Anemias nutricionais

Epidemiologia da deficiência de ferro

A sua deficiência afeta uma grande proporção da população mundial, especialmente mulheres em idade reprodutiva, crianças e indivíduos que vivem em países de baixa e média renda.

Indice
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2. Referências Bibliográficas

O ferro é essencial à homeostase celular, sendo componente da hemoglobina e mioglobina e possui diversas funções como transporte de oxigênio, síntese de DNA e metabolismo energético. As perdas fisiológicas do ferro podem ser observadas na descamação do epitélio intestinal, no suor e por perdas menstruais.

A sua deficiência afeta uma grande proporção da população mundial, especialmente mulheres em idade reprodutiva, crianças e indivíduos que vivem em países de baixa e média renda.

Para que esta carênciade ferro evolua para anemia, ocorrem três estágios desta deficiência nutricional. No primeiro, há uma depleção dos estoques de ferro, reduzindo a ferritina. No segundo, há redução da saturação da transferrina e do ferro sérico, além do aumento da capacidade total de ligação do ferro. No terceiro, há ocorrência da anemia ferropriva, com a diminuição da transferrina, ferritina, hemoglobina e do tamanho da hemácia.

Apesar do impacto clínico, a deficiência de ferro permanece incerta quanto à epidemiologia. Em todos os estudos que avaliaram a abrangência do problema, a sua deficiência é mais prevalente do que a anemia ferropriva.

Estima-se que a deficiência de ferro tem sua prevalência estimada em 2,0 a 2,5 vezes superior à prevalência de anemia, atingindo aproximadamente quatro bilhões da população mundial (Allen e Gillespie, 2001).

Kassebaum e colaboradores (2014) analisaram a carga global de anemia de 1990 a 2010 e constataram que a prevalência da anemia por deficiência de ferro diminuiu, mas permaneceu significativa. Para as mulheres, a anemia por deficiência de ferro estava presente em quase 20.000 por 100.000 habitantes (aproximadamente uma em cinco). Para ambas as décadas e para praticamente todas as populações (homens, mulheres, diferentes regiões do mundo), a deficiência de ferro foi responsável pela maior proporção de casos de anemia.

No Brasil, André e colaboradores (2018) demonstraram que a prevalência de anemia em crianças reduziu, para cerca de 30%, possivelmente devido aos esforços do Ministério da Saúde. Além disso, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (2013) também indicam redução da anemia em mulheres em idade fértil. Em relação à deficiência de ferro, aqueles cujas amostras são representativas e adequadas, de acordo com recomendações da WHO, indicaram prevalências preocupantes e tendências crescentes em crianças menores de dois anos. Apesar de poder ser evidenciado relevantes quedas nos grupos populacionais mais afetados, as prevalências de anemia persistem na ordem de 20 a 30%, o que classifica o cenário como grave.

Na Inglaterra, KEJ e colaboradores (2020) encontraram taxas mais altas de deficiência de ferro sem anemia, usando níveis de ferritina em 4.451 indivíduos não anêmicos com mais de 50 anos. Destes, 389 (8,7%) apresentavam deficiência de ferro, definida como ferritina <30 ng/mL (<30 mcg/L). A prevalência de deficiência de ferro não anêmica foi maior em mulheres do que em homens (10,9 versus 6,3 por cento). Outras características associadas a uma maior probabilidade de deficiência de ferro não anêmica incluíram consumo de álcool e proteína C reativa elevada. No estudo, pacientes não anêmicos com ferritina baixa tiveram maior mortalidade em comparação com aqueles com ferritina normal.

Embora os fatores desencadeantes da anemia sejam de natureza multicausal, sabe-se que a alimentação inadequada se classifica como sendo o causador principal.

A maior prevalência de deficiência de ferro e anemia por deficiência de ferro em mulheres em idade reprodutiva é atribuída à menstruação e ao parto.

Nas gestantes, a alimentação e a suplementação inadequada são determinantes dessa condição. Durante a gestação, as necessidades de ferro são aumentadas, já que há aumento do volume sanguíneo para o crescimento do feto e da formação de outros tecidos desenvolvidos durante este processo.

Em relação as crianças, o baixo estoque de ferro ao nascer, o consumo alimentar inadequado, o crescimento existente nessa fase e não uso profilático de suplementos de ferro são fatores causais da anemia nesse grupo populacional.

A anemia por deficiência de ferro em idosos também é maior do que a observada na população em geral. Em uma série de 190 adultos na comunidade com mais de 65 anos de idade com anemia, 12% foram devidos à deficiência de ferro.

Disparidades raciais e étnicas na deficiência de ferro também estão presentes. JC e colaboradores (2020) analisaram mais de 60.000 mulheres ≥25 anos nos Estados Unidos encontraram a seguinte prevalência de deficiência de ferro (definida como ferritina <15 ng/mL e saturação de transferrina (TSAT) <10%):

● Hispano-americanos – 5,1%
● Negros americanos – 4,3%
● Americanos asiáticos – 2,1%
● Americanos brancos - 2,0%

Os doadores de sangue normalmente têm estoques de ferro ligeiramente mais baixos do que os não doadores, embora isso raramente se traduza em anemia por deficiência de ferro. Várias séries de doadores de sangue de vários países da América do Norte e da Europa estimaram a taxa de deficiência de ferro subclínica na faixa de 5 a 15 %. Isso levou alguns especialistas a considerar a triagem para deficiência de ferro e/ou recomendar a suplementação de ferro para doadores de sangue.

Para a identificação do diagnóstico da anemia, é feito um hemograma. Contudo, em nível populacional, o instrumento mais utilizado para a análise de uma possível anemia é  através da punção digital.

Os principais sintomas da anemia são palidez, redução do apetite, fadiga, fraqueza, glossite, estomatite, disfagia, palpitação, comprometimento da imunidade e problemas de atenção e memória. Em crianças com até um ano de vida pode resultar em deficiências cognitivas persistentes, com o comprometimento do desenvolvimento motor e cognitivo e na capacidade de aprendizado, além de prejudicar o sistema imune, o crescimento e o desenvolvimento da criança, enfatizando a importância do tratamento e da prevenção dessa condição.

Enquanto a anemia afetou 1,93 bilhões de pessoas em 2013, causando 61,5 milhões de perdas de anos de vida produtiva devido a incapacidades e doenças, a deficiência de ferro está entre as dez principais causas de morte atribuídas a fatores de risco evitáveis, sendo passível de prevenção e tratamento. Sendo assim, medidas populacionais que garantam a adequação e diversidade da dieta, a fortificação de ferro, a suplementação oral do nutriente em caso de necessidade e em gestantes, a alta ingestão de frutas, o aumento do consumo de alimentos ricos em ferro, a diminuição da ingestão de alimentos ultra processados e do consumo de alimentos contendo inibidores da absorção de ferro, colaborariam para a redução da prevalência da anemia ferropriva e diversas outras deficiências nutricionais, promovendo a diminuição dos gastos com medidas terapêuticas no setor público e privado e seus gastos consequentes.