Introdução |
A obesidade é reconhecida como uma epidemia global e é um dos principais fatores contribuintes para o aumento da ocorrência de diabetes tipo 2 em todo o mundo. Independentemente do total de gordura corporal, a abdominal está correlacionada com um maior risco de doenças cardiometabólicas.
A circunferência da cintura (CC) e a relação cintura-quadril (RCQ) podem ser utilizadas como indicadores indiretos da gordura abdominal, e essas medidas podem ser ajustadas para levar em consideração a adiposidade corporal total (CCadjIMC e RCQadjIMC, respectivamente). O tecido adiposo nessa região é metabolicamente ativo e libera metabólitos, como ácidos graxos livres, moléculas inflamatórias e hormônios diretamente no fígado, o que pode causar danos à saúde.
Portanto, a obesidade abdominal pode ser um preditor mais preciso de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares do que o Índice de Massa Corporal (IMC). Por essa razão, Christiansen e colaboradores (2023) investigaram o impacto dos escores poligênicos associados ao IMC e ao RCQadjIMC nas mudanças da obesidade geral e abdominal após a perda de peso no estudo Look AHEAD (Action for Health in Diabetes).
Métodos |
Os autores conduziram uma análise secundária do estudo Look AHEAD, que é um estudo multicêntrico, randomizado e controlado. Esse tinha como objetivo avaliar o impacto de uma intervenção intensiva no estilo de vida (ILI, sigla em inglês) em comparação com um grupo controle (DSE, sigla em inglês) em participantes que tinham diabetes tipo 2 e estavam com sobrepeso ou obesidade.
No grupo DSE, os participantes tiveram a opção de comparecer a três sessões que abordaram temas relacionados à nutrição, atividade física e apoio social. Enquanto isso, o grupo ILI recebeu um plano de modificação alimentar e de atividade física com o objetivo de alcançar e manter uma perda de peso de cerca de 7%.
Todos os participantes foram submetidos a genotipagem utilizando a plataforma Illumina Infinium Global Screening Array-24, versão 1.0 BeadChip.
Os pesquisadores desenvolveram escores de risco genético ponderados levando em consideração o tamanho do efeito para o Índice de Massa Corporal (IMC) e para a relação cintura-quadril ajustada pelo IMC (RCQadjIMC).
Resultados |
As características iniciais dos indivíduos que perderam pelo menos 3% do peso corporal inicial durante o primeiro ano da intervenção foram semelhantes nos grupos ILI e DSE. Em média, o grupo ILI perdeu 10,94 ± 6,91 kg de peso corporal (9,02 ± 7,87 cm de circunferência da cintura), enquanto o DSE 6,81 ± 4,45 kg (5,04 ± 5,68 cm).
No período do primeiro ao segundo ano, os participantes do grupo ILI recuperaram, em média, 2,76 ± 4,68 kg de peso (2,48 ± 5,62 cm de circunferência da cintura), enquanto os do DSE 0,64 ± 5,96 kg (0,44 ± 5,83 cm de circunferência da cintura).
Do primeiro ao quarto ano, o peso dos participantes do grupo ILI variou em média 5,01 ± 7,84 kg de peso corporal (4,88 ± 7,61 cm de circunferência da cintura), enquanto o DSE teve uma variação média de 1,47 ± 7,77 kg de peso (1,92 ± 7,76 cm de circunferência da cintura).
> Associações genéticas com perda e recuperação de peso e CC
Os resultados indicaram que os escores genéticos relacionados ao IMC e RCQadjIMC não apresentaram associação com a perda de peso durante o primeiro ano da intervenção. Além disso, o escore de IMC não mostrou associação com a perda da CC.
Os escores genéticos de IMC e RCQadjIMC ajustados ao IMC não estavam associados às mudanças no peso corporal entre o primeiro e o segundo ano, nem entre o primeiro e o quarto ano da intervenção. O escore de IMC também não mostrou associação com as mudanças na CC nesses mesmos períodos. No entanto, o escore de RCQadjIMC estava associado a um aumento maior na CC após o segundo e quarto ano em todos os grupos étnicos, bem como na população de ascendência branca.
