Dados alarmantes

Desconhecimento e menos pré-natais são ligados à menor vacinação de gestantes

Entre 2017 e 2018, gestantes pesquisadas já estavam abaixo da porcentagem recomendada de vacinação com a tríplice viral; depois da pandemia, número pode ser ainda menor

Antes mesmo da pandemia da COVID-19 e da polarização política em torno da vacina, os níveis de imunização no Brasil já vinham diminuindo. Em 2019, vacinas contra tuberculose, rotavírus e paralisia infantil, por exemplo, já estavam abaixo da porcentagem mínima recomendada, segundo o DataSUS. Esse fenômeno é conhecido como hesitação vacinal: quando a população reluta em tomar os imunizantes, mesmo quando há disponibilidade no sistema de saúde. A hesitação foi estudada entre gestantes e puérperas (mães com recém-nascidos) em um estudo da Faculdade de Medicina (FMUSP), que relacionou um menor número de consultas pré-natal e desinformação com as menores taxas de imunização nestes grupos.

A tríplice bacteriana acelular – vacina contra tétano, difteria e coqueluche (dTpa) – e a vacina contra influenza, objetos de estudo da pesquisa, são essenciais para, além de proteger a mãe, proteger o bebê até o início do calendário de imunização, aos 2 meses de idade. “A mortalidade por coqueluche, por exemplo, diminui ao vacinar gestantes, porque a mãe produz anticorpos que passam via placenta para o feto”, explica Raquel Quiles, médica pediatra e primeira autora do artigo publicado na revista Vaccine X.

Os dados foram coletados entre 2017 e 2018 no Hospital Universitário (HU) da USP, com um questionário sobre dados demográficos, número de consultas pré-natal, conhecimento das mulheres sobre sua situação vacinal e indicação de obstetras para os imunizantes, conhecimento geral sobre a utilidade da vacinação durante a gravidez, entre outros dados. Ao todo, 207 mulheres foram entrevistadas e tiveram seus cartões de vacinação checados.

Nesse grupo, 95,2% das entrevistadas eram vacinadas contra influenza — porcentagem dentro do número recomendado pelo Ministério da Saúde — e 85,5%, vacinadas com dTpa, número abaixo dos 100% recomendados de cobertura vacinal, com uma diferença significativa em comparação com a influenza. No total, 84,5% das participantes da pesquisa receberam ambos os imunizantes.

Observou-se que o conhecimento sobre os benefícios dos imunizantes para o recém-nascido e sobre a segurança dos imunizantes estava associado de forma positiva com os níveis de vacinação nas mulheres. Outro fator associado à vacinação na gravidez é a indicação médica.

Aquela mãe que tinha maior número de consultas pré-natais, sete ou mais consultas, tinha mais vacinação. Ou seja, as que tinham mais informação, conhecimento sobre a vacina ou sobre sua situação vacinal, tinham mais chance de serem vacinadas para dTpa. A recomendação médica era outro fator que estava associado à maior chance de receber a vacina.

Raquel Quiles faz uma ressalva sobre a amostra do estudo, que pode ter enviesado os resultados para índices melhores que a média geral das gestantes no País. “As gestantes que atendemos eram da região do Butantã [bairro de São Paulo onde fica o campus universitário] e estavam tendo seus filhos na USP. Ou seja, é uma amostra ‘viciada’ no sentido de que elas recebiam uma assistência à saúde e passaram por consultas pré-natais, de forma mais próxima à situação ideal.”

Em sua dissertação de mestrado, trabalho do qual o artigo é derivado, a pesquisadora também fez o levantamento da vacinação de 73 profissionais da saúde que lidavam diretamente com os recém-nascidos do HU. A cobertura estava abaixo do recomendado para os dois imunizantes avaliados, 80,6% para influenza e 52,2% para dTpa.

Apesar das taxas baixas, o estudo não encontrou nenhum tipo de hesitação vacinal entre os profissionais. “Alguns apenas tinham tomado a dt [que não cobre a coqueluche] e não sabiam que podiam tomar a dTpa. A falta de conhecimento também entre os profissionais da saúde foi o fator decisivo para ter uma cobertura menor da dTpa em relação à influenza”, diz a pesquisadora.