Revisão sistemática

Asma relacionada à obesidade infantil

A relação entre a asma e a obesidade e seu impacto na função pulmonar e a resposta imune, a desregulação metabólica e as modificações da microbiota

Autor/a: Jessica Reyes-Angel, Parisa Kaviany, Deepa Rastogi, Erick Forno

Fuente: Lancet Child Adolesc Health 2022; 6: 71324

Indice
1. Texto principal
2. Referência bibliográfica
Introdução

A asma e a obesidade infantil têm oferecido importantes desafios de saúde. Nos Estados Unidos, a prevalência da asma na infância duplicou de 3,4% em 1980 a aproximadamente 7% em 2019, onde esta condição afeta atualmente a mais de 5 milhões de crianças. Além disso, a prevalência da obesidade entre crianças e adolescentes no país também aumentou de 3,6% em 1980 a 19,3% em 2018.

A obesidade tem se relacionada com um maior risco de asma em crianças e adultos.

Entre as crianças com asma, a obesidade é um fator de risco de maior morbilidade, incluindo pior controle de sintomas, exerbações mais frequentes e difíceis de tratar e menor qualidade de vida.

A obesidade também está associada com uma diminuição da resposta aos corticosteroides inaláveis e possivelmente aos esteroides sistêmicos. Embora que a relação entre o excesso de peso e a doença respiratória seja completa, Reyes-Angel e colaboradores (2022) se centraram em uma subfenótipo da asma relacionado com a obesidade, em que a doença crônica contribui para o risco ou a gravidade da doença respiratória.

Epidemiologia da asma relacionada com a obesidade

Amplos estudos epidemiológicos informaram associações entre a obesidade, ou o ganho de peso precoce, e a asma infantil incidente. Entre os longitudinais que descreveram que a alta adiposidade precede a asma incidente, um grande estudo que utilizado dados do Estudo de Saúde Infantil de Taiwan informou que a obesidade se associou com o maior risco de asma incidente (taxa de risco [HR] 1,28, IC 95% 1,05–1,56) em comparação com outros fatores de risco estudados (obesidade, atividade física, aptidão cardiopulmonar, transtornos respiratórios do sono, e qualidade do sono). 

O estudo também utilizou uma abordagem mendeliana de randomização para mostrar que a obesidade e os fatores de risco relacionados com ao ganho de peso (transtornos respiratórios do sono e a qualidade do sono) foram associados com a asma. Outro estudo na mesma coorte encontrou que o ganho de adiposidade antes dos 6 anos foi mais sensível para preceder a asma infantil, enquanto o aumento de adiposidade durante o período pré-puberdade foi melhor para preceder a asma de início em adultos jovens. 

O Projeto Viva, um estudo de controle pré-natal e as influências pré-natais na saúde infantil nos EUA, encontrou que o sobrepeso infantil estava associado com asma na adolescência precoce (risco relativo [RR] 1,9, IC 95% 1,1–3,0). Estes resultados foram respaldados por uma grande metanálise que informou que a obesidade infantil aumentou as probabilidades de asma em 50%. Esta relação provavelmente começa no útero, com o estudo informando que a obesidade materna e o aumento de peso durante a gestação foram associados com um aumento de risco de 15 a 30% de asma na descendência o aumento das concentrações de leptina no sangue do cordão umbilical poderia mediar a associação.

Um grande estudo sueco informou que um IMC alto na idade dos 8 anos foi associado com um aumento de risco de asma com rinite alérgica concomitante, enquanto o sobrepeso ou obesidade aos 20 anos estava associado com um aumento de 45% a 95% no risco de surgimento da asma na idade adulta sem rinite alérgica concomitante.

Dados de coorte bem descritas por Tucson e Avon mostraram que uma maior concentração de insulina no sangue na primeira infância foi correlacionada com um maior risco de asma na adolescência e na fase adulta, independente do IMC. Outros estudos descreveram mudanças nas respostas imunológicas, nos perfis lipídicos no sangue do cordão umbilical ou na vida pós-natal, e alterações metabólicas na placenta.

As evidências sugeriram que a asma também contribuiu para a aparição da obesidade. Estes achados explicaram em parte a diminuição da atividade física e o uso frequente de corticosteroides sistêmicos.

