Atualização no diagnóstico e tratamento

Atualizações do tratamento da sífilis com foco nas populações especiais

Resumo focado em pacientes grávidas, neurossífilis e coinfectados com HIV

Introdução

O diagnóstico, tratamento e prevenção eficaz da sífilis requer uma combinação de atividades clínicas e de saúde pública. O reconhecimento imediato dos sinais e sintomas da doença, a triagem de pacientes em risco para detectar infecção assintomática, o estadiamento preciso dos pacientes infectados, o tratamento e o acompanhamento adequados e o aconselhamento sobre redução de risco são componentes clínicos críticos no tratamento de cada paciente. Por isso, a the New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections e a the New York City STD Prevention Training Center atualizaram as orientações do tratamento da doença com foco nas populações especiais. Recomendaram dez atividades clínicas públicas destinadas a prevenir a transmissão contínua e controlar o fardo da doença na comunidade (Tabela 1).

Tabela 1. Dez etapas no diagnóstico, manejo e prevenção da sífilis. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).

Sífilis

Figura 1. A História natural da sífilis não tratada. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).

A sífilis é causada por uma bactéria chamada Treponema pallidum. É uma doença transmitida, principalmente, sexualmente e verticalmente. Outras formas mais raras são por via indireta (objetos contaminados, tatuagem) e por transfusão sanguínea.

A história natural da doença mostra evolução que alterna períodos de atividade com características clínicas, imunológicas e histopatológicas distintas (sífilis primária, secundária e terciária) e períodos de latência (sífilis latente).

O período médio de incubação da sífilis é de aproximadamente 3 semanas. Durante esse, exames sorológicos permanecerão negativos e o paciente não será considerado infeccioso. A lesão primária é o cancro duro ou protossifiloma, que surge no local da inoculação em média três semanas após a infecção. Após a exposição, ocorre uma infecção localizada no local da inoculação inicial com proliferação e sensibilização de linfócitos e macrófagos, o que resulta no desenvolvimento de uma ou mais lesões cutâneas primárias de sífilis. Classicamente, a lesão primária de sífilis pode começar como uma mácula progredindo para uma pápula que então sofre erosão e se torna a clássica ulceração indolor, ou seja, “cancro” da sífilis.

Em contraste com os achados localizados do estágio primário, a sífilis secundária apresenta-se como uma forma sistêmica e disseminada de infecção. Como o T. pallidum prolifera melhor em temperaturas mais baixas, a maioria dos sinais e sintomas clínicos se apresentam como erupções na pele e nas membranas mucosas. Se não forem tratadas, as manifestações geralmente desaparecem dentro de algumas semanas, mas em alguns casos podem levar meses. Após a resolução, pode ocorrer uma recaída dos sinais ou sintomas, especialmente durante o primeiro ano de infecção.

Durante a latência, não são evidentes manifestações clínicas da doença e, geralmente, a infecção só pode ser detectada por triagem sorológica. Para fins de determinação do tratamento adequado, do grau de infecciosidade e da resposta sorológica esperada à terapia, a sífilis latente é dividida em três estágios: latente precoce (duração da infecção menor ou igual a 1 ano), tardia (duração de infecção há mais de 1 ano) ou de duração desconhecida (para a qual não há informações suficientes para determinar a duração da infecção).

A neurossífilis precoce geralmente ocorre alguns meses a alguns anos após a infecção inicial. É raro durante o estágio primário da infecção, mas foi relatado em 1 a 2% dos pacientes com sífilis secundária. Isto destaca a necessidade de um exame neurológico cuidadoso em todos os pacientes. Ocorre como resultado de inflamação aguda das meninges e da vasculatura associada e inclui meningite sifilítica aguda (frequentemente com dor de cabeça sutil e anomalias dos nervos cranianos) e sífilis meningovascular. A segunda apresenta-se tipicamente como uma síndrome semelhante a um acidente vascular cerebral (AVC) menor que pode eventualmente progredir para um AVC quando a artéria fica obstruída devido à inflamação. A neurossífilis ocular apresenta-se mais frequentemente como uveíte posterior, ou panuveíte, apresentando sintomas de visão turva, perda de visão, dor ocular ou vermelhidão ocular.

A neurossífilis tardia geralmente se apresenta uma ou mais décadas após a infecção inicial e é considerada parte do estágio terciário. É resultado de inflamação crônica e inclui paresia geral e tabes dorsalis, que pode apresentar uma ampla variedade de sintomas neurológicos.

