Introdução |
Evidências recentes demonstraram que o tratamento com lecanemab pode retardar o declínio cognitivo e funcional na doença de Alzheimer (DA) sintomática precoce. Há uma expectativa difundida de que este medicamento, bem como possivelmente outras infusões de anticorpos monoclonais que visam a proteína β-amilóide, em breve se tornarão opções concretamente viáveis para determinados pacientes que enfrentam essa neuropatologia. Dado que esses novos anticorpos monoclonais antiamilóides (mAbs) estão associados a riscos e encargos não triviais de tratamento que são radicalmente diferentes dos pilares atuais do tratamento da DA, traduzir seu uso de maneira eficaz e equitativa exigirá modificações sistemáticas e específicas da prática clínica.
Sendo assim, Ranabab e colaboradores (2023) forneceram orientação prática sobre as adaptações logísticas e tomada de decisões em torno de mAbs antiamilóides emergentes. Especificamente, resumiram brevemente a justificativa e as evidências disponíveis que apoiam o uso de mAb antiamilóide na DA para facilitar a comunicação apropriada entre médicos e pacientes. Também discutiram abordagens pragmáticas para otimizar a seleção de pacientes e o monitoramento do tratamento. Além disso, revisaram algumas das reconhecidas limitações do conhecimento atual.
Revisão dos mAbs antiamilóides para o tratamento da doença de Alzheimer |
Diversos fármacos direcionados a β-amilóide falharam em demonstrar de forma convincente sua eficácia para a DA. Estes incluíram o aducanumab, um mAb antiamilóide que em 2021 recebeu aprovação da Food and Drug Administration (FDA) em meio a muita controvérsia. Sua aprovação foi baseada na capacidade do medicamento de reduzir os níveis de placas amilóides medidas com PET, na hipótese de que isso seria “razoavelmente provável prever um benefício clínico para os pacientes”. No entanto, a aprovação reconheceu que ainda havia incertezas significativas sobre os benefícios clínicos do medicamento. Em particular, os estudos de fase 3 (EMERGE e ENGAGE) foram encerrados antecipadamente devido a seus resultados conflitantes. O desfecho primário de ambos foi a eficácia das doses mensais do aducanumab versus placebo na redução do comprometimento cognitivo e funcional – medidos por meio de alterações na pontuação na escala Clinical Dementia Rating-Sum of Boxes (CDR-SB). Embora o segundo não tenha atingido o objetivo primário, os participantes do grupo de intervenção que receberam em altas doses no EMERGE apresentaram uma redução modesta no declínio no CDR-SB (0,39 pontos).
O estudo de fase 3 do lecanemab (CLARITY-AD) representou um passo à frente. O fármaco reduziu a carga de placa de beta-amilóide cerebral através da ligação a protofibrilas de beta-amilóide solúveis, bem como outras formas de β-amilóide. Entre 1.800 participantes, o tratamento com lecanemab durante 18 meses levou à lentificação da capacidade cognitiva e declínio funcional com base no CDR-SB. Embora o efeito do tratamento tenha sido modesto, a redução de aproximadamente 25% na piora equivaleria a 4-5 meses de atraso na progressão clínica relacionada à doença em 1,5 anos.
Além das reações à infusão, o efeito colateral mais comum do tratamento com lecanemab foi o desenvolvimento de anormalidades de imagem relacionadas à amilóide (ARIA), uma complicação potencial conhecida dos mAbs antiamilóides que se acredita estar relacionada a interrupções da integridade vascular. A incidência geral de ARIA com tratamento com lecanemab foi de 21,3%, o que foi inferior às taxas relatadas para aducanumab (41% na dose mais alta do medicamento). No entanto, no estudo CLARITY-AD, quase 80% dos casos foram assintomáticos e, no geral, menos de 3% experimentaram sintomas.
Seleção dos pacientes: das indicações ao risco individualizado |
Atualmente, o lecanemab é potencialmente indicado para pacientes com comprometimento cognitivo leve (CCL) ou demência leve devido a DA. Como essas definições refletem um continuum de gravidade do comprometimento cognitivo, no CLARITY-AD, uma pontuação de 22-30 no Mini-Exame do Estado Mental (MMSE) foi necessária para garantir que os participantes se encaixassem na população-alvo.