Um estudo informou que as crianças com asma teriam 23% a mais de riscos de desenvolver obesidade, mas que este seria menor entre as que usavam medicamentos para a doença respiratória com mais frequência.  Os pacientes que tomavam seus medicamentos podem ter um melhor controle sobre a asma e participar em mais atividades físicas regulares que aqueles que tomam com pouca frequência, o que é provável que atenue o risco de obesidade. As crianças com asma mal controlada podem ter um aumento na massa gorda e uma diminuição na massa muscular, independente do IMC.

Anatomia das vias respiratórias, mecânica e infecção pulmonar

A obesidade pode conduzir a alterações importantes na fisiologia e mecânica pulmonar.

O excesso de peso na parede torácica e o alto conteúdo de gordura abdominal podem reduzir a execução diafragmática e a expansão torácica, o que leva a diminuição da distensão respiratória e o aumento do trabalho da respiração

Os adultos com sobrepeso ou obesos podem ter um déficit pulmonar restritivo, com volume respiratório forçado em 1 s (FRV1) e capacidade vital forçada (FVC) baixos, cociente FEV1/FVC normal e volumes pulmonares reduzidos. Estas mudanças podem reduzir a tração radial das uniões do parênquima pulmonar ao redor das vias aéreas, aumentando a colapsabilidade e a resistência das vias aéreas periféricas, e pode prejudicar a função do músculo liso das vias aéreas.

A infância é um período de rápido crescimento pulmonar e mudanças pronunciadas na mecânica respiratória. Uma grande metanálise informou que, a diferença dos adultos, crianças com obesidade mostram diminuições em FEV1/FVC e no fluxo respiratório médio forçado a 25/75% da capacidade vital (FEF).

Crianças obesas podem ter níveis normais ou supranormais de VEF1 e CVF, mas uma relação VEF1/CVF baixa, um fenômeno que se presume resultar de uma assimetria entre o crescimento pulmonar e o calibre das vias aéreas.

A relação entre o tamanho da via aérea e o volume pulmonar pode ser particularmente motivada pela obesidade central e não apenas pelo IMC. Além de um efeito mecanicista, estes resultados apontaram para diferenças de desenvolvimento em crianças com obesidade em comparação com os seus pares com peso saudável.

Uma revisão sistemática descreveu que as mudanças de um padrão cognitivo a um padrão restritivo poderiam ocorrer entorno dos 35-40 anos de idade, afirmando ainda mais essas alterações de desenvolvimento ao longo da vida.

Crianças e adolescentes com obesidade e asma também podem ter volumes pulmonares mais baixos, incluindo capacidade residual funcional, volume de reserva expiratória e volume residual, do que seus pares com IMC saudável, sugerindo que os efeitos da adiposidade podem variar de acordo com a idade, gravidade e duração da obesidade.

Os estudos em adultos descreveram um acúmulo de tecido adiposo dentro das paredes das vias respiratórias de pessoas com obesidade e asma, fornecendo outro mecanismo potencial das mudanças observadas. Estes achados sugeriram que as alterações no calibre das vias respiratórias e o volume pulmonar, em lugar da hiper-reatividade das vias respiratórias, podem ser características da asma relacionada à obesidade em crianças.

Finalmente, as mudanças na função pulmonar também podem refletir nos efeitos pró-inflamatórios do tecido adiposo, que podem conduzir um ambiente diferente do habitual T2 alto, asma atópica infantil. A resistência à insulina foi relacionada com FEV e FVC mais baixo, e a síndrome metabólica está associada com um FEV1/FVC mais baixo em adolescentes com sobrepeso ou obesidade, particularmente entre aqueles com asma.

O papel dos hormônios sexuais

A prevalência da asma difere segundo o sexo ao longo da vida.

Vários estudos demonstram que as associações entre a obesidade e a asma entre as mulheres são mais fortes no que nos homens, embora alguns estudos informem o contrário. Estes achados podem explicar em parte as mudanças nos níveis dos hormônios sexuais

Um estudo em adultos estadunidenses encontrou que maiores concentrações de testosterona e estradiol foram relacionadas com menores probabilidades de asma em mulheres com obesidade, enquanto o estradiol sozinho foi associado com menores probabilidades de asma entre os homens sem obesidade. 

