Prática clínica

Rinossinusite bacteriana aguda

Definida pela presença de pelo menos três dos seguintes sintomas: secreção nasal mucopurulenta, dor local intensa, febre > 38C, aumento do PCR/velocidade de hemosedimentação e dupla piora.

A rinossinusite bacteriana aguda (RSAB) é definida pela presença de pelo menos três sintomas: secreção nasal mucopurulenta, dor local intensa, febre > 38oC, aumento do PCR/velocidade de hemosedimentação e dupla piora.

A sua taxa de incidência é descrita como 0,5-2% de todas as infecções virais.

Figura 1: Definição de rinossinusite aguda. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

Patogênese

A RSAB é uma complicação incomum das infecções virais do trato respiratório superior que pode causar danos às mucosas e superinfecção bacteriana. Danos ou interrupção da função mucociliar é provavelmente uma das principais causas da infecção bacteriana. As infecções bacterianas e fúngicas são normalmente acompanhadas por infecções virais, como observado no resfriado comum.

Streptococcus pneumoniae, Hemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis são as bactérias mais frequentes na RSAB. A infecção por rinovírus-1b pode promover a internalização do Staphylococcus aureus em pneumócitos cultivados não totalmente permissivos, com um mecanismo que envolve a liberação de IL-6 e IL-8 e a superexpressão de ICAM-1. A infecção por rinovírus também promove a expressão de moléculas de adesão celular e a adesão bacteriana às células epiteliais respiratórias humanas primárias.

Além disso, nas células epiteliais nasais (NECs) infectadas por vírus da nasofaringe, a expressão de TNF-α foi aumentada pela infecção por Aspergillus. A infecção viral da mucosa nasal pode desencadear uma cascata inflamatória que se acredita ser responsável pelos sintomas do resfriado, mas também formar a base da defesa imunológica. O processo de eliminação do vírus gera células epiteliais e infiltrativas mortas que contribuem para a patologia da RSA.

Figura 2: O epitélio nasal é a principal porta de entrada para vírus respiratórios, bem como um componente ativo das respostas iniciais do hospedeiro contra a infecção viral. A cascata de inflamação iniciada pelas células epiteliais nasais levará a danos pelas células infiltrantes, causando edema, ingurgitamento, extravasamento de fluidos, produção de muco e obstrução sinusal no processo, levando eventualmente a RSA pós-viral ou mesmo RSAB. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

Avaliação dos sintomas

Em relação a RSA, é impossível diferenciar uma infecção bacteriana e não bacteriana antes dos 5 dias de sintomas, todavia, a possibilidade aumenta se houver piora dos sintomas neste período. A purulência da secreção nasal tem sido recomendada como critério diagnóstico para RSAB. Porém, a razão de verossimilhança positiva para secreção nasal como sintoma e no exame físico, não supõe a utilização da secreção como identificador da origem bacteriana. A presença de dor de dente na mandíbula superior tem uma razão de probabilidade positiva para a presença da rinossinusite bacteriana aguda de 2,0 que classifica esse como um dos maiores preditores.

Figura 3: Fatores predisponentes para rinossinusite aguda bacteriana. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

Regras clínicas para a previsão de doenças bacterianas

Vários estudos tentaram fornecer aos médicos combinações de sintomas e sinais que predizem doenças mais graves, particularmente uma infecção bacteriana e a probabilidade de uma resposta aos antibióticos. Existem controvérsias no uso do nível aéreo ou opacificiação total na tomografia computadorizada para identificar pacientes que necessitem de antibióticos. No entanto, a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) recomendou utilizar os critérios de pelo menos três de cinco sintomas: secreção nasal mucopurulenta, dor local intensa, febre > 38oC, aumento do PCR/velocidade de hemosedimentação e dupla piora.

Exame clínico
  • Rinoplastia anterior: embora seja por si só uma investigação muito limitada, ela deve ser realizada no contexto de atenção primária pois pode revelar achados de apoio, como inflamação nasal, edema da mucosa e secreção nasal purulenta, e às vezes pode revelar achados previamente insuspeitados, como pólipos ou anormalidades anatômicas.
  • Temperatura: a presença de febre> 38° C indica a presença de uma doença mais grave e a possível necessidade de tratamento mais ativo. Está associada à presença de uma cultura bacteriológica positiva, predominantemente S. pneumoniae e H. influenzae, obtida por aspiração e lavagem sinusal.
  • Proteína C reativa (PCR): O uso de kits de teste de ensaio rápido na infecção do trato respiratório auxilia a detecção de infecção bacteriana, e assim, limita o uso desnecessário de antibiótico. Um PCR baixo ou normal pode identificar pacientes com baixa probabilidade de infecção bacteriana.
  • Procalcitonina: é defendida como um potencial biomarcador hematológico indicando infecção bacteriana mais grave e investigada como uma ferramenta para orientar a prescrição de antibióticos em infecções do trato respiratório na comunidade.
  • Velocidade de hemossedimentação (VHS) e viscosidade plasmática: são marcadores de inflamação que estão elevados na RSAB e podem refletir a gravidade da doença e indicar a necessidade de tratamento mais agressivo, semelhante à PCR.
Tratamento

A rinossinusite bacteriana é muito diagnosticada com o uso de ferramentas diagnósticas e até 60% dos médicos receitam antibióticos no primeiro dia de sintomas. No entanto, a administração precoce desses parece ter pouca ou nenhuma influência no desenvolvimento de complicações da RSA. Devido à má seleção de pacientes para receber antibióticos, existe um aumento do indesejado risco de resistência a esses. É necessário avaliar a eficácia dos antibióticos entre os pacientes que preenchem os critérios para o RSAB.

