Eixo cérebro-intestino

Síndrome do intestino irritável

Tratando o intestino e o cérebro ao mesmo tempo

Introdução

A síndrome do intestino irritável (SII) é um dos distúrbios intestinais funcionais mais prevalentes; é mais comumente visto em mulheres e jovens. De acordo com os critérios de Roma IV de 2016, é diagnosticada com base em dor abdominal recorrente, sensação de inchaço e irregularidade nas fezes em termos de frequência e forma, e os sintomas podem variar de leves a debilitantes. Os pacientes devem apresentar sintomas crônicos que ocorrem pelo menos uma vez por semana em média nos três meses anteriores, com duração de pelo menos seis meses.

 

Figura 1: Critérios diagnósticos da síndrome do intestino irritável (SII). Imagem adaptada de  Jayasinghe e colaboradores (2023).

Existem 4 subtipos de SII: com constipação (SII-C), com diarreia (SII-D), mista (SII-M) ou alternada (SII-A), e não subtipada (SII-U). O diagnóstico é feito juntamente com exames físicos, incluindo exame retal digital e testes de triagem como hemoglobina, proteína C reativa e sorologia para doença celíaca para descartar doença orgânica. A etiologia da SII é multifatorial e não foi completamente estabelecida. Estudos recentes propuseram várias hipóteses que indicaram que a SII estaria relacionada à disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, alterações neuroendócrinas, hipersensibilidade visceral e fatores genéticos.

Alguns estressores bem conhecidos são fatores psicossociais, gastroenterite prévia, irritantes endógenos, alterações na microbiota intestinal, intolerância a alguns alimentos, ativação imunológica da mucosa e aumento da permeabilidade da mucosa.

O tratamento farmacológico é geralmente escolhido dependendo dos sintomas apresentados, como agonistas e antagonistas opiáceos mistos para diarreia, fibras e laxantes para constipação etc. No entanto, muitas pessoas com SII têm problemas psicológicos além dos sintomas gastrointestinais, abrindo a porta para terapias não farmacológicas, como terapia cognitiva terapia comportamental, hipnose dirigida pelo intestino ou terapia interpessoal psicodinâmica. Por isso, abaixo são relatadas algumas terapias não farmacológicas que podem ser usadas a SII.

Intervenções dietéticas

A dieta desempenha um papel fundamental na fisiopatologia da SII. Os seus efeitos parecem ser resultado de uma interação entre as bactérias intestinais e as células endócrinas do intestino.

  • Dieta baixa em FODMAPs

"FODMAP" é uma sigla que em inglês corresponde a: oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis. Agrupa tipos específicos de carboidratos de cadeia curta que são absorvidos lentamente ou não são digeridos no intestino delgado. Acredita-se que tenham um potente impacto osmótico ao aumentar o teor de água no intestino delgado e no cólon, causando distensão intestinal, o que pode ser a causa do desenvolvimento de dor abdominal em pacientes com SII.

Em um estudo realizado por McIntosh e colaboradores (2023), pacientes com SII foram randomizados para uma dieta com baixo ou alto teor de FODMAP por três semanas, período durante o qual seus sintomas foram avaliados. Ao contrário do grupo com alto teor de FODMAP, o escore de gravidade dos sintomas da SII foi reduzido no grupo com dieta com baixo teor de FODMAP.

No entanto, é importante ressaltar que uma dieta rigorosa com baixo teor de FODMAP só deve ser seguida durante quatro a seis semanas, pois pesquisas demonstraram que seguir a mesma durante um longo período pode ter um efeito negativo na microbiota intestinal. Após esse período, um nutricionista deve ser consultado para atingir o objetivo geral de uma restrição relaxada de FODMAPs que permita o consulto de alguns desses carboidratos sem a piora dos sintomas.

