A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória crônica desmielinizante do sistema nervoso central de etiologia ainda desconhecida. Uma possibilidade é que seja desencadeada por uma infecção viral. Entre os supostos agentes causais, o principal candidato é o vírus Epstein-Barr (VEB), um herpesvírus humano que após a infecção persiste em forma latente nos linfócitos B do hospedeiro. O papel causal do vírus é apoiado pelo risco aumentado de EM após mononucleose infecciosa, títulos elevados de anticorpos séricos contra antígenos nucleares de VEB (EBNAs) e pela presença do herpesvírus em lesões desmielinizadas de EM relatadas em alguns estudos patológicos. A evidência de causalidade, no entanto, permanece inconclusiva.
Para explorar essa ligação, uma equipe de pesquisadores estudou mais de 10 milhões de militares americanos ativos entre 1993 e 2013. O Dr. Alberto Ascherio da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard liderou o estudo. Os resultados foram publicados na revista Science.
Para testar a hipótese que o VEB possa ser um fator de risco causal para a EM, Bjornevik e colaboradores (2022) identificaram indivíduos que nunca foram expostos ao vírus, rastrearam se a pessoa havia se infectado ou não ao longo do tempo e viram se a chance de desenvolver a doença neurológica aumentou após a exposição. No entanto, como grande parte da população já tinha sido infectada, eles analisaram um conjunto de dados de cerca de 10 milhões de militares americanos por mais de 20 anos.
O Departamento de Defesa dos EUA mantém um repositório de amostras de soro coletadas de soldados. No início de seu serviço, e aproximadamente a cada dois anos, os militares fornecem o soro para triagem de HIV, e o que sobra é colocado no repositório.
Os pesquisadores utilizaram esses dados para investigar a potencial ligação entre o status de VEB e o início da esclerose múltipla. Identificaram 801 indivíduos que desenvolveram a enfermidade inflamatória crônica durante o período de estudo e que forneceram, no mínimo, três amostras de soro antes do diagnóstico. Os pesquisadores descobriram que 35 desses haviam testado negativo para anticorpos específicos do VEB em sua amostragem inicial, mas com o tempo, todos, exceto uma pessoa foram expostas ao vírus. Assim, 800 de 801 pegaram o vírus antes de desenvolver a esclerose múltipla.
Bjornevik e colaboradores (2022) descobriram que o risco de desenvolver esclerose múltipla aumentou 32 vezes após a infecção pelo vírus Epstein-Barr.
Além disso, os pesquisadores realizaram diversos testes para verificar se algum outro vírus, como citomegalovírus, compartilhou uma relação com a doença, no entanto, o Epstein-Barr foi o único que se destacou.
Ademais, a equipe observou que no soro daqueles que desenvolveram a doença, sinais de danos neurológicos foram detectados após a exposição ao vírus, mas antes do diagnóstico da esclerose múltipla. Na doença, o sistema imunológico ataca erroneamente a mielina, prejudicando sua função. As alterações proteicas apareceram até seis anos antes do início da esclerose múltipla. Com isso, Bjornevik e colaboradores (2022) procuraram indícios de sinais de lesão, com uma proteína chamada de neurofilamentos de cadeias leves, cujas concentrações sanguíneas aumentam após danos às células. Essa aumentou no soro daqueles que desenvolveram esclerose múltipla, mas somente depois que foram expostos ao VEB.
Além disso, um estudo liderado por Lanz e colaboradores (2022) provou que o vírus Epstein-Barr desencadeou a esclerose múltipla ao preparar o sistema imunológico para atacar o próprio sistema nervoso do corpo.
Para examinar a ligação, os pesquisadores examinaram os anticorpos produzidos pelas células imunes no sangue e no fluido espinhal de nove pacientes com esclerose múltipla. Ao contrário de indivíduos saudáveis, as células imunes de pacientes com a doença neurológica trafegam para o cérebro e a medula espinhal, onde produzem grandes quantidades de alguns tipos de anticorpos. Padrões dessas proteínas de anticorpos, chamadas de bandas oligoclonais, foram encontrados durante a análise do líquido cefalorraquidiano e fizeram parte dos critérios diagnósticos para EM.
Após os pesquisadores determinarem que as bandas oligoclonais na EM são produzidas pelas células B do líquido espinhal, eles expressaram os anticorpos individualmente e os testaram quanto à reatividade contra centenas de antígenos diferentes, incluindo o do EBV.
No total, seis dos nove pacientes com EM tinham anticorpos que se ligavam a uma proteína do EBV, a EBNA1, e oito dos nove tinham anticorpos para algum fragmento de EBNA1.
Em seguida, os pesquisadores testaram o mesmo anticorpo em um microarray contendo mais de 16.000 proteínas humanas. Descobriram que o anticorpo também se ligava ao GlialCAM, uma proteína da bainha de mielina, e assim souberam que haviam encontrado o mecanismo pelo qual a infecção EBV poderia desencadear a esclerose múltipla.
Parte da proteína EBV imita a GlicalCAM. Isso significa que, quando o sistema imunológico ataca o VEB para eliminar o vírus, ele acaba atacando também a GlicalCAM na mielina.
Para descobrir qual porcentagem de EM pode ser causada por esse chamado “mimetismo molecular” entre EBNA1 e GlialCAM, os pesquisadores analisaram uma amostra mais ampla de pacientes com a doença e encontraram reatividade elevada à proteína EBNA1 e GlialCAM em 20% a 25% de amostras de sangue.
Talvez o aspecto mais emocionante dessas descobertas seja seu potencial para criar novos caminhos para o tratamento clínico da esclerose múltipla, como a criação de uma vacina contra o EBV.