Embora os critérios de inclusão mais amplos para o CLARITY-AD forneçam diretrizes adicionais para uso apropriado, eles podem não ser uniformemente aplicáveis a todos os contextos clínicos. Por exemplo, alguns pacientes fora dos intervalos de idade definidos (50-90 anos) ou MMSE especificados poderiam ser considerados candidatos razoáveis para terapia, incluindo indivíduos mais jovens com DA esporádica e relativamente mais propensos a apresentar síndromes clínicas atípicas, o que pode influenciar o desempenho em testes cognitivos. Além disso, a confiança estrita no CDR-SB ou nos itens de avaliação neuropsicológica pode exigir treinamento ou recursos extras, que podem não ser práticos para todos os ambientes clínicos. Por isso, é importante que os médicos considerem antecipadamente a melhor forma de identificar sistematicamente os pacientes com maior probabilidade de se beneficiarem do tratamento.
A evidência de amiloidose cerebral anormal também precisa ser demonstrada antes do início da terapia. No CLARITY-AD, a positividade amilóide foi determinada por amiloide PET ou medição de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano (LCR). O primeiro requer disponibilidade de scanner e rastreador especializados, bem como experiência em neurorradiologia, o que, atualmente, não é amplamente disponível. O segundo geralmente é mais acessível, mas requer punção lombar, aquisição adequada de amostra (incluindo uso de tubos especiais), envio a um laboratório qualificado e experiência em interpretação. Os biomarcadores baseados em exames de sangue estão sendo ativamente estudados e podem revolucionar a triagem e o monitoramento do tratamento no futuro. No entanto, ainda não está totalmente claro se eles teriam a sensibilidade e a especificidade necessárias para uso na tomada de decisão no início do tratamento, em comparação com o uso como ferramentas de triagem.
Diferentes fatores devem ser considerados antes de prescrever o medicamento. Micro-hemorragias e siderose superficial estão associadas a maior risco de ARIA. Pacientes com barreiras para obter ressonância magnética também não seriam candidatos a mAbs antiamilóides devido à necessidade de monitoramento regular de segurança e imagens urgentes em caso de sintomas. Além disso, é contraindicado a associação de mAbs antiamilóides com medicamentos anticoagulantes devido ao aumento do risco de sangramento, incluindo o potencial de macro-hemorragia grave.
O alelo E ε4 (APOE ε4) está associado a taxas mais altas de ARIA com terapia mAb antiamilóide. Como resultado, é amplamente aceito que o teste do alelo deve ser oferecido antes do tratamento para que os riscos possam ser devidamente considerados.
Tomada de decisão compartilhada: alinhamento das opções de tratamento com os objetivos de cuidados individualizados |
Quando o tratamento com mAbs antiamilóide pode ser uma opção viável, um processo de decisão compartilhada entre médicos, pacientes e cuidadores será fundamental para garantir o alinhamento de expectativas, benefícios, riscos e objetivos de cuidado. Quase todos os diagnosticados com DA terão interesse inicial em uma terapia que pode potencialmente retardar a sua progressão. No entanto, é importante que entendam que o objetivo do tratamento é retardar o declínio, em vez de estabilizar ou melhorar o funcionamento cognitivo. Além disso, alguns podem ficar menos entusiasmados quando avaliarem os possíveis efeitos colaterais (por exemplo, reações à infusão, ARIA) e os custos financeiros pessoais e encargos logísticos associados ao tratamento.
Administração do tratamento: infusão de medicamentos, monitoramento de segurança e contingências
Para o tratamento, há necessidade da visita frequente aos consultórios por parte dos pacientes e é necessário que façam testes diagnósticos avançados. Lecanemab é administrado a cada 2 semanas por via intravenosa durante aproximadamente 1 hora. Além de facilitar a seleção apropriada de pacientes e providenciar infusões recorrentes, os médicos devem estar preparados para responder à ARIA e outras possíveis complicações do tratamento. Isso inclui ter caminhos para avaliação urgente em caso de sintomas e estabelecer contato com as equipes locais de radiologia e medicina de emergência para garantir a conscientização sobre novas indicações e pedidos.
