A inteligência artificial (IA) e o aprendizado de máquina (em inglês, machine learning [ML]) estão prontos para transformar a forma como os serviços de saúde são prestados. A IA é o uso de computadores para simular tarefas inteligentes normalmente realizadas por humanos. O ML é um domínio da inteligência artificial que envolve computadores aprendendo automaticamente com dados sem programação a priori. Embora a IA tenha sido criticada como estando em seu “ciclo de hype”, é provável que todas as especialidades médicas sejam influenciadas e/ou transformadas por ela.1 À medida que assume um papel maior na prática clínica, fica claro que são necessários vários níveis de supervisão. No entanto, mesmo com supervisão externa apropriada, a importância da revisão clínica e dados de confiança dessas tecnologias não podem ser exagerados.
Bem-vindo ao ceticismo, evite o cinismo |
Numerosos pesquisadores estudam sobre as promessas e os perigos da IA na saúde, com a mídia contribuindo para o seu hype, incluindo a previsão de que certas especialidades serão substituídas por máquinas, como radiologistas.2 Como todas as novas tecnologias introduzidas na prática clínica, o ceticismo sobre a IA é apropriado enquanto se espera evidências rigorosas nos ambientes clínicos.
A inteligência artificial não foi a primeira tecnologia que prometeu cuidados de saúde mais eficientes e eficazes. Algumas lições podem ser extraídas da introdução anterior de registros eletrônicos de saúde (EHRs, sua sigla em inglês).
Impulsionados por incentivos federais, entre 2008 e 2017, os EUA passaram de menos 10% de seus hospitais com um EHR em funcionamento para menos de 10% sem sistemas de registro eletrônico.
Os EHRs cumpriram algumas promessas (por exemplo, maior segurança do paciente, particularmente em relação ao uso de medicamentos), mas surgiram preocupações sobre os seus efeitos no bem-estar clínico, na satisfação profissional e na relação médico-paciente.3 Enquanto as consequências imprevistas são de natureza multifatorial, um tema recorrente tem sido a falha em considerar cuidadosamente o efeito dos EHRs nos usuários finais. Além disso, postulou-se que a falta de envolvimento precoce dos médicos da linha de frente afetou negativamente a implementação dos registros eletrônicos.
Uma década após a transformação dos cuidados de saúde de um sistema de registro baseado em papel e caneta para um EHR, a IA representa a entrada em uma nova era de tecnologia que pode mudar a prática. Bilhões de dólares estão sendo investidos na inteligência artificial, com centenas de startups sendo fundadas e os gigantes digitais (como Apple, Microsoft, Google e Amazon) estão investindo pesadamente.
No entanto, para a implementação bem-sucedida da IA, é necessário educar a equipe médica com as habilidades, recursos e suporte necessários para usar tecnologias. Para fazer isso, os médicos precisam ter uma compreensão realista dos possíveis usos e limitações das ferramentas. Negligenciar esse fato traz o risco de cinismo clínico e resultados abaixo do ideal do paciente.
Verdade e transpârencia |
Embora a adoção do EHR tenha sido impulsionada por mandatos e incentivos federais, um cenário semelhante para a IA é improvável.
É mais provável que sua adoção seja regida por considerações tradicionais de retorno sobre o investimento. No entanto, essas considerações não significam necessariamente que o governo não terá um papel: potenciais questões regulatórias, responsabilidade legal e preconceitos sociais moldarão a adoção da IA, e os formuladores de políticas também provavelmente se envolverão com esses assuntos. Por exemplo, dadas as implicações potenciais de longo alcance e o potencial de danos em larga escala causados pela inteligência artificial, são necessárias diretrizes, políticas e leis nos níveis internacional, federal e estadual.
Apesar das evidências (relativamente fracas) que apoiam o uso de IA em ambientes de saúde de prática clínica de rotina, as tecnologias continuam a ser comercializadas e implantadas. Um exemplo recente é o Epic Sepsis Model, um modelo de previsão de sepse. Embora esse tenha sido amplamente implementado em centenas de hospitais dos EUA, um estudo recente mostrou que ele teve um desempenho significativamente pior na identificação correta de pacientes com sepse em comparação com o desempenho observado durante os cuidados usuais.5
Estudos como este destacam a necessidade de padrões rigorosos de relatórios e revisão de produtos de IA. É necessário um processo de aprovação federal robusto, como o usado para produtos farmacêuticos. No nível institucional, um processo análogo à certificação Clinical Laboratory Improvement Amendments para estudos de laboratório pode ajudar a garantir que não apenas os critérios para adoção e implementação de algoritmos sejam rigorosos, mas também que ocorram avaliações contínuas de sua aplicabilidade e precisão.
No entanto, falta consenso quanto às informações necessárias para tomar decisões de implementação clínica. Portanto, é necessário desenvolver diretrizes e estudos para avaliar a utilidade das tecnologias de IA. Na ausência desses, a confiança do clínico e o uso apropriado das ferramentas serão prejudicados.
Tomada de decisão compartilhada |
À medida que as previsões e algoritmos baseados em IA continuam a informar decisões médicas, pacientes e médicos devem repensar a tomada de decisão compartilhada, pois as decisões envolverão um novo membro da equipe - um algoritmo derivado de IA. Em última análise, os médicos terão grande parte da responsabilidade de intermediar com sucesso o relacionamento triádico entre os pacientes, o computador e eles mesmos. Precisarão explicar o papel que a IA tem em seu raciocínio e recomendações. Com o tempo, essa relação provavelmente mudará, com a possibilidade de algumas decisões serem tomadas diretamente pelos pacientes e familiares com base nas
Conclusão |
A inteligência artificial logo se tornará onipresente nos cuidados de saúde. Com base na história da medicina, será essencial considerar o papel principal dos médicos como usuários finais de algoritmos, processos e preditores de risco desenvolvidos pela IA. É imperativo que os clínicos tenham o conhecimento e as habilidades para avaliar e determinar a sua apropriada aplicação na prática. Em vez de serem substituídos pela IA, essas novas tecnologias criarão novos papéis e responsabilidades para os médicos.