Chaves do manejo clínico

Linfocitose e leucemia linfocítica crônica

Estabelecer se a causa do aumento linfocitário é benigno ou maligno é vital para determinar o tratamento adequado.

Autor/a: Amarpreet Devi, Lieze Thielemans, Eleni Ladikou, et al.

Fuente: Clin Med (Lond) 2022 May;22(3):225-229

Introdução

A linfocitose é definida como uma contagem de linfócitos ≥5,0 x 109/L e é causada comumente por infecções virais transitórias.

A linfocitose também pode ser observada em doenças crônicas (hepatite B, hepatite C, HIV e tuberculose) e na leucemia linfocítica crônica (LLC). Portanto, a doença sempre deve ser monitorada e investigada (figura 1). Quando a contagem de linfócitos se eleva de forma persistente, é necessária a contribuição de um especialista em hematologia.A LLC é a leucemia mais comum no mundo ocidental, com uma idade média de diagnóstico aos 70 anos. A doença implica uma expansão monoclonal maligna de linfócitos B, com infiltração progressiva nos gânglios linfáticos e sítios de hematopoiese, incluindo o fígado, o baço e a

medula óssea.  Como tal, os pacientes podem apresentar linfadenopatia, hepatoesplenomegalia e citopenia dependendo do grau de progressão da doença.

Morfologicamente, os linfócitos na LLC são pequenos e maduros, mas geralmente são disfuncionais e não reativos , o que resulta na suscetibilidade a infecções causadas por hipogamaglobulinemia. É incomum que os esses pacientes apresentem os clássicos “sintomas B”, como sudorese noturna, febre e perda de peso. De fato, a maioria dos diagnósticos são identificados devido a um achado incidental de linfocitose em exame de sangue de rotina.

Figura 1. Via de derivação de um paciente com linfocitose.

Exame

Deve-se realizar um exame completo dos gânglios linfáticos cervicais, axilares e inguinais, assim como uma exame abdominal em busca de sinais hepatoesplenomegalia, que se observa em aproximadamente em 50% dos casos.

Os sinais de insuficiência da medula óssea podem manifestar-se como petéquias ou palidez. No caso de que um paciente tenha algum dos sinais mencionados, com linfocitose confirmada e sem infecção viral recente, se requer uma derivação urgente a hematologia (figura 1).

Investigacões

A primeira investigação requerida em caso de suspeita de leucemia linfocítica crônica é um exame de sangue completo, com um valor linfócitos ≥5,0 x 109/L, indicando a necessidade de um esfregaço sanguíneo para avaliar a morfologia e confirmar a linfocitose. E deve-se também realizar uma citometria de fluxo para confirmar a clonalidade dos linfócitos B circulantes.

Os marcadores imunofenotípicos característicos da LLC incluem CD5, CD19, CD20 e CD23. As células são imaturas e frágeis e, por isso, danificadas durante a preparação da lâmina, originando assim as células manchadas características observadas no esfregaço. Juntas, essas característicass estabelecem o diagnóstico de LLC.

A análise citogenética mediante fluorescência é necessária para detectar a eliminação do cromossoma 17 (del17p), que contém o gene TP53, assim como a sequenciação de genes para identificar mutações codificantes. Este é um gene supressor de tumores, frequentemente referido como o “guardião do genoma”, e a sua eliminação ou mutação está associada a taxas de resposta ao tratamento mais baixas e a uma menor sobrevivência livre de progressão. A identificação de del17p ou a presença da mutação TP53 é fundamental para orientar os regimes de tratamento e ajuda a informar o prognóstico.

O lactato desidrogenado (LDH) e o teste de antiglobulina direta (TAD) são investigações práticas em pacientes anêmicos e podem ser úteis para identificar aqueles com anemia hemolítica relacionada com autoimunidade (AHAI) que pode complicar a LLC e deve impulsionar uma revisão clínica urgente. A púrpura trombocitopênica imune (PTI) é outra complicação que pode causar plaquetopenia significativa.

Em pacientes com infecções recorrentes, deve-se controlar o níveis de imunoglobulina para detectar hipogamaglobulinemia. Deve-se estabelecer o estado de hepatite B, hepatite C, citomegalovírus e HIV antes de qualquer quimioterapia-imunoterapia para prevenir a reativação do vírus.

As biópsias por aspiração de medula óssea não são necessárias para um diagnóstico formal de LLC, no entanto, podem ser úteis quando o reconhecimento da doença não está claro.

A tomografia computadorizada (TC) do pescoço, tórax, abdômen e pelve é frequentemente realizada na avaliação antes do tratamento de quimioimunoterapia. Os exames de imagem podem avaliar a carga tumoral e estabelecer o risco de síndrome de lise tumoral.