Além disso, os autores realizaram análises estratificadas por sexo e idade (idade igual ou inferior a 60 anos e superior a 60 anos) e não encontraram interações significativas entre os escores genéticos e o sexo ou idade. Isto sugeriu que os efeitos genéticos na perda ou recuperação de peso não dependiam do sexo ou da idade dos participantes.
De todos os participantes que conseguiram perder ≥3% do peso corporal inicial no estudo, um total de 1.009 (71,3%) o recuperaram entre o primeiro e o segundo ano, e 1.044 (73,8%) o reganharam entre o primeiro e o quarto ano. Além disso, alguns participantes conseguiram manter ou continuar a emagrecer. Para investigar as associações genéticas especificamente com a recuperação de peso, os autores conduziram uma análise adicional em um subconjunto de participantes que o reganharam. Os escores genéticos relacionados ao IMC e ao RCQadjIMC não foram associados ao ganho de peso nos anos seguintes ao estudo. Além disso, o escore de IMC não demonstrou associação com a recuperação da circunferência da cintura entre o primeiro e o segundo ano ou entre o primeiro e o quarto ano. Isso sugeriu que a predisposição genética a um IMC mais elevado não estava ligada à perda ou recuperação de peso.
Discussão e conclusão |
Na análise secundária realizada do estudo Look AHEAD pelos pesquisadores, observou-se que indivíduos com predisposição genética para uma maior relação cintura-quadril ajustada ao IMC (RCQadjIMC) experimentaram uma redução menor na perda de peso na área da obesidade abdominal durante o primeiro ano da intervenção. Além disso, esses indivíduos apresentaram uma recuperação maior na CC durante os três anos seguintes. No entanto, a predisposição genética para um IMC mais elevado não mostrou associação com a perda ou recuperação de peso.
As variantes associadas ao IMC não demonstraram ligação com as mudanças no peso após o emagrecimento inicial, e o escore de risco genético relacionado ao aumento do IMC não se associou à mudança na obesidade abdominal durante ou após a intervenção. No geral, esses resultados sugeriram que as variantes de risco não influenciaram nas mudanças longitudinais no peso corporal durante as intervenções. Isso indicou que os mecanismos biológicos que regulam a mudança de peso durante essas intervenções podem ser diferentes daqueles que determinaram o peso corporal em um estado estável. Portanto, há a necessidade de realizar estudos de associação genética de larga escala (GWAS) para identificar variantes genéticas especificamente associadas à perda e recuperação de peso, a fim de entender a biologia subjacente.
Após a perda de peso, ocorre uma diminuição coordenada no gasto energético e um aumento no apetite, contribuindo para a recuperação do peso. Estudos anteriores identificaram outros potenciais mecanismos para esse reganho de peso, como uma redução na taxa metabólica de repouso e níveis reduzidos de leptina, um peptídeo que desempenha importante papel na regulação da ingestão alimentar e no gasto energético. Considerar associações genéticas, ou a falta delas, no contexto mais amplo da recuperação de peso pode contribuir para uma melhor compreensão dos mecanismos por trás da recuperação da circunferência da cintura e orientar pesquisas futuras.
Os autores destacaram que a obesidade abdominal é um importante fator de risco para doenças cardiometabólicas e diabetes tipo 2. Estudos anteriores mostraram que indivíduos que tiveram uma mudança menos favorável na CC apresentaram um risco aumentado de morbidade e mortalidade cardiovascular, independentemente da quantidade de peso perdido. O impacto negativo do escore de risco genético da RCQadjIMC na obesidade abdominal durante a perda e manutenção de peso pode anular os benefícios da intervenção para perda de peso.
Mais pesquisas são necessárias para investigar possíveis variações nos efeitos genéticos na obesidade geral e abdominal em diferentes grupos étnicos. No entanto, apesar dessas limitações, sugeriu-se que a CC seja um melhor indicador de gordura abdominal e diabetes tipo 2 do que a RCQ. O objetivo principal no tratamento da obesidade é melhorar os resultados de saúde a longo prazo, tornando essencial personalizar as intervenções e direcioná-las a populações específicas.