Em pacientes peripúberes atendidas em consultas com intervalo de aproximadamente 5 anos, um aumento nas proporções de testosterona e estradiol entre as duas consultas foram associadas ao aumento da função pulmonar e, entre as meninas com asma, também à diminuição da contagem de eosinófilos.

A menarca precoce foi correlacionada com uma menor função pulmonar e maior risco de asma, embora o papel da obesidade não esteja claro. Mulheres com asma pré-menstrual tendem a ter um IMC mais alto que as mulheres com asma não pré-menstrual.

Os estudos sobre o efeito da terapia de reposição hormonal na asma têm produzido resultados contraditórios, e alguns tem descrito uma modificação do efeito por IMC: um estudo de mulheres na menopausa encontrou que um IMC mais alto estava associado com a asma sozinha entre as mulheres que não recebem terapia de reposição hormonal. 

Além disso, os contraceptivos orais e a terapia de reposição hormonal foram associados com um aumento do risco de asma, particularmente entre as mulheres sem obesidade. No entanto, outro estudo informou que os contraceptivos reduziram o risco de exacerbação da asma, com uma maior redução de risco entre as mulheres com obesidade que tomam anticoncepcional oral combinado. Esses estudos destacaram a importância dos hormônios sexuais na asma relacionada com a obesidade, porém são necessários mais estudos prospectivos, longitudinais desenhados especificamente para avaliar seu papel em relação a puberdade.

Imunologia da asma relacionada com a obesidade

Além do tipo de inflamação presente na asma relacionada com a obesidade, pode haver diferenças importantes no posicionamento das respostas imunitárias e inflamatórias entre pacientes com a doença respiratória com IMC elevado em comparação com pessoas com a mesma doença mas IMC normal. Modelos animais e estudos humanos sugeriram que pode haver diferenças tanto nas respostas sistêmicas como nas respostas específicas das vias respiratórias.

Respostas imunitárias sistêmicas

As concentrações séricas de CCR2, que diminui com a diferenciação de monócitos, se correlacionam com os volumes pulmonares, apoiando uma associação entre a ativação dos monócitos e os déficits da função pulmonar exclusivos da asma relacionada com a obesidade pediátrica.

Concentrações mais elevadas de CD163 solúvel circulante, um marcador de ativação de macrófagos, foram relatadas em meninas com obesidade e asma, particularmente naquelas com padrão andróide de distribuição de gordura, e estão correlacionadas com menor função pulmonar e qualidade de vida relacionada à asma. Estes estudos sugeriram que a ativação sistêmica de monócitos pode desempenhar um papel no fenótipo da asma relacionada com a obesidade.

As células linfoides inatas (ILCs) também possuem um papel na asma relacionada com a obesidade. As células ILC tipo 3 (ILC3) produtoras de IL17A se incrementam nos pulmões de ratos obesos com hiper-reatividade das vias respiratórias. Foram encontrados em números mais altos na circulação periférica de crianças com obesidade e asma, mas o número de células não foi correlacionado correlacionou com a gravidade da doença.

As células ILC2 também foram associadas com hiper-reatividade das vias respiratórias em ratos obesos sensibilizados aos ácaros de pó doméstico. A leptina melhorou a sobrevivência de ILC2 e sua proliferação, aumentando especificamente a resposta alérgica na asma atópica, e exaustão de ILC anula a hiper-reatividade das vias respiratórias em maior medida em ratos obesos do que em ratos magros.

Em relação à cascata de ativação de monócitos, crianças com obesidade e asma apresentam evidências de polarização T-helper 1 (Th1) que se correlaciona com as concentrações de leptina e IL-6. Marcadores circulantes de polarização Th1, IFNy e IP-10 estão inversamente correlacionados com FEV1/FVC. Estes achados sugeriram que a obesidade impulsiona a inflamação sistémica Th1 em crianças com obesidade, e que esta inflamação é maior nas pessoas com asma. No entanto, a obesidade e a atopia não são mutuamente exclusivas e a obesidade influencia a asma entre pessoas com e sem sensibilização alérgica.

