Introdução |
A pele é a principal interface entre o corpo e o meio ambiente, ficando exposta a oxidantes, como a radiação solar, e poluentes ambientais. O espectro solar contém radiação ultravioleta (UV) que sobre a pele possuem efeitos agudos e crônicos. Os primeiros incluem eritema, queimaduras solares e fotoimunossupressão, enquanto os segundos resultam em fotoenvelhecimento e câncer de pele. O uso regular e contínuo de protetor solar é um dos aliados na prevenção de fotodanos e fotodermatoses causadas pela radiação UV.
O Brasil apresenta um dos mais altos índices de radiação UV do mundo, e por este motivo umas das estratégias para reduzir os efeitos adversos do sol, é realizar o uso de filtro solar de amplo espectro, ou seja, que proteja pele contra as radiações UVB e UVA. No país, o filtro solar tópico é uma formulação cosmética aplicada sobre a pele, composta por substâncias que absorvem, dispersam ou refletem a radiação solar. A sua principal finalidade é proteger contra a radiação ultravioleta para minimizar com efetividade os danos causados pela exposição solar. Além disso, outros cosméticos dermatológicos podem oferecer proteção contra a radiação UV como benefício adicional, sendo denominados de produtos multifuncionais.
A prescrição de filtros solares faz parte da rotina dos dermatologistas e pode ser um diferencial para garantir maiores resultados em tratamentos oferecidos, além de prevenir os efeitos agudos e crônicos anteriormente mencionados.
Considerando as questões que impactam na seleção de um filtro solar, Addor e colaboradores (2021) realizaram um estudo para fornecer uma visão geral sobre a relevância da fotoproteção, bem como os desafios na formulação de filtros solares e a importância do rigor na determinação da eficácia do produto.
Efeitos Biológicos da radiação solar na pele |
A exposição balanceada à radiação solar traz benefícios para a saúde em geral, tanto psicológica quanto física. No entanto, também é responsável por diversas reações fotoquímicas e fotobiológicas capazes de causar danos à pele, dependendo do tempo de exposição, localização geográfica e características do indivíduo. Os efeitos a longo prazo desta exposição incluem envelhecimento cutâneo precoce, aumento do risco de carcinoma espinocelular e melanoma.
A curto prazo, a radiação UVB é responsável por queimaduras solares e danos diretos ao DNA, enquanto a UVA resulta em mutações e câncer por meio de mecanismo indireto envolvendo a formação de radicais livres. A UVA penetra na pele de forma mais profunda que a UVB, produzindo espécies reativas de oxigênio que danificam o DNA, os vasos e as fibras colágenas, contribuindo para o desenvolvimento do fotoenvelhecimento. Além disso, também é a principal causa concomitante de fotossensibilização da pele e fototoxicidade.
A pigmentação melânica da pele é determinada por múltiplos fatores, que incluem o número e a atividade metabólica dos melanócitos na camada basal da epiderme. Os melanócitos são células que absorvem a radiação e as transforma em melanina. No entanto, a fotoproteção proporcionada pela melanina não é total, e mesmo em pessoas de pele escura, é possível apresentar danos ao DNA induzidos pela radiação solar, ainda que passíveis de reversão pelos mecanismos de reparo ao DNA celular, reduzindo o risco de transformação maligna. Por outro lado, em indivíduos de pele clara, a melanina nem sempre é suficiente para fornecer proteção eficaz contra a radiação solar, e o dano ao DNA pode exceder a capacidade dos mecanismos de reparo, causando maior risco de transformação maligna.
Recentemente, demonstrou-se que a exposição à luz solar resulta na geração de radicais livres na pele não apenas através da luz visível (LV), mas também da radiação infravermelha. A radiação infravermelha (IV) pode transmitir energia na forma de calor, elevando a temperatura da pele, bem como interagir com os demais comprimentos de onda solares. Ela promove a liberação de mediadores inflamatórios na derme, que induzem a melanogênese, de maneira independente. As radiações IV, UV e LV interagem, e apresentam papel importante no desenvolvimento dos efeitos nocivos da luz solar. LV e IV podem incitar à pigmentação, mesmo na ausência da radiação UV. Alguns estudos demonstraram que a LV pode induzir uma pigmentação da pele mais intensa e duradoura que a radiação UVA. É importante salientar que os efeitos fotobiológicos da LV apenas se estabelecem em doses elevadas de exposição, geralmente oriundas de dispositivos eletrônicos portáteis ou ambientes interno.
Figura 1: Representação esquemática dos efeitos na pele dos diferentes tipos de radiação solar. PPD (do inglês, escurecimento pigmentário persistente). Imagem retirada de Addor e colaboradores (2021).
Hábitos da prática dermatológica |
Segundo dados da Campanha Nacional de Prevenção ao Câncer da Pele da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), no Brasil, estima-se que mais de 60% das pessoa se expõem ao sol sem qualquer tipo de proteção.