Antes do advento dos antibióticos eficazes contra o T. pallidum, um terço dos pacientes desenvolviam a sífilis terciária. Ocorre uma década ou mais após a infecção inicial, se não for tratada, geralmente se apresenta como:

Doença cardiovascular – incluindo aneurisma da aorta, insuficiência da válvula aórtica, estenose coronariana ou miocardite.

Complicações neurológicas tardias – incluindo paresia geral, tabes dorsalis e doença gomatosa do cérebro ou da medula espinhal.

Sífilis benigna tardia – apresentando goma (lesões granulomatosas inflamatórias progressivas) da pele, ossos, vísceras e outros tecidos moles que leva à destruição dos órgãos afetados.

Atualização no tratamento farmacológico

O manejo da doença não tratada em adultos e adolescentes deve basear-se no estágio clínico da infecção no momento do tratamento. A sífilis latente tardia ou a de duração desconhecida e a terciária requerem um manejo prolongado.

Tabela 2. Recomendações de tratamento para sífilis. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).

Existem questões específicas que devem ser lembradas em relação às formulações de penicilina ao fornecer tratamento para a sífilis:

A penicilina G benzatina de ação prolongada por via intramuscular é o tratamento de escolha para todos os estágios da sífilis, exceto para a neurossífilis, que requer uma formulação de penicilina, como a penicilina G cristalina aquosa intravenosa, que atinge de forma confiável níveis adequados de medicamento no SNC.

• As formulações orais de penicilina não são recomendadas para o tratamento da sífilis.

• Os pacientes devem ser aconselhados a evitar todo contato sexual (incluindo sexo oral) até a conclusão do tratamento e a resolução dos sintomas. Os pacientes que necessitam apenas de uma dose única de penicilina benzatina devem abster-se de contato sexual por 7 dias após a injeção e, se houver, até que todas as lesões da pele/membranas mucosas estejam curadas. Também devem ser aconselhados a evitar contato com quaisquer parceiros sexuais até que esses passem por avaliação médica para possível infecção e recebam profilaxia pós-exposição.

Tabela 3. Eficácia dos regimes de tratamento de sífilis em adultos com penicilina versus sem penicilina. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).

Regimes alternativos de tratamento sem penicilina

A doxiciclina ou tetraciclina oral são alternativas aceitáveis para o tratamento da sífilis em pacientes não grávidas e alérgicas à penicilina. O primeiro é preferido devido à dosagem menos frequente e menos efeitos gastrointestinais, o que pode melhorar a adesão.

Algumas evidências sugeriram que a azitromicina, em dose oral única de 2g, foi eficaz no tratamento da sífilis primária ou secundária em certas populações de pacientes. No entanto, não é uma terapia de primeira linha recomendada pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), devido ao surgimento de resistência e casos de falha do tratamento.

Coinfecção entre sífilis e HIV

Na maior parte, as recomendações de diagnóstico, tratamento e acompanhamento relativamente à sífilis são as mesmas para pessoas com e sem VIH.

Pacientes com a coinfecção, geralmente, apresentam múltiplas ulcerações primárias simultâneas e um aumento na ocorrência de sífilis ocular. Além disso, os que estão no estágio secundário têm maior probabilidade de apresentar evidências de uma lesão primária persistente e manifestações cutâneas incomuns e graves.

Para o rastreio da sífilis, os testes sorológicos são precisos e fiáveis. Embora raros, resultados incomuns foram observados entre pessoas com HIV, incluindo (1) resultados falso-negativos, (2) aparecimento tardio de sororreatividade, (3) pós-tratamento elevados ou flutuantes, títulos serorápidos e não treponêmicos.

Os atuais regimes de tratamento de primeira linha recomendados aplicam-se igualmente a pessoas com e sem HIV. O uso de terapia antirretroviral pode melhorar os resultados clínicos nessa população. Caso o paciente tenha alergia à penicilina, deve ser tratado de acordo com as recomendações do CDC. A eficácia de regimes alternativos sem penicilina não foi bem estudada nessa população, por isso, devem ser usadas apenas em conjunto com um acompanhamento sorológico e clínico rigoroso.

As mulheres grávidas com HIV alérgicas à penicilina devem ser dessensibilizadas e tratadas com o regime à base de desses medicamentos, uma vez que a penicilina G benzatina é o único tratamento aceito durante a gravidez.