Os sintomas comuns da ARIA incluem tontura, dor de cabeça, distúrbios visuais e aumento da confusão. No entanto, a maioria dos casos no estudo CLARITY-AD foi assintomático, o que cria um risco de agravamento sem monitoramento suficiente. Além disso, é necessário que os pacientes obtenham imagens das ressonâncias magnéticas de segurança antes da 5ª, 7ª e 14ª infusões. No estudo, ARIA foi mais frequente nos primeiros 4 meses de terapia. Sendo assim, varreduras adicionais podem ser necessárias em indivíduos com maior risco de anormalidades de imagem relacionadas à amilóide.
No CLARITY-AD, a maioria dos casos de ARIA (mais de 80%) foi resolvida em 4 meses após a descontinuação das infusões. Para alguns pacientes com ARIA sintomática ou radiologicamente grave, os provedores podem considerar o início precoce de esteroides em altas doses (por exemplo, metilprednisolona intravenosa 1 g diariamente por 3-5 dias, seguido de redução gradual de esteróides orais ao longo de várias semanas).
Outras terapias direcionadas a objetivos (por exemplo, medicamentos anticonvulsivantes), testes de diagnóstico ou internação hospitalar podem ser necessárias de acordo com o paciente. Essas contingências implicam que as práticas clínicas que oferecem tratamentos antiamilóides mAb precisarão garantir que haja acesso suficiente à leitos, ressonância magnética e outros recursos hospitalares. Além disso, pacientes e médicos devem estar cientes de que os tratamentos indicados para condições médicas não relacionadas à DA pode influenciar substancialmente o risco de macro-hemorragia.
Infraestrutura: adaptação sustentável às novas demandas |
O surgimento de mAbs antiamilóides ocorre em um momento em que as comunidades têm acesso variável a neurologistas gerais, neurologistas subespecialistas cognitivos e outros médicos qualificados. Nesse cenário, os esforços colaborativos de cuidado e adaptações específicas da prática serão fundamentais para garantir financeiramente e esforços logisticamente sustentáveis que atendem às necessidades dos pacientes. Presumivelmente, seria mais prático para que uma grande proporção da população baseada na comunidade receba avaliações iniciais por clínicos não especialistas. O treinamento desses médicos pode ajudá-los a servir como uma “linha de frente” dedicada para as comunidades. Modelos de triagem que poderiam identificar pacientes com alto risco e/ou complexidade provavelmente também teria efeitos importantes no acesso a consultas e experiência do clínico e do paciente.
Além disso, podem ser antecipadas maiores solicitações de informações de pacientes e cuidadores, que variam de acordo com fatores demográficos e outros. Esforços para melhorar a eficiência das taxas de resposta a solicitações ajudarão a conservar os recursos da clínica. Uma estratégia potencial para mitigar o excesso de demanda envolve o desenvolvimento de um site dedicado à educação do paciente e do cuidador. A duração da resposta de chamadas telefônicas ou registros médicos eletrônicos pode ser melhorada fornecendo respostas padronizadas para perguntas frequentes. Para algumas práticas, projetar um serviço de consulta, por meio do qual o especialista se comunica com médicos não especialistas para apoiar e triar os pacientes apropriados e por meio do qual o sistema de saúde aborda quaisquer limitações de reembolso do pagador para códigos de diagnóstico atuais, também pode reduzir a demanda.
Donanemab: uma adição potencial à estrutura de tratamento |
Donanemab é outro mAb antiamilóide de alta potência que é infundido por via intravenosa a cada 4 semanas. Recentemente, os resultados do estudo de fase 3 foram anunciados. Em comparação com o placebo, o tratamento com o fármaco durante 18 meses resultou no abrandamento do declínio cognitivo e funcional em aproximadamente 35% na população-alvo. Os participantes que estavam no estágio inicial da doença tiveram os maiores benefícios, com 60% de desaceleração do declínio. Além disso, quase metade (47%) dos participantes que receberam o fármaco no estágio inicial da doença não apresentaram progressão clínica.
Conclusão |
Desenvolvimentos recentes com mAbs antiamilóides incluem nuances e limitações, mas representam um passo na direção certa para pacientes com DA. Atualmente há otimismo de que esses medicamentos possam facilitar a desaceleração da doença em alguns pacientes com DA, por isso é necessário a seleção precisa dos mesmos. Nesta nova era, garantir uma profundidade de especialização nessas opções terapêuticas e seleção, administração e monitoramento eficazes de protocolos em práticas de neurologia serão cruciais para otimizar os resultados dos pacientes e permitir avanços futuros.