Novas técnicas de diagnóstico

A relação da função endotelial e rigidez arterial com lesão subclínica de órgãos-alvo na hipertensão

A velocidade da onda de pulso braquial-tornozelo e a dilatação mediada por fluxo da árteria branquial pode melhorar ligeiramente a discriminação da lesão dos órgãos-alvos

Introdução

A lesão de órgão-alvo (LOA) subclínica induzida por hipertensão é o principal fator de risco para doenças cardiovasculares (DCV) e mortalidade. A disfunção endotelial (DE) e a rigidez arterial (RA), preditores independentes de hipertensão, aumentam com as alterações fisiológicas relacionadas à idade. Ao mesmo tempo, a prevalência de LOA aumenta drasticamente com níveis de pressão arterial (PA) não controlados.

Tanto a DE quanto a RA contribuem para o endurecimento fisiológico do sistema arterial e são marcadores substitutos para função e estrutura vascular prejudicadas. Um método para avaliar a rigidez arterial sistêmica é a velocidade da onda de pulso braquial-tornozelo (VOPBT). A disfunção endotelial, associada a aterogênese, complicações aterotrombóticas e danos subclínicos de órgãos, é determinada usando a dilatação mediada por fluxo da árteria braquial (DFAB).

Embora a DF e a RA aumentem com a pressão alta de forma síncrona, a correlação entre ambos com a lesão de órgão-alvo foi controversa em estudos anteriores. Não se sabe se a disfunção endotelial e a rigidez arterial amplificariam o risco de LOA na população hipertensa. Com isso, o estudo de Sun e colaboradores (2022) teve como objetivo explorar se a VOPBT e a DFAB ou a interação de ambos os parâmetros estão associados a índices subclínicos da LOA em pacientes com hipertensão.

Métodos

Um total de 4.618 pacientes foram inscritos de janeiro de 2015 a outubro de 2020. VOPBT e DFAB foram medidos para avaliar a rigidez arterial e disfunção endotelial. Já a hipertrofia ventricular esquerda (HVE), a relação albumina-creatinina na urina (RACU) e a espessura íntima-média da carótida (EIMC) foram obtidas como indicadores de LOA.

Dados demográficos e clínicos, incluindo idade, sexo, tabagismo atual, diabetes mellitus, doença cardiovascular, uso de medicamentos anti-hipertensivos, hipoglicemiantes e estatinas foram recuperados do registro eletrônico de dados do First Affiliated Hospital of Dalian Medical University. Parâmetros bioquímicos, incluindo colesterol total (CT), triglicerídeos (TG), colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL), colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-C), proteína C reativa de hipersensibilidade (hs-PCR) também foram obtidos.

Resultados

Na análise de regressão logística multivariada com potenciais confundidores, quartis mais altos de VOPTB e DFAB foram significativamente associados a um risco aumentado de LOA. Em pacientes com menos de 65 anos de idade, a razão de chances (RC) de HVE, RACU e EIMC ≥ 9mm para o quarto versus o primeiro quartil de VOPBT foi de 1,765 (1,390–2,240), 2,832 (2,014–3,813) e 3,075 (2,315–4,084), respectivamente.

Na análise de interação, um aumento na VOPBT demonstrou um risco progressivamente maior de lesão dos órgãos-alvos nos quartis da DFAB. Além disso, os riscos absolutos estimados de HVE, RACU e EIMC ≥ 9mm para o primeiro ao quarto quartil de VOPBT aumentaram de 1,88 para 2,75, 2,35 para 4,44 e 3,10 para 6,10, respectivamente, em pacientes agrupados por quartis de DFAB. A adição de VOPBT à DFAB melhorou ligeiramente a previsão de risco para LOA.

Discussão

Vários estudos relataram que a VOPBT foi associada à morbidade e mortalidade cardiovascular, bem como a vários fatores de risco cardiovascular. Além disso, a rigidez arterial pode estar envolvida em um ciclo vicioso com o desenvolvimento/progressão da hipertensão, doença renal crônica e diabetes mellitus, sugerindo que o VOPBT alto e a DAFB baixa não são apenas considerados fatores de risco para hipertensão, mas também consequências dos danos que a hipertensão causa nos vasos e no coração.

Sun e colaboradores (2022) demonstraram o aumento do risco de lesão de órgãos-alvos nos quartis mais altos de velocidade da onda de pulso branquial-tornozelo e dilatação mediada por fluxo de artéria (VOPTB ≥1683cm/s, DFAB ≤2,8% em < 65 anos de idade, respectivamente). Essa associação permaneceu consistente mesmo após o ajuste multivariado para os potenciais fatores de confusão, sugerindo que a avaliação do estado vascular não é inferior à estratégia de controle das complicações relacionadas à hipertensão. Assim, os resultados forneceram insights sobre a importância da medição dos parâmetros VOPBT e DAFB para prever a lesão dos órgãos-alvos que pode levar a um aumento da carga de DCV e mortalidade associadas à hipertensão.