A polarização Th1 está associada com a inflamação neutrofílica na asma grave. Embora contagens mais altas de neutrófilos nas vias aéreas e sistêmicas em adultos com obesidade e asma se correlacionem com menor FEV1, as crianças com obesidade e asma tem neutrofilia no sangue, mas não nas vias respiratórias. Além disso, se desconhecem os mecanismos biológicos que vinculam aos neutrófilos com a asma relacionada com a obesidade.

Apesar de que as meninas com obesidade tendem a ter asma não eosinofílica, o excesso de adiposidade também se relacionou com a ativação dos eosinófilos e a quimiotaxia na asma infantil, e o aumento da eosinofilia submucosa em adultos com obesidade e asma severa.

Um estudo de eficácia comparativa da restrição da dieta versus a intervenção baseada em exercício revelou que a atividade física foi relacionada com uma diminuição dos eosinófilos do escarro enquanto a restrição dietética foi associada com uma redução dos neutrófilos nas vias respiratórias.

Respostas imunitárias das vias respiratórias

Comparado com a resposta imune sistêmica, é menos conhecido o papel de resposta imune das vias respiratórias na asma relacionada com a obesidade. Os estudos murinos reportaram uma maior proporção e ativação de macrógrafos pró-inflamatórios das vias respiratórias em ratos obesos, que, quando esgotados, estavam associados à diminuição da hiperresponsividade das vias aéreas. Alguns estudos sobre asma relacionada à obesidade em adultos, mas não todos, descreveram uma alta proporção de macrófagos das vias aéreas que respondem pouco aos glicocorticóides, mas os autores não têm conhecimento de estudos semelhantes em crianças.

Há uma falta semelhante de literatura sobre células Th e eosinófilos das vias aéreas em crianças com obesidade e asma. Existem relatos conflitantes sobre padrões de óxido nítrico exalado fracionado (FeNO), um marcador de inflamação alérgica das vias aéreas, em crianças com obesidade e asma. Um estudo relatou uma associação entre medidas de adiposidade e gravidade da asma em crianças com FeNO baixa, mas maior gravidade da asma e pior controle da doença entre crianças com FeNO elevada, enquanto outros não encontraram associação.

Estes resultados contrastantes apoiaram a hipótese de que existem múltiplos subfenótipos de asma relacionada com a obesidade, talvez um em que a doença crônica piore a asma atópica e outro em que a obesidade é um fator de risco para asma não atópica.

Consistente com o papel da resposta sistêmica de neutrófilos na asma não atópica, um estudo murino investigou o papel do inflamassoma NLRP3 na asma relacionada à obesidade. Um receptor de reconhecimento de padrão NLRP3 foi associado à inflamação neutrofílica das vias aéreas na asma grave e foi relatado que está aumentado nas vias aéreas de pessoas com obesidade e asma, particularmente em resposta a uma dieta rica em ácidos graxos saturados.

Estes estudos começaram a explorar a inflamação neutrofílica como um novo mecanismo fisiopatológico para a asma não alérgica grave, identificando um papel potencial para a terapia antineutrofílica na asma relacionada com a obesidade como um protótipo de asma grave.

Mediadores pró-inflamatórios

A IL-6 tem sido implicada tanto na asma como na obesidade. Na coorte de adultos da coorte Severe Asthma Research Program-3 (SARP3), a IL-6 foi um biomarcador de propensão à exacerbação da asma, associada a exacerbações frequentes e baixa função pulmonar. Pacientes com concentrações elevadas de IL-6 também apresentaram maior IMC e condições comórbidas mais frequentes, incluindo hipertensão e diabetes, do que pacientes com baixas concentrações de IL-6. Na coorte pediátrica de SARP3, níveis elevados de IL-6 foram associados a um IMC mais elevado e a uma maior propensão para exacerbações e comprometimento da função pulmonar do que níveis baixos de IL-6; resultados semelhantes foram relatados no estudo Asthma Phenotypes in the Center of the City (APIC).