Um estudo com 156 dermatologistas foi realizado para determinar a percepção dos médicos sobre a segurança e eficácia dos filtros solares, recomendações de uso aos pacientes e seu próprio hábito pessoal. Os profissionais usaram vários critérios para recomendar o protetor solar ao paciente, incluindo nível de FPS, proteção de amplo espectro, percepção cosmética e fotoestabilidade. Apenas 53% dos entrevistados usavam filtro solar diariamente e 76% o utilizavam somente metade do tempo. Quando perguntados sobre o percentual de pacientes para os quais recomendavam filtro solar, 78,8% responderam que a orientação era feita para mais de 80% dos seus pacientes e 99% acreditam que os mesmos não aplicavam quantidade suficiente de filtro solar.
Benefícios clínicos da fotoproteção diária |
Um estudo conduzido na China com 83 mulheres, de idades entre 35 e 55 anos, avaliou durante seis meses os efeitos das alterações na exposição entre inverno e verão, por meio de fotografias padronizadas, confirmando alterações da pigmentação facial. Essas pareceram diminuídas ou inibidas no grupo que foi orientado a realizar aplicação diária de um filtro solar (FPS 50+/FPUVA 18).
Além disso, outro estudo avaliou 14 sinais clínicos em regiões da face de duas coortes de mulheres francesas (n = 40 e 42), de idades comparáveis com o estudo anterior, entre o inverno e o verão. O grupo controle ficou desprotegido, enquanto o grupo de intervenção aplicou um filtro solar (FPS 50+, FPUVA 21, comprimento de onda crítico = 355 nm), diariamente, durante seis meses, conforme orientação de aplicação recebida. Os pesquisadores avaliaram sinais clínicos agrupados em quatro conjuntos: rugas e textura da pele, ptose e flacidez, distúrbios de pigmentação e distúrbios vasculares. O grupo controle apresentou alterações significativas no verão em relação ao inverno, principalmente em relação a rugas e eritema. Essas alterações induzidas pela mudança de estação pareceram eficientemente reduzidas no grupo fotoprotegido, que apresentou cor da face mais homogênea, menos vermelha e menos opaca. Contudo, o estudo confirmou que a aplicação diária de um filtro solar de amplo espectro diminuiu sinais do fotoenvelhecimento.
Avanços na formulação dos filtros solares |
Os protetores solares contêm filtros ultravioleta (substâncias ou ingredientes capazes de absorver, refletir ou dispersar determinada energia proveniente da radiação solar) que são combinados em uma base para veiculação, homogeneização e estabilização destes ativos. Os filtros UV precisam ser potentes, oferecer amplo espectro de atuação e permanecer com aspecto e funcionalidade inalterados perante exposição à radiação (fotoestabilidade).
Os filtros UV podem ser divididos em inorgânicos (físicos ou minerais) ou orgânicos (químicos). Os primeiros são partículas de origem mineral capazes de refletir ou dispersar a radiação UV e/ou a luz visível incidente, atuando como uma barreira física. Seus principais representantes são o óxido de zinco (ZnO) e o dióxido de titânio (TiO2). Esses filtros apresentam elevada fotoestabilidade, com mínimo potencial de sensibilização e são considerados de amplo espectro. Originalmente, as suas formulações eram mais espessas, esteticamente pouco agradáveis, com coloração opaca esbranquiçada sobre a pele e transferiam para vestimentas. No entanto, com o desenvolvimento de formas micronizadas de dióxido de titânio e óxido de zinco, os filtros inorgânicos obtiveram maior aceitabilidade, pois possibilitaram a formulação de filtros solares que se tornaram transparentes após a aplicação. A combinação com pelo menos um filtro orgânico na formulação tende a tornar a textura mais agradável e fácil de usar, conferindo melhor proteção UVA.
Os filtros orgânicos são moléculas capazes de absorver radiação UV e transformá-la em radiações energéticas com um comprimento de onda maior que o da radiação incidente, inofensivas ao ser humano, seja na faixa da luz visível, seja na faixa da radiação infravermelha (como calor). Eles podem ser divididos em filtros UVA, UVB e de amplo espectro (UVA e UVB). A sua eficácia está diretamente relacionada à fotoestabilidade do sistema filtrante, à solubilidade no veículo e à resistência à água.
- Fotoestabilidade
A fotoestabilidade é um fator crítico durante a avaliação da eficácia do filtro solar para proteger a função barreira da pele. Muitas moléculas perdem sua capacidade de filtragem UV em razão de reações fotoquímicas que ocorrem durante a exposição solar. Além disso, podem gerar subprodutos e compostos intermediários dessas reações que são espécies reativas de oxigênio (EROs), ou outras moléculas citotóxicas que podem sensibilizar e danificar ainda mais a pele. Diversas estratégias são utilizadas para manter o filtro solar eficaz, como combinação de filtros UV que se estabilizam mutuamente contra a fotodegradação; micro e nanoencapsulamento de filtros UV e adição de antioxidantes, como vitamina E ou cafeína.
