Recentemente, a European Society of Hypertension (ESH) atualizou suas diretrizes com objetivo de fornecer as orientações mais recentes sobre avaliação e manejo da hipertensão arterial.
A diretriz abordou uma variedade de tópicos relacionados ao diagnóstico e tratamento da hipertensão. Uma das grandes questões enfatizadas foi sobre a modificação no estilo de vida como parte de qualquer educação anti-hipertensiva e tratamento inicial.
Em relação à terapia farmacológica, uma grande mudança foi a utilização da combinação de drogas anti-hipertensivas. Antes de 2018, as diretrizes recomendavam amplamente a abordagem de cuidado escalonado, iniciando o tratamento com uma variedade de diferentes monoterapias, e, em seguida, adicionando sequencialmente outros fármacos, até que o controle da pressão arterial (PA) fosse alcançado. A combinação com duas drogas era apenas proposta para pacientes com elevações acentuadas da PA e/ou risco cardiovascular alto. No entanto, a falha em atingir o controle da PA na maioria dos pacientes era alta, o que indicava que a estratégia de tratamento não era eficaz e que era necessária uma nova abordagem.
Por isso, a ESH determinou uma nova estratégia de tratamento. Para isso, analisou os seguintes pontos:
- Eficácia das terapias farmacológicas
- Inércia médica: Evidências sugeriram que a inércia terapêutica, ou seja, falha em intensificar ou aumentar adequadamente o tratamento, contribui para a falha no controle da PA.
- Adesão medicamentosa
- Uso insuficiente do tratamento combinado: É provável que a monoterapia seja inadequada ou insuficiente para controlar a PA na maioria dos pacientes, e as combinações medicamentosas, atuando por meio de diferentes mecanismos, são necessárias para atingir as metas de PA.
- Complexidade das estratégias de tratamento: Há também evidências de que a adesão ao tratamento é adversamente afetada pela complexidade do regime prescrito. Vários estudos demonstraram que a adesão ao tratamento é fortemente influenciada pelo número de comprimidos prescritos, bem como pela frequência de dosagem. Por isso é necessária uma terapia tripla e/ou terapia dupla.
Sendo assim, as considerações acima sugeririam que a melhor estratégia de tratamento seria aquela que encoraja o uso de tratamento combinado na maioria dos pacientes e promove o uso de terapias combinadas simplificadas baseadas em uma única pílula. Estas foram as principais razões pelas quais as diretrizes da ESH de 2023 recomendaram um novo tratamento simples e aplicável à maioria dos pacientes, com o uso da terapia de combinação de fármacos individuais (SPC, sua sigla em inglês para single pill combinations) como terapia inicial de primeira linha. As exceções são para pacientes idosos, devido à disfunção barorreflexa e o maior risco de hipertensão e para pacientes de alto risco com PA normal-alta, no qual uma pequena redução da pressão arterial consegue atingir a PA alvo.
Combinação de fármacos |
Com base em diversos estudos, todas as cinco principais classes farmacológicas (inibidor da enzima conversora de angiotensina (iECAs), bloqueador do receptor de angiotensina (BRA), bloqueador do canal de cálcio (BCC), diuréticos tiazídicos e fármacos semelhantes às tiazidas e betabloqueadores (BB)), podem, em princípio, ser combinadas umas com as outras exceto para ECAs e BRAs. No entanto, a ESH recomendou que o tratamento da hipertensão, em caso de necessidade de terapia tripla, por exemplo, seja baseado nas combinações de ECA ou BRA com BCC ou diurético tiazídico. Atualmente, essas combinações estão amplamente disponíveis em uma única pílula e em várias doses, facilitando a prescrição. Além disso, esses fármacos limitam os efeitos adversos potenciais associados à monoterapia com diuréticos ou BCC, ou seja, reduzem o risco de hipocalemia ou a prevalência de edema periférico, respectivamente.
Justificativa para terapia inicial de combinação de medicamentos |
Conforme discutido acima e com ênfase de atingir uma meta de PA < 130/80 mmHg, a grande maioria dos pacientes necessitará de uma terapia combinada. Dentre os argumentos que suportam a combinação de anti-hipertensivos é possível citar:
- A terapia de combinação inicial é invariavelmente mais eficaz na redução da PA do que monoterapia e, de fato, mesmo a terapia de combinação de baixa dose é geralmente mais eficaz do que a monoterapia de dose máxima.
- A combinação dos medicamentos reduz a heterogeneidade da resposta da PA ao tratamento inicial e fornece um efeito dose-resposta mais acentuado.
- A combinação é segura e bem tolerada, com nenhum ou apenas um pequeno aumento no risco de episódios de hipotensão.
- A combinação está associada a uma redução mais rápida da PA em comparação com monoterapia.
- A combinação proporciona uma melhor adesão medicamentosa e de longo prazo ao tratamento.
No entanto, estudos demonstraram que a combinação de dois medicamentos controlará a PA apenas em 60% dos pacientes. Para esses em que a pressão arterial não é controlada, é possível utilizar um tratamento que combine três fármacos diferentes, geralmente bloqueadores do sistema renina-angiotensina (SRA), BCC e diuréticos tiazídicos. Essa combinação pode controlar a PA em até 90% dos pacientes. No entanto, a diretriz não recomendou iniciar o tratamento com uma combinação de três compostos devido ao risco de redução da PA muito rápida, particurlamente em pacientes mais velhos.
Escolha das combinações de medicamentos para início do tratamento |
Refletindo sobre as evidências discutidas acima e reconhecendo a necessidade de evitar ou minimizar os fatores que contribuem ao mal controle da PA, a ESH sugeriu as seguintes recomendações ao tratamento:
- Na maioria dos pacientes, o tratamento deve ser iniciado com uma terapia de combinação de fármacos individuais de duas drogas para melhorar a velocidade, eficiência e previsibilidade do controle da PA.
- Embora várias combinações de dois medicamentos possam ser usadas, as preferenciais devem ser um iECA ou BRA com BCC ou diurético tiazídico.
- O BB pode ser usado em qualquer etapa com qualquer medicamento das outras classes.
- A monoterapia é recomendada para pacientes de risco muito alto com PA normal-alta e para pacientes muito idosos e frágeis. Também pode ser considerada em pacientes de baixo risco com hipertensão estágio 1 cuja PA é modestamente elevada.
- Uma terapia de combinação de fármacos individuais de três fármacos (bloqueador SRA + BCC + diurético tiazídico) deve ser usada se a combinação de duas drogas não atinja o controle da PA (nas doses máximas toleradas) e um BB não é indicado.
- Independentemente da escolha do tratamento inicial, em última análise, a maioria dos pacientes deve estar em tratamento combinado, usando SPC quando possível.
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Figura 1: Estratégia geral para redução da PA em pacientes com hipertensão. Imagem adaptada de Kreutz e colaboradores (2023).