Um estudo usando amostras epiteliais das vias aéreas da coorte Unbiased Biomarkers in the Prediction of Respiratory Disease (U-BIOPRED) encontrou um subconjunto de participantes com alta sinalização epitelial de IL-6 que apresentavam exacerbações frequentes, eosinofilia sanguínea e infiltração de células T e macrófagos em a submucosa. Estas descobertas, juntamente com a observação de concentrações mais elevadas de IL-6 entre indivíduos de ascendência afro-americana do que entre aqueles de ascendência europeia, e à luz das terapias anti-IL-6 existentes e emergentes, identificam a IL-6 como um importante biomarcador de asma não alérgica associada à obesidade.

As áreas de pesquisas futuras incluem o papel dos neutrófilos e eosinófilos circulantes na asma relacionada à obesidade pediátrica e nas respostas imunes inatas e adaptativas nas vias aéreas. A quantificação simultânea dos padrões sistêmicos e específicos das vias aéreas ajudará a compreender o papel dos padrões imunológicos de compartimentos corporais específicos na asma relacionada à obesidade. Além disso, são necessários estudos mecanísticos para compreender as vias específicas relacionadas com a biologia da IL-6 que estão associadas às exacerbações da asma e aos défices da função pulmonar.

Genética e genômica

A obesidade a asma são características altamente hereditárias, e o aumento paralelo na prevalência de ambos sugere possíveis fatores de risco genético.

Em um estudo de grande escala, de características cruzadas, associado ao genoma de 457.822 indivíduos do Biobanco do Reino Unido, os investigadores encontraram três genes compartilhados em sua análise de asma de aparição tardia, asma não atópica e IMC (ERBB3, COL16A1, e UNC13D), e outros três em sua análise da relação cintura-quadril (SMAD3, FOXA3 e cerca de LAYN).

O sinal mais forte, o polimorfismo de nucleotídeo único rs4759229 no cromossomo 12q13·2, foi associado à expressão de ERBB3, MYL6B ou SUOX em diferentes tecidos. Além disso, o estudo relatou um forte efeito causal positivo do IMC nos fenótipos da asma (asma de início tardio, asma não atópica e asma atópica), mas não vice-versa.

Um estudo subsequente de associação genômica ampla de asma e IMC em mais de 300.000 participantes identificou uma associação significativa entre fenótipos em rs705708, também localizado em 12q13 2; estudos funcionais adicionais neste locus poderiam ajudar a identificar alvos para intervenções que previnam ou tratem tanto a asma e obesidade.

Estudos em crianças com e sem asma identificaram variantes no gene da leptina, de modo que o efeito protetor observado para a asma entre indivíduos eutróficos foi perdido em crianças com excesso de peso. Da mesma forma, a proteção observada para atopia também foi perdida no grupo com excesso de peso. Esses achados mostraram o possível efeito do excesso de peso na associação entre concentrações de leptina, asma e atopia.

Além da sua herdabilidade, tanto a obesidade como a asma respondem a múltiplos fatores ambientais e variam ao longo da vida. Os pesquisadores estudaram o papel da regulação epigenética e da expressão genética.

Um estudo multiômico em crianças hispânicas e afro-americanas, por exemplo, revelou um enriquecimento das vias RhoGTPase em células Th de crianças com obesidade e asma, identificando uma possível terapia direcionada. Os níveis de expressão de CDC42EP4 e DOCK5 correlacionam-se inversamente com o FEV1/FVC proporção entre crianças com obesidade e asma.

Destacando a importância da regulação genética ao longo do tempo, um estudo que avaliou os efeitos das trajetórias do IMC na infância sobre a incidência de asma aos 18 anos descobriu que a metilação do DNA em quatro locais CpG mediava total ou parcialmente a regulação genética.

Um estudo de associação do transcriptoma epitelial nasal encontrou diferenças estatisticamente significativas entre crianças com obesidade e asma e seus pares com peso saudável, com a maioria dos genes relacionados ao interferon e vias de sinalização não-T2.

Ao incorporar o efeito do ambiente, os estudos epigenéticos e transcriptómicos permitirão aos investigadores avaliarem a interação entre a predisposição genética e os determinantes sociais da saúde, que afetam desproporcionalmente certas raças, etnias ou grupos socioeconómicos que enfrentam um enorme fardo tanto de asma como de obesidade.

Será fundamental garantir a diversidade e a representação adequada destes grupos em estudos genéticos e genômicos da asma relacionada com a obesidade.