- Antioxidante
Além de possíveis auxiliares na fotoestabilização dos filtros UV, os antioxidantes tópicos reduzem a produção de EROs, citocinas e expressão de metaloproteinase de matriz do tipo 1 após irradiação por UV e luz visível. Sendo assim, não são considerados filtros solares mas aditivos interessantes para estabilizar e mitigar o efeito oxidativo da radiação UV e até da poluição, protegendo a pele dos danos oxidativos e reduzindo o risco de câncer de pele não melanoma.
- Reparados de DNA
A inclusão de antioxidantes e enzimas de reparo de DNA nos filtros solares tópicos ampliou a abordagem para uma fotoproteção ativa, capaz de aumentar o poder protetor dos filtros solares tradicionais. Embora os mecanismos endógenos de reparo sejam relativamente eficazes, alguns danos persistem e podem se acumular com a exposição crônica.
- Veículos e textura cosmética
O desenvolvimento de um veículo apropriado é de fundamental importância, pois a viscosidade e os agentes emulsificantes influenciam a estabilidade, propriedades sensoriais e tensão superficial dos filtros solares, modulando a distribuição dos filtros UV e a formação do filme uniforme do produto sobre a pele. Atualmente, estão disponíveis nas mais variadas formas, adaptadas inclusive ao clima e hábitos de cada país, como fluidos, cremes, géis e aerogéis, loções, mousses, sprays, séruns etc. Além disso, embora a eficácia da proteção seja uma exigência, a prática clínica demonstra que as texturas com toque e espalhabilidade mais agradáveis têm maior aceitabilidade cosmética e aumentam a adesão do paciente ao uso dos filtros solares.
Publicações recentes reforçam a importância da aplicação uniforme, em quantidade adequada e a reaplicação periódica (a cada 2 horas). Não se deve deixar lacunas sobre a pele quando se espalha o filtro solar e toda área exposta deve ser contemplada. O filme ideal sobre a pele deve ter continuidade, espessura constante e distribuição fina e homogênea dos filtros UV, o que é dificultado pelo fato da pele não ser lisa e plana. Novas tecnologias baseadas em polímeros semicristalinos, por exemplo, estabilizam os filtros na formulação sem o auxílio de surfactantes resultando em um filme com espessura constante, cobertura uniforme e uma distribuição homogênea dos filtros sobre a pele.
Alguns veículos, principalmente pela quantidade em que tendem a ser aplicados, requerem orientação especial dos dermatologistas. Os filtros solares em pós cosméticos não devem substituir os fotoprotetores tópicos tradicionais em razão de sua menor eficácia protetora, mas são ótimas opções para reforçar a proteção UV; incrementar o aspecto visual, reduzindo o brilho da pele, uniformizando cor e textura da pele. Os filtros solares em spray provaram ser tão eficazes quanto às loções quando aplicados corretamente, com aceitação crescente pelos usuários, porém com resultados práticos questionáveis devido à dificuldade de cobrir adequadamente todas as partes expostas, distribuindo o produto uniformemente e na quantidade preconizada.
Segurança individual dos filtros solares |
Atualmente, existe uma preocupação crescente do público com relação aos efeitos nocivos das substâncias químicas nos filtros solares. O efeito adverso mais comum do uso de filtros solares é o risco de fotoalergia, principalmente com os filtros UV orgânicos da classe das benzofenonas que são consideradas filtros UV alergênicos. Até agora, não há dados suficientes para apoiar que os filtros solares causem toxicidade em humanos, porém há necessidade de estudos mais aprofundados.
Filtros solares e hipovitaminose D |
Os benefícios da radiação solar são principalmente relacionados à síntese de vitamina D e a prevenção de doenças como osteoporose, diabetes tipo 1 e câncer de cólon. Teoricamente, os filtros solares que inibem o eritema também deveriam inibir a síntese da vitamina D, o que seria um possível efeito adverso do uso de filtro solar com implicações na saúde pública. No entanto, na prática, podem ser usados para prevenir queimaduras solares e ainda permitirem a síntese de vitamina D.
Um estudo randomizado com 95 adultos saudáveis, conduzido durante o inverno, avaliou a síntese de vitamina D induzida pela exposição solar suberitematogênica de um grupo sob fotoproteção tópica (FPS 30), um grupo exposto ao sol, sem filtro solar e um grupo confinado da exposição solar que realizaram dosagens de 25-OH- vitamina D, antes e 24 horas após a exposição solar. Mesmo utilizando o filtro a exposição solar induziu variação dos níveis de vitamina D, comparável à obtida sem fotoproteção.
Considerações finais |
A proteção solar adequada é fundamental para evitar os danos causados pela radiação UV, como queimaduras solares, discromias, envelhecimento cutâneo e câncer de pele. O uso regular e correto de filtros solares é uma medida essencial para prevenir tais problemas. Os dermatologistas desempenham um papel importante na recomendação de filtros solares, mas é preciso garantir que os pacientes apliquem a quantidade correta e escolham produtos com proteção de amplo espectro, alta FPS e boa percepção cosmética.