em algumas nações em desenvolvimento, em paralelo a um aumento na incidência de asma e outras doenças alérgicas.
Estudos indicaram que a infecção por H. pylori pode desempenhar um papel na prevenção da asma, e observou-se que a presença do gene CagA na bactéria está associada de forma significativa e negativa ao risco de desenvolvimento dessa condição respiratória. Embora a maioria dos estudos apoie essa associação, ainda são necessárias pesquisas adicionais para abordar possíveis vieses em estudos anteriores e esclarecer questões pendentes.
> Associação entre H. pylori e esofagite eosinofílica
A esofagite eosinofílica (EoE) é uma condição inflamatória crônica caracterizada pela presença predominante de eosinófilos na histologia esofágica, acompanhada de sintomas clínicos relacionados à disfunção do esôfago. O aumento gradual na sua incidência e a diminuição da prevalência da infecção por H. pylori ao longo dos últimos anos têm suscitado especulações e debates sobre uma possível relação entre esses. Estudos de caso-controle e metanálises sugeriram que a infecção foi associada a um menor risco de desenvolvimento de EoE. No entanto, o efeito protetor dessa bactéria tem sido questionado, uma vez que a associação exige a exclusão de fatores de confusão potenciais e a demonstração de uma relação causal e não apenas coincidência.
> Associação entre H. pylori e alergias alimentares ou rinite alérgica
A relação entre a infecção por H. pylori e a rinite alérgica ainda é pouco compreendida. Embora um estudo no Japão tenha indicado uma correlação negativa entre a bactéria e a incidência da inflamação em jovens, não há evidências adicionais para sustentar essa conclusão. Além disso, a relação entre o H. pylori e as alergias alimentares foram discutidas de forma limitada. No entanto, os mecanismos subjacentes a essa relação ainda não são completamente compreendidos, sendo necessárias mais pesquisas.
Mecanismo de proteção do H. pylori contra asma |
A asma nos pacientes é influenciada tanto pela genética quanto pelo meio ambiente. A primeira desempenha um papel crucial ao determinar as alergias específicas dos pacientes e sua suscetibilidade à doença. No entanto, desenvolvimento também é fortemente influenciado por fatores ambientais. Embora o risco não esteja completamente esclarecido, alguns artigos levantaram a possibilidade de que o H. pylori possa ter um efeito protetor contra a asma através de várias vias.
> Alterações na microbiota intestinal
O eixo intestino-pulmonar é um elo importante entre a microbiota intestinal e o trato respiratório, onde os metabólitos produzidos pela primeira podem influenciar o desenvolvimento da asma. Os microrganismos atuam como um regulador-chave da barreira epitelial intestinal e da resposta imune, podendo influenciar a doença respiratória crônica, induzindo tolerância e a penetração de alérgenos através da barreira epitelial. Além disso, os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) produzidos pelo metabolismo das fibras alimentares podem prevenir a asma, afetando o receptor GPR 41 acoplado à proteína G do hospedeiro, influenciando a diferenciação das células imunes pulmonares e reduzindo a inflamação alérgica das vias aéreas.
Considerando que a disbiose microecológica intestinal tem um impacto no desenvolvimento da asma, surge-se a hipótese de que a microbiota intestinal poderia ser um alvo para o tratamento da doença. Sendo assim, os probióticos usados clinicamente podem ter um efeito preventivo ou terapêutico na asma. No entanto, alguns estudos mostraram resultados controversos. Portanto, mais pesquisas são necessárias para investigar essas discrepâncias e chegar a conclusões mais sólidas.
> O papel crítico das células dendríticas tolerogênicas na proteção da asma por H. pylori
O H. pylori inibe a maturação de células dendríticas induzidas por lipopolissacarídeos e é capaz de recodificar células dendríticas tolerogênicas. Algumas descobertas mostram que essas células dendríticas tolerantes não induzem funções efetoras das células T, mas convertem células T virgens em FoxP3 + Treg (células T reguladoras (Treg) caracterizadas pela expressão de FOXP3) com alta atividade supressora. FoxP3 + Treg pode prevenir a inflamação e hiperresponsividade das vias aéreas, exercendo assim um efeito protetor contra a asma.
Com base no efeito promotor das células dendríticas tolerogênicas na formação de Treg e no efeito protetor desse linfócito na asma, pode-se inferir que a transformação de um número suficiente de células dendríticas em tolerogênicas e a manutenção de seu status de tolerância é fundamental para que o H. pylori exerça um efeito positivo e protetor contra a asma.
> O equilíbrio imunológico das células
Diversas células, como eosinófilos, neutrófilos, mastócitos e linfócitos T, estão envolvidas na inflamação das vias aéreas da asma. Dentre elas, as T CD4+ são os principais linfócitos que se infiltram nas vias aéreas e desempenham um papel crucial no controle da inflamação relacionada à asma. As células T CD4 + imaturas podem se diferenciar em Th1, Th2, Th17 e Treg. As respostas imunes com tendência para Th2 em indivíduos geneticamente suscetíveis podem causar doenças alérgicas, como asma.
Alega-se que a infecção por H. pylori afeta o equilíbrio Th1/Th2 influenciando os hormônios gástricos. Quando os níveis do hormônio inibidor do crescimento diminuem e a produção de gastrina aumenta, ele suprime a resposta Th2 e promove a resposta Th1. O mecanismo pelo qual o H. pylori previne e protege contra a asma pode ser impulsionar a resposta inflamatória Th1 e inibir a resposta asmática alérgica mediada por Th2.
Conclusão |
Embora alguns estudos tenham sugerido uma associação significativa entre a infecção por H. pylori e o aumento do risco de doenças alérgicas, especialmente a asma, ainda há várias questões sem resposta. Estudos de coorte em larga escala são necessários para determinar se o efeito do H. pylori nas doenças alérgicas ocorrem por meio de variáveis mediadoras específicas. Além disso, investigações experimentais mais detalhadas serão essenciais no futuro para examinar e avaliar essas questões e para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e tratamento de doenças alérgicas.