VOPBT é um marcador de rigidez arterial e tem sido utilizado para avaliação da função vascular. Além disso, a velocidade da onda de pulso branquial-tornozelo e lesão de órgãos-alvos são conhecidos por serem preditores independentes de futuros eventos cardiovasculares. De acordo com o estudo, a VOPBT foi independentemente associada a um risco aumentado de HVE. Mecanicamente, a velocidade da onda de pulso reflete a elasticidade arterial segmentar e a contração do ventrículo esquerdo. Evidentemente, um aumento na rigidez arterial/VOPTB está associado a um aumento na velocidade de propagação dessa onda de pulso, o que poderia contribuir para uma maior magnitude do fluxo sanguíneo de volta da artéria periférica para a artéria aorta durante o final da sístole. Essas alterações na circulação sanguínea podem agravar a pós-carga ventricular esquerda e, eventualmente, podem levar à HVE.

Recentemente, vários estudos recomendaram a RACU como preditor de lesão de órgão-alvo em pacientes com hipertensão. No entanto, o estudo de Sun e colaboradores (2022) foi o primeiro a avaliar a associação entre velocidade da onda de pulso branquial-tornozelo, dilatação medida por fluxo de artéria e lesão de órgão-alvo, e descobriram que VOPTB e DAFB elevados estavam independentemente ligados a indicadores LOA, incluindo RACU em pacientes com hipertensão de meia-idade. Além disso, as análises mostraram que pacientes em quartis mais altos da velocidade da onda de pulso branquial-tornozelo agrupados pelos quartis da dilatação medida por fluxo de artéria refletiram RACU proeminente.

Evidências anteriores estabeleceram que a rigidez arterial elevada estava associada a estágios iniciais da doença renal crônica (DRC) e a calcificação vascular relacionada à DRC avançada. Várias razões podem explicar a relação observada entre disfunção endotelial (DE), indicadores de RA e RACU. A hipertensão é um componente da síndrome metabólica, e a DE tem sido relatada como um evento patogênico precoce na síndrome metabólica. Estudos relataram que o estado da síndrome metabólica persistente agravava a progressão da rigidez arterial. Outra possível ligação foi através da resistência renal. Estudos anteriores relataram que a microalbuminúria e a RA estão relacionadas ao índice resistivo. Além disso, a DE induzida pela inflamação crônica aumenta a progressão para aterosclerose e agrava a permeabilidade da membrana basal capilar do glomérulo, que pode levar ao vazamento de albumina da membrana basal e pode causar o aparecimento de RACU.

Rigidez arterial e aterosclerose frequentemente coexistem nos mesmos territórios vasculares e compartilham fatores de risco semelhantes. A presença de aterosclerose diminui a complacência dos vasos sanguíneos, levando ao enrijecimento das artérias. Sun e colaboradores (2022) encontraram que VOPTB e DFAB foram positivamente associados à EIMC ≥ 9mm. Isso pode ser explicado pelo fato de que a RA pode estar relacionada à aterosclerose por meio de disfunção endotelial, força mecânica na parede interna dos vasos sanguíneos, distúrbio da matriz extracelular, permeabilidade endotelial elevada e envelhecimento vascular.

Os valores elevados de VOPTB foram significativamente associados ao risco de LOA em participantes com menos de 65 anos de idade, no entanto essa associação foi enfraquecida a um nível não significativo quando analisaram dados na faixa etária ≥ 65 anos. Sabe-se que a velocidade da onda de pulso está positivamente associada à idade. Dos muitos fatores de risco associados à DE e RA, a idade e a hipertensão são, de longe, os fatores mais importantes que influenciaram a função vascular. O envelhecimento per se é um promotor de rigidez arterial, especialmente na população idosa. Consequentemente, isso pode mascarar as associações entre VOPTB para LOA na faixa etária ≥ 65, mas não em pacientes < 65 anos.

Conclusão

Os biomarcadores VOPTB e DFAB foram independentemente associados a um risco aumentado de LOA em pacientes com hipertensão, especialmente entre menores de 65 anos de idade. Pacientes com velocidade da onda de pulso branquial-tornozelo elevado e parâmetros de dilatação medida por fluxo de artéria diminuídos apresentaram risco aumentado de lesão órgão-alvo. A combinação dos biomarcadores melhorou significativamente a predição de LOA em pacientes com hipertensão, indicando que a aplicação simultânea deste modelo pode melhorar ligeiramente a discriminação da lesão dos órgãos-alvos nestes pacientes.