Desregulação metabólica na asma relacionada com a obesidade

A desregulação metabólica, a resistência à insulina e a dislipidemia estão correlacionadas com a inflamação mediada pela obesidade e provavelmente contribuem para a asma em crianças com obesidade.

 A resistência à insulina e a dislipidemia são mais prevalentes em crianças com asma do que naquelas sem asma.

Maior resistência à insulina e menores concentrações de HDL estão associadas a menores valores de VEF1/CVF. Além disso, a resistência à insulina é um preditor independente do volume de reserva expiratório quando ajustada para adiposidade geral e troncular.

A resistência à insulina se correlaciona com a relação Th1/Th2 e medeia a associação com a função pulmonar, enquanto o HDL sérico está negativamente associado à relação Th1/Th2 e aos monócitos, que estão elevados em pessoas com obesidade. Esses achados apoiaram um papel para anormalidades metabólicas na função pulmonar prejudicada na asma relacionada à obesidade, independente do IMC ou adiposidade do tronco.

Os mecanismos fisiopatológicos pelos quais as anormalidades metabólicas afetam a fisiologia pulmonar foram investigados até certo ponto. O músculo liso das vias aéreas expressa receptores de insulina e desenvolve um fenótipo pró-contrátil quando exposto à insulina, e esse efeito pode ser mais pronunciado em pessoas obesas do que naquelas com peso saudável. Além disso, estudos murinos relataram alterações na ativação de moléculas como como IRS-1 e AKT a jusante da insulina secundária à melhoria do estresse oxidativo. Os agentes farmacológicos que alteram o metabolismo da insulina e da glicose demonstraram potencial na asma relacionada à obesidade.

A dieta e o microbioma

O maior consumo de alimentos processados em relação com frutas e as verduras têm se relacionado com uma maior incidência de asma e sua exacerbação.

As baixas concentrações de vitamina D foram associadas com uma função pulmonar mais baixa em crianças com obesidade e asma, mas não em crianças com um peso saudável, enquanto as concentrações de carotenoides se correlacionam com maior relação FEV1/FVC e melhor perfil metabólico, diminuição da resistência à insulina e maiores concentrações de HDL entre crianças com obesidade e asma.

A fibra dietética, que pode afetar a composição do microbioma intestinal, tem se relacionado com melhores resultados de asma. Em geral, uma dieta saudável e rica em antioxidantes e fibra pode reduzir as consequências do estresse oxidativo e a inflamação sistêmica que se observa na asma relacionada com a obesidade.

As modificações dietéticas podem melhorar o sistema imunológico e a desregulação metabólica que contribuem para a asma relacionada a obesidade na pediatria, e qualquer perda de peso resultando também pode melhorar a carga da doença da asma.

O microbioma intestinal tem propriedade imunoestimulantes e efeitos reguladores do sistema imunitário. No útero e ao início do período neonatal, o sistema imunitário tem uma sólida resposta Th2 e uma resposta Th1 suprimida, o que permite a colonização microbiana do intestino, que por sua vez impulsiona mudanças no sistema imune à uma resposta Th1.

Os desequilíbrios ou a diversidade reduzida no microbioma durante este período crucial podem contribuir para o desenvolvimento de condições atópicas, incluindo a asma. A microbiota intestinal foi correlacionado à obesidade, embora o debate em curso seja se a disbiose é a causa ou a consequência da obesidade. Embora possa haver um papel para a microbiota das vias aéreas no desenvolvimento da asma, os autores desconheceram estudos que analisaram a asma relacionada à obesidade em crianças.

Um estudo em adultos analisou o lavado broncoalveolar e encontrou 98 táxons correlacionados com o IMC, incluindo Firmicutes e Bacteroidetes; participantes com obesidade também apresentaram menos eosinófilos na biópsia do que aqueles com IMC saudável.

Os efeitos da dieta no risco de asma podem ser mediados por alterações no microbioma. Uma dieta rica em fibras pode alterar a proporção de Firmicutes para Bacteroidetes no intestino e no pulmão, o que aumenta as concentrações de ácidos graxos de cadeia curta e prejudica a função Th2, que por sua vez pode influenciar a inflamação alérgica no pulmão.