Onde há linfonodos de crescimento rápido, a sua biópsia tem um papel no estabelecimento de uma possível transformação da LLC em linfoma de células B de alto grau. Este processo é conhecido como “transformação de Richter” e os pacientes frequentemente relatam sintomas como febre e perda de peso.

Manejo

A quimioimunoterapia é a principal forma de tratamento da LLC.

Quando os pacientes possuem uma doença sintomática ativa, há opções de quimioimunoterapia disponíveis. Os exemplos de enfermidade ativa consistem em uma perda de peso >10%, fadiga significativa, sudorese noturna, evidência de insuficiência medular progressiva (anemia), um aumento na contagem de linfócitos em 2 meses ou tempo de duplicação rápido, hepatoesplenomegalia progressiva e linfadenopatia. Devem ser derivados urgentemente a hematologia para iniciar o tratamento (figura 1).

A quimioimunoterapia é dirigida as células cancerígenas que se dividem rapidamente, mas é importante ter em conta que os sítios de alta substituição celular (por exemplo, o revestimento da mucosa oral e  da digestiva, as palmas das mãos, a sola do pé e a medula óssea) também se veem afetados e dão como resultados efeitos secundários significativos. Estes incluem úlceras orais, náuseas e vômito, disestesia palmoplantar, hematomas, sangramento e infecções secundarias a citopenias.

Em vista dos efeitos secundários, deve-se considerar o estado funcional dos pacientes para determinar se estão o suficiente em forma para tolerar o tratamento. Aos que iniciam a quimioimunoterapia é prescrito antibióticos profiláticos, aciclovir, alopurinol, cloridrato de clorexidina e antieméticos para mitigar os efeitos secundários.

Quando os pacientes têm trombocitopenia ou anemia, deve-se proporcionar hemocomponentes, caso seja necessário.

Regimes de quimioimunoterapia

A presença da mutação de 17p ou TP53 orienta os regimes de quimioimunoterapia. Quando tais mutações não existem, recomenda-se fludarabina, ciclofosfamida e rituximabe (FCR) como tratamento de primeira linha. Quando isso não for apropriado, bendamustina e rituximabe (BR) ou clorambucil e obinutuzumabe (CO) podem ser considerados. Ciclofosfamida, clorambucil e bendamustina são exemplos de agentes alquilantes que atuam diretamente no DNA para prevenir a divisão celular e reduzir a massa total de linfócitos.

A fludarabina é um exemplo de análogo de purina que inibe a síntese de DNA. Pode causar linfopenia grave e levar à doença do enxerto contra hospedeiro associada à transfusão; portanto, os pacientes que recebem transfusões de sangue necessitam de hemoderivados irradiados.

Rituximabe e obinutuzumabe são anticorpos monoclonais quiméricos anti-CD20 direcionados a células B normais e patogênicas. Mais de 10% dos pacientes apresentam efeitos colaterais relacionados à infusão de rituximabe, incluindo sintomas semelhantes aos da gripe e erupções cutâneas, que também são observados com obinutuzumabe, um anticorpo mais potente que pode induzir a síndrome de lise tumoral.

Novas terapias dirigidas para a LLC

Na presença de mutação del17p ou TP53, recomenda-se o tratamento com ibrutinib (ou acalabrutinib) ou venetoclax, com ou sem obinutuzumab (PO) ou rituximab (VR). PO e acalabrutinibe também são autorizados no cenário de primeira linha onde FCR, BR ou clorambucil são considerados inadequados. O ibrutinibe e o acalabrutinibe atuam inibindo a tirosina quinase de Bruton, que é um componente chave na sinalização de sobrevivência das células receptoras de células B.

Conclusão

Identificar a causa subjacente de uma linfocitose é fundamental no manejo adequado dos pacientes. Quando a contagem de linfócitos se eleva de maneira persistente ou significativa e se já excluiu-se causas benignas (infecções virais ou afecções crônicas), se requer uma derivação imediata a um hematologista.

Um diagnóstico de leucemia linfocítica crônica (LLC) é feito quando há ≥5,0 × 109/L de linfócitos B monoclonais (com base na citometria de fluxo confirmatória) e um esfregaço de sangue de apoio mostrando linfócitos maduros e células difusas. Investigações adicionais, incluindo citogenética, LDH, TAD, microglobulina B2, aspirado de medula óssea, detecção viral e TC, têm um papel no estadiamento e na determinação do prognóstico.

Os médicos de cuidados primários desempenham um papel fundamental na identificação da doença. O encaminhamento a um especialista é essencial para avaliar a sua progressão e as opções de tratamento disponíveis.