Figura 4: Algoritmo de atendimento integrado da RSA. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

Tratamento para adultos com rinossinusite bacteriana aguda
  • Antibióticos: são eficazes em um grupo seleto de pacientes com sintomas e sinais sugestivos de RSAB. A partir dos dados limitados disponíveis, parece que especialmente a amoxicilina/penicilina é eficaz e a moxifloxacina não é no tratamento. A eficácia dos beta-lactâmicos é evidente no terceiro dia, em que os pacientes já experimentam melhora dos sintomas e continuam a ter um número maior de curas após a conclusão do tratamento. No entanto, é necessária uma seleção cuidadosa de pacientes para aqueles com RSAB para evitar o uso desnecessário de antibióticos e efeitos colaterais. Os estudos estão resumidos na tabela abaixo:


Tabela 1: Antibiótico vs. Placebo na Rinossinusite Aguda Pós-viral. CT: tomografia computadorizada; ERDCPC: estudo randomizado duplo cego placebo controlado; a: anos; CG: clínico geral; SNFM: spray nasal de furoato de mometasona; SNOT-16: questionário Sino nasal Outcome Test 16; ITRS: infecção do trato respiratório superior; EVA: escala visual analógica. (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

  • Anti-histamíninos: estudos que avaliam essa classe medicamentosa em pacientes com RSAB e mostraram que não fazem efeito, com isso, a EPOS2020 não pode aconselhar sobre a sua utilização.
  • Irrigação nasal com soro fisiológico: um estudo comparou o spray nasal salino hipertônico, spray nasal salino isotônico e nenhum tratamento, além de antibióticos, não encontrou diferença entre os grupos. Com base na baixa qualidade das evidências, nenhum conselho pode ser dado sobre o uso de irrigação salina nasal
  • Hialuronato de sódio: Um estudo avaliou o hialuronato de sódio comparando ao placebo em uma ampola nebulizadora para lavagem nasal, além de levofloxacina e prednisona e mostrou significativamente menos sintomas e melhor limiar de olfato no grupo de hialuronato de sódio. Com base na baixa qualidade das evidências, nenhum conselho pode ser dado sobre o uso de hialuronato de sódio.
Tratamento para crianças com rinossinusite bacteriana aguda
  • Antibióticos: Dados sobre seus efeitos na cura/melhora dos sintomas na RSAB em crianças são escassos. Existem apenas dois estudos com números limitados que não mostram uma diferença significativa em relação ao placebo, mas mostram uma porcentagem significativamente maior de eventos adversos. São necessários ensaios maiores para explicar a diferença entre os estudos nos quais os antibióticos na RSAB demonstraram ser eficazes. Os estudos estão resumidos na tabela abaixo:

Tabela 2: Estudos clínicos randomizados duplo cego placebo-controlados para antibióticos em crianças com presumida RSAB. RSAB: rinossinusite aguda bacteriana; ERDCPC: estudo randomizado duplo cego placebo controlado; PRQOL: questionário de qualidade de vida relatado pelo paciente; TNSS: escore de sintomas nasais totais.(Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

Métodos que podem alterar a prescrição inadequada de antibióticos

A resistência aos antibióticos é um grande problema de saúde pública e uma das maiores dificuldades é a prescrição indevida de antibióticos, como, por exemplo, em pacientes com infeções comuns do trato respiratório. Em um estudo no Reino Unido, 88% das consultas para rinossinusite resultaram em prescrição de um antibiótico, sendo que os especialistas consideraram a prescrição adequada apenas para 11%.

Figura 5: Consumo de antibióticos para uso geral na comunidade por grupo de antibióticos em 30 países europeus, 2013 (expresso em DDD por 1000 habitantes por dia). (Imagem adaptada de Fokkens et al., 2020)

Vários estudos avaliaram medidas que poderiam diminuir a prescrição inadequada de antibióticos para rinossinusite aguda. A maioria enfatizou o treinamento adequado das habilidades de comunicação do médico sobre o uso de antibióticos, responsabilidade na justificativa e comparação entre pares e o treinamento para saber diagnosticar adequadamente RSA e a RSAB.

Complicações da rinossinusite aguda bacteriana

As complicações referem-se a condições clínicas periorbitárias, endocranianas e ósseas, condições incomuns, porém potencialmente fatais.

As complicações periorbitárias incluem celulite pré-septal, celulite orbital e abscessos subperiosteal e intraorbitário; diagnóstico e tratamento rápidos (incluindo antibióticos intravenosos e/ou drenagem cirúrgica) são essenciais para evitar morbimortalidade a longo prazo.

As complicações endocranianas incluem empiema epidural, empiema subdural, abscesso cerebral, meningite, encefalite, e tromboses do seio sagital superior e cavernoso. Estes podem apresentar sinais e sintomas inespecíficos e o diagnóstico requer alta suspeita clínica dos médicos, principalmente em crianças.

As complicações ósseas resultam de osteomielite e podem se apresentar como abscesso ósseo frontal subperiosteal (tumor edematoso de Pott) ou fístula frontocutânea. A quantidade e a qualidade dos estudos de alta qualidade são restritas, em parte devido à frequência e à característica de emergência de muitos dos problemas.