A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune crônica, sistêmica e altamente debilitante, com envolvimento predominantemente articular. Em termos epidemiológicos, a sua prevalência oscila entre 0,5 a 1%, afetando principalmente o sexo feminino, registrando-se um pico de incidência entre 40-60 anos de idade.
Embora a etiologia da AR permaneça desconhecida, muitas causas têm sido apontadas como possíveis contribuintes – fatores genéticos, hormonais, infecciosos e ambientais – que predispõem ao desenvolvimento do processo inflamatório caracterizado pela produção exagerada de citocinas pró-inflamatórias, com consequente ativação de células do sistema imunitário, produção de ROS e liberação de enzimas líticas articulares. Dessa forma, a doença se inicia a partir de um processo inflamatório, liderado por macrófagos e linfócitos, que atingem a cartilagem articular com sua destruição progressiva.
O tratamento da AR inclui uma combinação de anti-inflamatórios não estereoidais (AINEs), drogas antirreumáticas modificadoras da doença (DMARDs) e corticosteroides, que atuam reduzindo a dor e a inflamação. No entanto, raramente estas terapêuticas são totalmente eficazes e os seus efeitos secundários não são desprezíveis. Consequentemente, muitos pacientes procuram alternativas, incluindo suplementos nutricionais.
Os hábitos alimentares podem representar tanto um fator de risco como de proteção, segundo as propriedades dos alimentos. Certas preferencias na dieta podem favorecer a inflamação (por exemplo, alimentos processados, sal, ingesta calórica excessiva), ou, o contrário, reduzir a inflamação (azeite de oliva virgem, peixe, frutas, verduras).
A maior prevalência da AR é encontrada nos países ocidentais.
A dieta ocidental moderna, caracterizada por uma alta ingesta de produtos processados, gorduras saturadas e trans, um alto consumo de carboidratos refinados (massa, pão, pizza) criam um desiquilíbrio entre ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 que se associam a um maior risco de AR principalmente através do aumento da obesidade, inflamação e resistência à insulina.
Vários estudos demonstraram que a alimentação possui um papel central no curso da AR, particularmente no alívio dos sintomas e na redução das complicações resultantes. Face às propriedades anti-inflamatórias de alguns nutrientes, a ciência e a indústria atuam em conjunto na criação de suplementos capazes de suprimir a liberação de mediadores inflamatórios, contribuindo para um controle sintomático da doença.
Sendo a artrite reumatoide uma doença inflamatória, caracterizada pela ativação de mecanismos imunológicos, bem como liberação de citocinas e outros mediadores com propriedades inflamatórias, torna-se pertinente avaliar o impacto que determinados alimentos e/ou nutrientes, dotados de propriedades anti-inflamatórios, possam ter na reversibilidade dos sintomas. Com isso a French Society for Rheumatology estabeleceu princípios e recomendações na dieta de pacientes com AR para profissionais de saúde, com objetivo de explorar o seu potencial terapêutico, avaliando os benefícios inerentes a ela.
Princípios |
- O aconselhamento nutricional só pode ser considerado complementar ao tratamento farmacológico, não deve substituir a terapêutica padrão.
- O aconselhamento nutricional deve ser baseado na literatura científica.
- O suporte nutricional está integrado no atendimento de pacientes acometidos pela AR. A alimentação é um dos principais determinantes da composição da microbiota intestinal, que pode impactar a saúde por meio de modificações locais (permeabilidade intestinal e pela imunidade intestinal) ou sistêmicas (estimulação de terminações nervosas e eixo intestino-cérebro, liberação sistêmica de metabólitos derivados da microbiota, hormônios, antígenos, etc.). Sendo assim, ela impacta diretamente na saúde do paciente.
- Abordar os hábitos alimentares pode ajudar aos pacientes a estarem ativamente envolvidos no cuidado geral da AR. Mudar a alimentação através da educação também é um meio para os pacientes participarem ativamente no tratamento, além da adesão à medicação.
- A orientação nutricional deve levar em consideração os efeitos intra e extra articulares, principalmente cardiometabólico e ósseo. Os pacientes com AR têm um risco aumentado de doenças cardiovasculares e risco de osteoporose devido à inflamação crônica. Esses componentes extra articulares carregam um peso na relação risco/benefício que foi avaliada na elaboração das recomendações.
- A orientação nutricional deve levar em consideração o contexto socioeconômico e cultural. É necessário lembrar que comer também é uma fonte de prazer e de interação social e que dietas de exclusão podem ter impacto psicossocial, além do risco de deficiências.
- A orientação nutricional é indissociável da promoção do exercício.
- Se existirem outras recomendações nutricionais que são específicos para uma doença, condição clínica ou tratamento associado, estes continuam a se aplicar (por exemplo, desnutrição, obesidade, sarcopenia, osteoporose, etc.).
Recomendações |
- Em pacientes com excesso de peso ou obesos, o suporte à perda de peso deve ser proposto para controlar a atividade da doença, além de apresentarem efeitos cardiometabólicos e psicológicos benéficos.
- Dieta isenta de glúten não deve ser proposta como meio de controle da inflamação crônica reumática, na ausência de doença celíaca confirmada. Alguns pacientes relataram que seus sintomas melhoraram após eliminaram o glúten de suas dietas, no entanto, não existem estudos que comprovem os efeitos de uma dieta sem glúten. Além disso, o custo dos alimentos sem glúten é em média o dobro do padrão correspondente e seguir a dieta pode ter impacto na vida social do paciente.
- Jejum ou dietas veganas não devem ser propostas para controlar a atividade de doenças reumáticas inflamatórias crônicas. Dados sobre esses tipos de dieta não sugeriram nenhum alívio dos sintomas articulares, e enquanto um jejum prolongado de sete dias demonstrou alguns efeitos benéficos, esses não foram mantidos uma vez que o paciente retornou a se alimentar.
- A eliminação de produtos lácteos não deve ser proposta para o tratamento de doenças reumáticas inflamatórias crônicas.
- A suplementação com ácidos graxos poli-insaturados, principalmente ômega-3, acima de 2 g por dia, pode ser proposta para alívio sintomático em pacientes com AR e provavelmente para aqueles que sofrem de outras doenças crônicas inflamatórias. No total, trinta e um estudos demonstraram que a suplementação levou a uma diminuição significativa de todos os parâmetros clínicos avaliados da doença e a uma redução significativa na velocidade da hemossedimentação. A suplementação em doses mais altas foram associadas a um risco aumentado de sangramento.
- Uma dieta do tipo mediterrâneo pode ser proposta para pacientes que têm AR e provavelmente àqueles afetados por outras doenças inflamatórias crônicas devido aos seus efeitos nos sintomas articulares e principalmente nas doenças cardiometabólicas.
- Para controlar a atividade da doença reumática inflamatória, não há indicação para propor a suplementação de vitaminas (B9, D, E, K) ou oligoelementos (selênio e/ou zinco).
- Dado que os dados sobre a eficácia dos probióticos são insuficientes e díspares, eles não são recomendados para o controle da inflamação crônica reumática.
- Certos suplementos (açafrão, canela, alho, gengibre, concentrado de romã) podem ter efeitos benéficos na atividade da doença da artrite reumatóide mas os dados são muito limitados para propor seu uso na prática.