  • Dieta baixa em FODMAPs associada a uma dieta livre de Glúten

Foi demonstrado que a dieta reduzida em FODMAP associada a uma livre de glúten pode diminuir a ansiedade e melhorar a qualidade de vida em pacientes com SII. Saadati e colaboradores (2022) randomizaram 50 pacientes diagnosticados com síndrome do intestino irritável em três grupos: A, B e C. O primeiro recebeu 8 g/dia de glúten nas duas primeiras semanas e, os que toleraram o composto receberam 16 g/dia e depois 32 g/dia por mais duas semanas; o segundo seguiu uma dieta de baixo FODMAP e livre de glúten; e o terceiro recebeu dieta contendo glúten. Os resultados demonstram que a maioria dos pacientes com SII do grupo A eram tolerantes a altas doses de glúten. Por outro lado, o padrão dietético do grupo B teve um efeito significativo na ansiedade e na qualidade de vida em comparação com os grupos A e C. Ademais, Naseri e colaboradores (2021) descobriram que os indivíduos que consumiram uma dieta baixa em FODMAPS e livre de glúten experimentaram uma redução substancial na gravidade dos sintomas da SII e uma normalização da sua microbiota intestinal.

  • Conselhos dietéticos tradicionais

A dieta tradicional concentra-se em hábitos alimentares regulares com menor ingestão de refeições gordurosas e condimentadas, cafeína, álcool e outros alimentos que frequentemente causem sintomas gastrointestinais. Um estudo realizado por Rej e colaboradores (2022) descobriu que esse padrão dietético foi mais bem adotado pelos pacientes em termos de custo e conveniência. O objetivo primário de uma redução em ≥50 pontos na dor do SII foi alcançado por 42% que realizaram dieta tradicional, 55% para dieta baixa em FODMAPS e 58% para dieta livre de glúten. Portanto, o estudo recomendou dieta tradicional como terapia dietética de primeira escolha na SII não constipada.

  • Dieta mediterrânea

A dieta mediterrânea também é uma opção alimentar segura que pode ser usada para controlar os sintomas da SII. É caracterizada por um baixo teor de ácidos graxos saturados, alto teor de ácidos graxos monoinsaturados, grandes quantidades de fibras, carboidratos complexos e antioxidantes essenciais. Foi associada a uma melhora significativa nos escores de doença e na qualidade de vida em crianças e adolescentes com SII em um estudo prospectivo e transversal, controlado por caso, que incluiu 100 pacientes com SII (Al-biltagi e colaboradores, 2022).

Terapias direcionadas à microbiota
  • Prebióticos

Os prebióticos são definidos como fibras que estimulam o crescimento da microbiota intestinal benéfica e são resistentes à digestão enzimática no trato gastrointestinal humano (TGI). Os seus mecanismos de ação visam reduzir a inflamação através da formação de ácidos graxos de cadeia curta. Estes podem ser obtidos de várias fontes naturais, como cereais, frutas e vegetais. Alguns são produzidos sinteticamente, como, lactulose, frutoligossacarídeos (FOS) e ciclodextrinas.

Diversos estudos estão sendo conduzidos para avaliar o efeito dos probióticos no tratamento da SII. Por exemplo, Liu e colaboradores (2022) demonstraram que a utilização de metabólitos fúngicos, como beta-glucanos, mostrou-se promissora no tratamento de pacientes com SII. Verificou-se que diminuiu os sintomas de dor abdominal e distensão abdominal e aliviou a dor visceral, juntamente com uma redução da produção de fezes caprinas induzidas pelo estresse.

No entanto, Wilson e colaboradores (2019) conduziram uma revisão sistemática para avaliar o impacto dos prebióticos na resposta global, nos sintomas gastrointestinais, na qualidade de vida e na microbiota intestinal em pacientes adultos com SII e outros distúrbios intestinais funcionais. De acordo com este, o grupo de pacientes que receberam prebióticos não apresentou variações significativas na intensidade da dor abdominal, distensão abdominal, flatulência e qualidade de vida geral em comparação ao grupo placebo.

Existem dados limitados e controversos sobre a eficácia dos prebióticos no contexto da SII. São necessários mais estudos para estabelecer a eficácia e segurança desses tratamentos no manejo da doença.

  • Probióticos

São definidos como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. Ao produzir substâncias antimicrobianas e dificultar sua fixação à mucosa do intestino, elas diminuem o crescimento de patógenos.