Pessoas com coinfecção devem ter um acompanhamento clínico e sorológico mais frequente e mais longo. No caso da sífilis primária ou secundária recomenda-se a cada 3 meses durante 1 ano e novamente 2 anos após o tratamento. Já na latente precoce, latente tardia e latente de duração desconhecida deve ser realizado a cada 6 meses durante 2 anos após o tratamento.

Neurossífilis
  • Neurossífilis assintomática

O envolvimento do sistema nervoso central (SNC) pode ocorrer em qualquer estágio da infecção. A invasão assintomática do SNC por treponemas e anormalidades laboratoriais no líquido cefalorraquidiano (LCR) são comuns nos estágios iniciais da doença, frequentemente ocorrendo simultaneamente com os sintomas da sífilis primária ou secundária. A importância clínica da infecção assintomática precoce e das descobertas associadas no LCR não está clara, uma vez que a maioria dos pacientes responde a regimes de tratamento padrão apropriados para o estágio.

  • Neurossífilis Sintomática

Pode ser amplamente dividida em síndromes precoces (como meningite sifilítica aguda e doença meningovascular) e complicações tardias de infecção não tratada (como paralisia geral e tabes dorsalis), que geralmente seguem um longo período de latência. O envolvimento ocular e otológico pode ocorrer em qualquer estágio da infecção. Embora seja útil conceituar essas formas como síndromes distintas, as apresentações clínicas podem transcender e mesclar.

Todos os pacientes com sífilis devem ser questionados sobre queixas neurológicas, incluindo problemas oftalmológicos e auditivos.

Um exame neurológico breve também deve ser realizado. Indivíduos com evidências sorológicas de sífilis e sinais ou sintomas compatíveis com sífilis ocular, otológica ou neurossífilis necessitam de acompanhamento imediato para punção lombar e teste do líquido cefalorraquidiano (LCR).

Tabela 4. Achados clínicos da Neurosífilis. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).

Diagnóstico Laboratorial de Neurossífilis

De acordo com o CDC, as indicações específicas para a realização do exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) em adultos diagnosticados com sífilis incluem:

• Sinais ou sintomas de doença neurológica, incluindo:
— Disfunção de nervos cranianos (incluindo anormalidades auditivas, visuais ou vestibulares)
— Sintomas ou sinais de meningite ou acidente vascular cerebral
— Alteração aguda ou crônica do estado mental
— Disfunção cognitiva
— Déficits motores ou sensoriais (incluindo perda da sensação de vibração)

• Manifestações de sífilis ocular ou otológica, mesmo na ausência de outros achados clínicos neurológicos.

• Evidências de sífilis terciária.

• Falha no tratamento, possivelmente incluindo resposta sorológica inadequada à terapia.

A triagem para o HIV deve ser realizada em todos os pacientes em tratamento para sífilis. Se for diagnosticado com o vírus, é recomendado encaminhamento para atendimento primário do HIV e início imediato da terapia antirretroviral. Se o teste de triagem for negativo, opções de prevenção do vírus, incluindo a profilaxia pré-exposição, devem ser incentivadas.

Tabela 5. Testes Laboratoriais para Neurosífilis. Abreviações: CIA, ensaio imunológico por quimiluminescência; FTA, anticorpo treponêmico fluorescente; RPR, teste rápido de plasma reagín; VDRL, teste laboratorial de pesquisa de sífilis; EIA/CIA, ensaio imunoenzimático; FTA-ABS, absorção de anticorpos treponêmicos fluorescentes; RPR, plasma reagín rápido; TPPA, aglutinação passiva de partículas de Treponema pallidum. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).

Tratamento

A terapia recomendada pelo CDC para neurossífilis consiste em um curso de 10 a 14 dias de penicilina intravenosa. Vale ressaltar que a duração do tratamento é mais curta do que o necessário para o tratamento adequado da sífilis latente tardia ou da latente de duração desconhecida. Portanto, pode-se considerar uma dose adicional de penicilina G benzatina intramuscular após a conclusão do curso de terapia intravenosa.

Tabela 6. Regimes Recomendados pelo CDC para o Tratamento de Sífilis Ocular, Otite e Neurosífilis. Adaptado do New York City Department of Health and Mental Hygiene Bureau of Sexually Transmitted Infections and the New York City STD Prevention Training Center (2019).