Relato de Celina Abud

Silêncio da praia

Uma reflexão sobre o amor e sua deterioração.

Autor/a: Celina Abud

Vinte dias atrás, Mara parou de falar. A sua língua lambe agora a película salgada deixada na boca pela brisa do mar que sopra da praia de Chapadmalal que, como ela, se calou. É uma quinta feira nublada no final de março. Na praia não há famílias visitantes e nem locais, porque o vento convida a estar em casa, com um café ou um chocolate. A paisagem não promete sol colorido. Mara não buscou os cartões postais. Prefere resguardar o silêncio e que o som do vento seja sua canção preferida.

Ela veio caminhando do bairro Santa Isabel e evitou margear a via. Escolheu as ruas de terra que durante anos separaram os terrenos para venda. As pradarias amareladas, secas mas altas, estavam além do abandono. Mara olhou primeiro para elas, depois para as árvores, que cresceram tortas. Ela achava que devido aos fortes ventos eles deviam ter mudado de forma e aquela curva, que poderia ser percebida como um defeito, era a condição para que continuassem vivos, sem quebrar. Lembrou-se do seu silêncio, juntou-o àqueles troncos tortos e continuou seu caminho.

Alguns dias antes, ela havia comprado passagens na web, sem precisar falar nada. Também não foram necessárias mensagens ou telefonemas. Apenas um e-mail para sua amiga Jéssica, de Mar del Plata, de quem pediu a chácara emprestada. “Você já sabe onde escondo as chaves, venha quando quiser”, respondeu.

Agora está na longa praia ao lado dos hotéis. Diante do mar ela se lembra das árvores. Embora sejam expostos, ninguém lhes pede explicações. Pense em como a incapacidade de falar os torna, em algum momento, livres. Ela, por outro lado, teve que guardar seu silêncio. Felizmente, o celular a ajudou. Com uma simples mensagem escrita ele poderia acalmar a ansiedade de seus entes queridos. Que tinha chegado bem; que havia encontrado as chaves; que não estava tão frio. Mara sabia de primeira mão que a ausência total talvez fosse a ferramenta mais eficiente para atrair a atenção. Mais uma vez ela se lembrou de Moby Dick e dos contrastes. Digitando palavras, um pequeno preço para ser inaudível.

Por que falar se a história dela, como consequência direta, iria levá-la às lágrimas? Se tivesse que subir primeiro para fazer barulho e depois quebrar? Fazia sentido apertar o nó no estômago para afirmar algo destinado a ser mal interpretado, apelidado de “exagerado”?

Ela sabe que sua história pode soar repetida aos ouvidos de outras pessoas, porque cada história é mais ou menos parecida com uma outra. A dor, por outro lado, é intransferível. E o silêncio é uma bola que alivia.

Sentada na areia, ela aproxima os joelhos do peito e os abraça. Tente acalmar o aborrecimento interior. Quando menina, diziam-lhe que o amor se sentia no coração, à altura do peito. Já adulta ela sabe que quando um amor vai embora, é mais como um abacaxi no estômago.

Ela fecha os olhos e pensa em Marcos, que havia parado de falar com ela há dois meses. Não houve lutas anteriores, nada que antecipasse o fim. Sua partida abrupta foi como quando a natureza se rebela para devorar tudo, como um terremoto que destrói até o mais sólido dos edifícios. O silêncio de Marcos era ausência, uma dessas ausências que chamam a atenção. Já a de Mara é discreta, até complacente, sem angústias ou preocupações com terceiros. Ela nunca quis que o mutismo escolhido fosse um atributo, mas sim uma ferramenta para evitar explicações, para evitar que aquela sensação no estômago se espalhasse pelos olhos, pela garganta e se tornasse um afogamento que pouco tinha a ver com a água.

A época do ano é perfeita para ficar quieta, mas o lugar também. Com a areia que a contém, pense no majestoso complexo hoteleiro que fica tão perto daquela praia, uns com telhas caídas, outros com vidros partidos. Grandes edifícios que surgiram de grandes expectativas, sólidos o suficiente para manter sua estrutura, mas não imunes à crueldade, ao abandono e, como consequência direta, ao silêncio.

A enorme expectativa de uma mulher queria que o mar fosse para todos, não só para quem pode pagar. Tinha até pensado que o Hotel Cinco da Colônia Chapadmalal seria exclusivo para meninos que viajavam com governantas e assim, por um momento, graças ao murmúrio das ondas, não ouviriam o silêncio estrondoso da ausência dos pais. Aquele hotel também foi sede do Museu Eva Perón, para comemorar o desejo de que as crianças da “bola” não tivessem medo do movimento. E que o burburinho de alegria fazia parte de um postal, também som.

Seus desejos foram concedidos, pelo menos por um tempo. O governo militar cortou o orçamento daquele complexo que, após seu fechamento, acumulou anos de deterioração. Muito mais tarde vieram as tentativas de resgatá-lo. Pouco a pouco, com as reformas que se acrescentam, certos ruídos voltam a se instalar a cada verão.

Mara pensa nessas estruturas. Com um pouco de vergonha, ela as compara ao amor. As diferenças são óbvias, mas os núcleos das histórias são semelhantes: os silêncios que mais machucam são os que vêm depois das grandes expectativas.

O tempo é talvez a única coisa que diferencia um silêncio do outro. Ao mesmo tempo que corrói, mas também cura, consoante as circunstâncias. Se o tempo assim o desejar, o riso voltará ao spa. Também à sua vida.

Começa a escurecer. Mara pega o telefone no bolso da jaqueta para verificar a hora. Ela percebe que o esqueceu em casa. O que ela tinha era um maço de cigarros e um isqueiro que comprou no quiosque do terminal de ônibus e que nunca tirou do casaco. Ela havia parado de fumar há anos, mas um impulso a fez levá-los consigo antes de embarcar na viagem.

Um vento forte sopra na praia. Os pequenos grãos de areia parecem insetos batendo no rosto. Com os olhos semicerrados, Mara sorri. Acha que se conseguir acender um cigarro sem ajuda e nessas condições, pode ser capaz de tudo. Não há lugar em sua mente para Marcos, nem para hotéis, nem para sua dor, nem para nada. Suas intenções se esgotam na tentativa de manter a chama. Ele leva o cigarro à boca e esfrega a pederneira do isqueiro. Ela tenta uma vez e não consegue. Indo por um segundo. Na terceira, o fogo avança até queimar um de seus dedos.

Ai!, ela diz de repente. É sua primeira palavra em vinte dias. Ela ri pela fragilidade do seu silêncio, ou pela força da natureza. Sabe que não será capaz de tudo, mas pelo menos a dor de barriga passou. Ela guardou o cigarro apagado e levou o dedo dolorido à boca. O cruzamento de sensações lembra que tudo pode mudar. Ela se levanta e começa a caminhar em direção à cabana no bairro de Santa Isabel. Lá um chocolate quente esperava por ela.


Autora:

Celina Abud é jornalista de Ciência e Saúde da equipe da IntraMed. Como autora de ficção, publicou o livro de contos Alguém com quem falar e está prevista para este ano a publicação do seu primeiro livro de poesias, La ruta del adiós.