Estudos com murinos demonstraram que uma dieta rica em fibras pode alterar a microbiota, melhorando a função reguladora T, levando à supressão das doenças alérgicas das vias aéreas e efeitos antiinflamatórios, neutralizando os efeitos sistêmicos da endotoxemia na obesidade.

O efeito dessas alterações relacionadas à obesidade na microbiota intestinal na hiperresponsividade das vias aéreas também pode ser mediado pela IL-17. Um estudo do trato gastrointestinal e da microbiota das vias aéreas em adultos com asma, obesidade ou ambos descreveram múltiplas diferenças nos três grupos comparados com controles saudáveis.

Micróbios intestinais específicos correlacionados com lavagem broncoalveolar e marcadores inflamatórios séricos na obesidade e na asma. Curiosamente, as lavagens broncoalveolares de participantes com obesidade e asma continham alguns marcadores inflamatórios observados na obesidade e outros observados na asma, enquanto os perfis inflamatórios no sangue sugeriam sinergia entre as duas doenças.

Os autores concluíram que a presença da obesidade e asma são “aditivos e contribuem a mudanças inflamatórias e da microbiota”.

Endotipagem de asma relacionada à obesidade

À medida que se descobre mais sobre a asma relacionada com a obesidade, torna-se mais claro que se trata de um termo genérico para um grupo complexo de fenótipos com mecanismos subjacentes variados. A fenotipagem e a endotipagem melhoradas com base em biomarcadores relacionados com a etiologia podem melhorar a compreensão e informar terapias específicas.

Uma análise sem hipóteses de dados fenotípicos completos identificou novas relações entre características clínicas, ambientais e biológicas na asma. Por exemplo, ao analisar mais de 600 variáveis ​​fenotípicas agrupadas em 34 grupos, o SARP identificou cinco grupos de adultos com asma, um dos quais era motivado pela obesidade e diferia dos outros grupos pela predominância de neutrófilos, falta de sensibilização atópica e resistência aos corticosteróides.

Os dados pediátricos do SARP, no entanto, não distinguiram um grupo enriquecido para obesidade. Esta discrepância destacou diferenças inerentes entre asma adulta e infantil e a necessidade de análises adicionais de grandes conjuntos de dados específicos para fenótipos de asma infantil.

A partir da literatura existente, Reyes-Angel e colaboradores (2023) postularam que pelo menos alguns pacientes com asma relacionada à obesidade são provavelmente menos atópicos do que aqueles com asma de peso saudável, apresentam desregulação metabólica e talvez inflamação predominantemente não eosinofílica das vias aéreas, impulsionada por alterações pró-inflamatórias sistêmicas. No entanto, são necessários mais estudos para elucidar se as vias inflamatórias atópicas e não atópicas estão presentes na asma relacionada com a obesidade, o que por sua vez ajudará a melhorar o tratamento destes pacientes.

Manejo de pacientes com obesidade e asma

Relatórios da Iniciativa Global para a Asma (GINA) incluíram a obesidade entre as comorbilidades a considerar na avaliação e gestão da asma, e sugeriram a redução de peso como estratégia de tratamento. Ao mesmo tempo, a GINA salientou a importância de distinguir os verdadeiros sintomas da asma dos sintomas de descondicionamento.

A maioria das diretrizes para asma recomendou corticosteróides inaláveis como a base do controle da doença à longo prazo; no entanto, a sua resposta pode ser reduzida na asma relacionada à obesidade. Este achado pode refletir o tipo (T2-alto vs T2-baixo) ou o localização (via aérea vs sistêmica) da inflamação e alterações associadas à obesidade na mecânica das vias aéreas que não são de natureza inflamatória. Além disso, as citocinas produzidas na obesidade podem regular positivamente a isoforma do receptor de glicocorticóide β (GRβ), que está associada à resistência aos esteróides. Além disso, adolescentes obesos afro-americanos e latino-americanos podem ter menos probabilidade de responder aos broncodilatadores inalados do que indivíduos não obesos. No entanto, o tiotrópio pode ser eficaz mesmo entre pessoas com obesidade.

> Intervenções para perda de peso

Vários ensaios clínicos randomizados (ECR) avaliaram intervenções para perda de peso em adultos com obesidade e asma. A maioria relatou melhorias no controlo da doença respiratória e alguns também encontraram melhorias na função pulmonar. Embora alguns tenham relatado melhorias nos biomarcadores da inflamação sistémica, as melhorias na inflamação das vias aéreas pareceram menos consistentes.

