Uma história excepcional e enormemente esperançosa. Uma mulher com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) conseguiu mantê-lo sob controle por mais de quinze anos, quando teve que se submeter a tratamento após uma doença grave causada pelo vírus. A paciente tem controle absoluto da AIDS e, sem tomar remédios desde então, tem uma carga viral indetectável, portanto também não pode transmiti-la sexualmente. Devido às importantes conclusões que seu caso desencadeou, eles a batizaram como a paciente de Barcelona e falam de um caso único no mundo da "cura funcional".
Ela não seguiu o padrão mais comum diante dessa infecção, de necessitar de terapia antirretroviral para que o HIV não se reative. Há 15 anos foi diagnosticada na fase de infecção aguda – com um quadro que incluía herpes e candidíase, entre outros efeitos – e entrou em um ensaio clínico liderado pelo Hospital Clínic de Barcelona que incluiu tratamento antirretroviral por nove meses e várias intervenções com uma droga imunomoduladora.
Para o tratamento inicial, também foi administrada ciclosporina A, um imunossupressor, por oito semanas. O acompanhamento que vem sendo feito desde então pela Clínic-IDIBAPS confirmou que o vírus é viável, já que foi demonstrado em laboratório que pode causar novas infecções. Os pesquisadores destacam, entre outros aspectos, o longo tempo que se passou, quinze anos, sem um ressurgimento do vírus e que após os inúmeros controles no paciente eles viram "uma queda pronunciada e progressiva" na presença do vírus em seu reservatório.
O trabalho, que se materializará em um artigo que ainda está sendo elaborado, conseguiu esclarecer os mecanismos pelos quais certas pessoas podem controlar o vírus após o tratamento antirretroviral.
O acompanhamento minucioso, com várias culturas in vitro, também trouxe à tona que as células da paciente eram altamente resistentes à infecção pelo vírus, o que sugeria que sua população sanguínea poderia atuar como um bloqueador da infecção e, assim, atuar no controle do HIV. Assim, um ensaio de inibição viral indicou que dois tipos de linfócitos retardaram sua expansão. São, especificamente, as células conhecidas como 'natural killer', que fazem parte do sistema imunológico inato e são a primeira linha de defesa contra diferentes patógenos, e os linfócitos T CD8+, cruciais no combate a vírus e bactérias.
“A paciente tem níveis muito elevados dessas duas células que podem estar bloqueando o vírus ou destruindo as células infectadas, conseguindo assim um cuidado funcional”, afirma Núria Climent, pesquisadora do grupo de infecção por AIDS e HIV do IDIBAPS e palestrante do congresso, que destaca que parte de sua descoberta é que eles conseguiram caracterizar essas células. Além disso, a cura funcional é um objetivo muito mais realista do que a cura esterilizante. "Por isso é tão importante entender os mecanismos subjacentes", acrescenta Juan Ambrosioni, médico da Clínica que acompanha o paciente.
"Com as ferramentas atuais não podemos controlar a AIDS, mas agora vimos as enormes vantagens de poder controlar uma paciente com base em suas capacidades imunológicas."
Os promotores do estudo salientam que “o caso é excecional, não só porque foram poucas as pessoas com controlo pós-tratamento a longo prazo, mas também pelo mecanismo de controlo do HIV, diferente dos descritos até agora”, diz Josep Mallolas , chefe da Unidade de HIV da Clínica, que destacou que "com as atuais ferramentas não podemos controlar a AIDS, mas agora vimos as enormes vantagens de poder controlar um paciente com base em suas capacidades imunológicas".
Entender melhor qual mecanismo permite esse controle da doença, como e de que forma a base genética da mulher pode influenciar ou o desenvolvimento de novos medicamentos para combater o HIV ou tratamentos para aumentar a atividade das células identificadas nessa resposta inata são apenas alguns dos exemplos desses novos caminhos. "Este é apenas um ponto de partida", diz Mallolas.