"A publicidade cumpre as funções de uma falsa educação alimentar com o único propósito de vender um produto." Esse é um dos postulados levantados pela doutora em Antropologia Patricia Aguirre, em seu novo livro Devorando o planeta (Ed. Capital Intelectual), que mostra as consequências para a saúde de um sistema alimentar pautado pela lógica do mercado e como ao mesmo tempo, danifica o único habitat que temos.
Em seu novo texto, a especialista em antropologia alimentar reflete sobre a 'ilusão' da autonomia na hora de escolher o que comemos e como as propagandas nos orientam na hora de promover um determinado alimento. "Não há comida melhor que outra para um onívoro", postula e enfatiza a ideia de que se deve "comer de tudo, muito diverso, mas pouco".
Em entrevista à IntraMed, apresentada em dois módulos, Aguirre ressaltou que “a maioria dos problemas de hoje não vem de não comer, mas de comer demais”. Aqui, alguns de seus conceitos, em suas próprias palavras.
Qual é o preço que pagamos em nossa saúde pelos modos de produção e consumo de produtos alimentícios? Doença, sem dúvida (e espero que não extinção). A maioria das doenças sofridas pelas populações das sociedades ocidentais de hoje (mercado, urbana, industrial) tem a ver com sua dieta, seja:
• Pela extensão da fronteira produtiva sobre habitats virgens, que produz a extinção de espécies e rearranjo de outras (que se deslocam com suas doenças e vírus, como no caso de morcegos na COVID-19) ou são simplesmente deslocamentos de mosquitos, ratos, esquilos. Há alguns dias lemos sobre as capivaras que se readaptam nas cidades quando seus ambientes naturais são destruídos. Esses animais se movem com suas doenças e seus vírus, que podem evoluir pulando a barreira das espécies (como já aconteceu centenas de vezes) e nos infectando. Antigamente as vacas nos davam tuberculose, varíola; patos, gripe. O avanço da fronteira produtiva é uma ocasião de doença.
• A poluição produzida pela forma como produzimos nossos alimentos é mortal e torna essa produção insustentável ao longo do tempo. Estamos envenenando a terra, a água e o ar com essa forma de produzir grãos e carnes. O uso de agroquímicos é monstruoso na Argentina: representa uma carga de exposição de 11 litros por pessoa por ano. Alguém acha que esses venenos que matam insetos são inofensivos para outros animais ou para nós mesmos? Médicos de aldeias fumigadas têm 30 anos de experiência lutando para combater a carga de doenças que essa forma de produção carrega. Genotoxicidade, esterilidade e cânceres de todos os tipos são comuns no campo: onde anos atrás os habitantes das cidades se retiravam para respirar ar puro, hoje são os lugares mais insalubres do planeta.
Os incubatórios industriais de frangos são fontes de doenças e pragas no local e distantes: as carnes que são produzidas pela aplicação massiva de antibióticos em animais causaram uma evolução artificial de bactérias resistentes a antibióticos para as quais não temos mais tratamento.
A atual forma de produzir alimentos (modelo extrativista) não apenas elimina a diversidade de paisagens e espécies, ajudando a criar doenças, como novas zoonoses; não só contamina os ambientes e as pessoas no local onde é produzido, mas também nos rouba a possibilidade de tratar doenças conhecidas criando bactérias resistentes a antibióticos.
Hoje não é a desnutrição ou a fome que é a principal preocupação: é o sobrepeso, a obesidade e as doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão, acidente vascular cerebral (cardiovascular e cerebrovascular), cânceres de todos os tipos, altamente dependentes do que escolhemos produzir para comer carboidratos, açúcares e gorduras, enquanto os alimentos mais ricos em nutrientes (frutas e vegetais, laticínios, carnes) são os mais caros e a quantidade que ingerimos depende do nosso orçamento.
Por produção, quantidade e qualidade, nossa alimentação é produtora de doenças. E se contaminamos o único planeta que temos, não apenas prejudicamos a terra, água e ar mas também as espécies que vivem com a gente. É por isso que, em autodefesa, essa forma “extrativista” de produzir alimentos deve ser mudada, porque muito se produz, mas a um custo ecológico muito alto.
Quem decide o que comemos? Este é um momento da história da cultura onde há uma verdadeira cacofonia de vozes sobre a boa alimentação: nutricionistas; tesoureiros; anunciantes; industrial; vovós…
Hoje o indivíduo deve escolher sozinho, sem a ajuda da cultura que no passado oferecia pouquíssimos discursos legítimos sobre a boa alimentação, como o da avó (tradição), da economia, do médico ou do padre.
Hoje "todo mundo sabe", mas na realidade há uma grande confusão, ou seja, "ninguém sabe". Assim, o indivíduo decide sozinho, rendido, nas mãos da publicidade da indústria, que venceu a batalha contra a educação alimentar.
Portanto, a publicidade e a renda costumam decidir: não comemos o que queremos ou o que sabemos, comemos como podemos.
Qual deve ser a solução para não devorar o planeta?
• Mudar a conduta dos sujeitos por estruturas.
• Atuar nas instituições para alterar leis e regulamentos em favor da saúde e do meio ambiente.
• Não subestime a força do restaurante em uma sociedade de consumo.
• Adote dietas para que haja um amanhã, ou seja, que sejam:
-Consciente e razoável, avaliado pelo sujeito com base na vida que traz prazer e não culpa.
-Recuperar a cozinha.
-Frugal, visando a restauração do meio ambiente.
-Locais
-Com mais vegetais (embora não seja vegetariano, devemos comer tudo, mas pouco).
-Que garantam uma certa segurança biológica (por exemplo, que sejam orgânicos e amigáveis).
*Dr. Patrícia Aguirre. Antropóloga especializada em antropologia alimentar. Pesquisadora e professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Nacional de Lanús. Autor do livro “Devorando o planeta”.
Ficha técnica do livro
- Título: Devorando el planeta
- Autora: Patricia Aguirre
- Editorial Capital Intelectual
- ISBN: 978-987-614-643-2
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