Os ECRs sobre perda de peso na asma infantil foram geralmente menores do que aqueles realizados em populações adultas. Uma revisão sistemática identificou quatro ECRs pediátricos e concluiu que a perda de peso estava associada a melhorias no IMC, no controle da asma e na qualidade de vida. Contudo, as melhorias na função pulmonar foram menos consistentes do que nos adultos. Além disso, uma análise secundária do estudo realizado por Jensen e colaboradores (que originalmente relataram melhorias na função pulmonar e no controlo da asma após uma perda média de peso de 3,4 kg) mostrou que crianças asmáticas que tinham VEF1 mais baixo e pior condição física basal perderam menos peso. Pode, portanto, ser que as crianças com obesidade mais grave e função pulmonar mais baixa tenham menos probabilidades de beneficiar de intervenções de cuidados de saúde para perder peso.

Como prova de conceito, estudos de cirurgia bariátrica na asma relacionada à obesidade em adultos foram conduzidos com resultados promissores em termos de controle da asma, função pulmonar e hiperresponsividade das vias aéreas. Uma revisão sistemática de 26 estudos também relatou melhorias com o uso de medicamentos para asma, internações hospitalares e visitas ao pronto-socorro. Mais do que simplesmente uma função da perda de peso, as melhorias no controle da asma podem estar relacionadas à resolução de distúrbios metabólicos associados à obesidade.

Conclusões e direções futuras

A intrincada relação entre obesidade e asma e os muitos mecanismos subjacentes apontam para diversas áreas de investigação futura. Durante as últimas décadas, foi observado um progresso substancial no reconhecimento e na compreensão deste fenótipo. No entanto, há muito trabalha a se fazer. Por isso, Reyes-Angel e colaboradores (2022) delinearam cinco sugestões para que o campo avance.

Primeiro, devem desenhar-se estudos pediátricos específicos da asma relacionada com a obesidade que foque em etapas importantes para o desenvolvimento, incluindo o crescimento e o desenvolvimento precoce, a influência das mudanças da puberdade e a transição para a idade adulta. As perguntas chaves incluem se há mudanças na vida precoce que pré-dispõe tanto a obesidade como a asma, o papel mecânico dos hormônios sexuais durante e depois da puberdade, se as mudanças na microbiota intestinal são causa ou consequência da asma relacionada com a obesidade, e se a função pulmonar e os padrões de imunidade que se descreve em crianças e adultos são parte de um desenvolvimento contínuo, ou se constituem padrões de doença e fenótipos diferentes. 

Segundo, a endotipagem e fenotipagem de pacientes com asma relacionada à obesidade devem ser melhoradas, com o objetivo de compreender melhor os mecanismos subjacentes, identificar biomarcadores eficazes e informar intervenções e manejo.

Terceiro, grandes estudos multicêntricos devem ser implementados para avaliar intervenções padronizadas e abordagens terapêuticas específicas para esta população infantil de alto risco. Esses estudos devem incluir estratégias de perda de peso, modificações no estilo de vida e potenciais agentes e abordagens terapêuticas novas ou reutilizadas (por exemplo, metformina ou outros medicamentos antidiabéticos, agentes anti-IL-6, estatinas). Em particular, estes estudos devem incluir resultados de asma e acompanhamento a longo prazo para avaliar se a melhoria dos resultados pode ser mantida. Devem também investigar se a perda de peso é necessária para melhorar os resultados da asma ou se a melhoria dos distúrbios metabólicos é mais importante. Um caminho potencial é explorar se a restauração ou manipulação do microbioma pode melhorar os resultados.

Em quarto lugar, a inclusão e a representação em investigação futura devem ser asseguradas. Por exemplo, algumas minorias raciais e grupos étnicos nos EUA enfrentam um fardo desproporcional de obesidade e asma.

Por último, com base nos conhecimentos derivados das abordagens descritas acima, as diretrizes para a asma devem incorporar informações claras e abordagens de gestão eficazes em pacientes pediátricos com asma relacionada com a obesidade.