Uma revisão sistemática conduzida por Dale et al., (2019) identificaram sete ensaios clínicos randomizados (63,6%) que mostraram melhora significativa em grupos de pacientes nos quais foram usados ​​probióticos em comparação ao placebo. Ademais, Ford e colaboradores (2018) conduziram uma revisão sistemática que indicou que certas combinações de probióticos, ou espécies e cepas específicas, como Lactobacillus plantarum DSM 9843, Escherichia coli DSM 17252 e Streptococcus faecium pareceram ter resultados favoráveis ​​no desconforto abdominal e sintomas gerais de SII.

O efeito observado dos probióticos é comumente atribuído à cepa específica de microrganismos utilizados. Além disso, os seus efeitos dos probióticos podem variar entre diferentes grupos demográficos, bem como em relação à progressão e categorização de doenças. Verificou-se também que formulações contendo múltiplas cepas de espécies podem ser mais benéficas em comparação com aquelas com cepas únicas.

  • Simbióticos

Os simbióticos são uma combinação de probióticos e prebióticos que atuam simbioticamente para melhorar a saúde do hospedeiro. Inulina com Bifidobacterium lactis, Saccharomyces boulardii com casca de ispagula e iogurte com fibra de acácia e B. lactis são alguns exemplos de simbióticos utilizados na SII que apresentaram resultados positivos.

Lee e colaboradores (2019) investigaram como os pacientes com SII responderam a um produto simbiótico diferente que continha bactérias probióticas dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium, FOS e inulina. A equipe do estudo notou reduções na sensação de inchaço, exaustão e desconforto abdominal dos participantes do estudo. No entanto, mais estudos são necessários para apoiar as vantagens dos simbióticos no manejo da SII.

  • Transplante de microbiota fecal

O procedimento de transplante de microbiota fecal (TMF) envolve a infusão de material de mciroorganismos intestinais de um doador saudável para um paciente receptor como forma de tratamento. Como existem evidências que indicam que a microbiota intestinal anormal desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da SII, a abordagem fornecida pelo TMF apresenta um método inovador para indivíduos afetados pela doença. No entanto, o sucesso do procedimento é O sucesso do FMT é afetado pelos atributos dos doadores e por fatores externos, como comportamentos alimentares.

A avaliação da segurança do FMT está atualmente em suas fases iniciais, carecendo de um amplo consenso e necessitando de mais investigações.

Terapia de medicina alternativa e complementar

Como nenhum teste específico identifica a SII, as opções de tratamento variam de acordo com a região geográfica e as práticas medicinais em todo o mundo. Na medicina tradicional chinesa a fórmula “Tongxie” é o medicamento mais comumente prescrito para SII e pode ser uma terapia alternativa bem-sucedida para pacientes com a doença que não respondem bem às terapias tradicionais.

Poucos estudos avaliaram especificamente a utilidade da acupuntura e do brometo de pinavério no tratamento conjunto SII. No entanto, apenas um terço dos pacientes ficaram satisfeitos com o resultado da terapia. Além disso, como os sintomas não melhoraram drasticamente, vários pararam de tomar o medicamento por insatisfação.

A acupuntura é uma medicina complementar e alternativa amplamente utilizada como terapia adjuvante para reduzir os efeitos adversos dos medicamentos e melhorar os resultados terapêuticos. Estudos indicaram que o método pode ajudar com os sintomas da SII, por reduzir a gravidade dos sintomas, aliviando a dor de estômago e melhorando a qualidade de vida.

Terapias psicológicas

Descobriu-se que a hipnoterapia por “Skype”, assim como a hipnose tradicional, melhora todos os sintomas específicos da SII, bem como sintomas não colônicos, qualidade de vida, ansiedade e pontuações de depressão. Em um estudo realizado por Lackner et al., (2018) em contraste com indivíduos que receberam educação sobre ISS, os pacientes que receberam terapia cognitivo-comportamental tiveram uma melhora significativa nos sintomas gastrointestinais duas semanas após o tratamento. Um total de 61% dos pacientes e 55,7% dos gastroenterologistas que deram uma avaliação favorável ao tratamento classificaram a melhora como moderada a considerável. Os pacientes que receberam educação sobre a doença, por outro lado, observaram uma ligeira melhora nos sintomas, com 43,5% dos pacientes e 40,4% dos gastroenterologistas avaliando a mudança favoravelmente.