Música e medicina | 30 MAR 24

Comfortably numb: interpretações sobre o entorpecimento

A canção de Pink Floyd possui múltiplas interpretações, embora Roger Waters tenha confirmado que a letra foi inspirada quando ele sofreu uma forte febre quando criança
Autor/a: Celina Abud 

Vamos/ ouvi dizer que você se sente mal/ Bem, posso aliviar sua dor/ colocá-lo de pé novamente.” Este é o segundo verso do clássico do Pink Floyd “Comfortably numb”, incluído no segundo álbum da ópera rock The Wall, bem como no filme de mesmo nome.

A música, lançada em 1979, foi alvo de múltiplas interpretações, inclusive associações ao uso de drogas. Porém, todas essas versões foram desacreditadas pelo autor de sua letra, Roger Waters, que confirmou que ela se baseava em uma lembrança de quando adoeceu na infância. Embora na linguagem do rock progressivo, esta icônica música poderia ser uma transcrição entre um diálogo entre médico e paciente, principalmente se você levar em conta o seguinte verso: “Relaxe/ Preciso de algumas informações primeiro/ Apenas os fatos básicos/ Você me mostrará onde Isso dói?"

“Lembro-me de estar gripado ou algo parecido, com uma infecção. E fora uma temperatura muito alta e eu estava delirando. Não era como se as ‘mãos parecessem balões’, mas pareciam muito grandes, assustadoras”, disse Waters e suas palavras são quase idênticas às do refrão: “Quando eu era criança, tive febre / Minhas mãos pareciam dois balões." Na verdade, já adulto, ele voltou a sentir o mesmo desconforto antes de subir ao palco. Algo que ele também diz na música: “Agora, estou com aquela sensação de novo/ Não consigo explicar, você não entenderia/ Esse não sou eu…”.

Mas a conclusão desse refrão é “E adormeci confortavelmente”. Um final que vale a pena parar não só porque dá título à música, mas também porque é a frase que abre o leque para múltiplas interpretações. Tanto do ponto de vista fisiológico quanto de um ponto de vista mais filosófico.

História da música e sua aparição no The Wall

Vamos passar aos fatos, ou como diz a música, “os fatos básicos”, e depois nos aprofundarmos nas metáforas. A melodia vocal do refrão e seus acordes foram compostos por David Gilmour e foi uma demo que ficou de fora de seu primeiro álbum solo. Quando Gilmour trouxe aquela demo para as gravações de The Wall, Waters ajudou a completar a melodia, além de escrever a letra completa. Ele também adicionou a linha "Eu me tornei confortavelmente entorpecido" e sua melodia vocal.

Por fim, Gilmour gravou os dois famosos solos de guitarra que caracterizam este clássico, complexo desde a letra e a música, capaz de criar atmosferas e tocar fibras emocionais dos mais diversos públicos.

Mas além de estar no álbum, a música aparece no filme The Wall, com roteiro também escrito por Waters e cujo protagonista passa por uma crise na vida adulta desencadeada por experiências de infância, marcada pelo abandono do pai desde que teve que ir para a guerra e a superproteção de sua mãe. A frase “Confortavelmente entorpecido”, então, do ponto de vista do trauma, poderia descrever a sensação quando medicamentos psiquiátricos são administrados para acalmar episódios. Uma alienação da realidade, após “um pequeno furo”, que poderia gerar “um pequeno desconforto” como efeito adverso.

Interpretação fisiológica: lascívia

Se tomarmos ao pé da letra a explicação de Waters sobre o que o inspirou a escrever a letra de “Comfortably numb” – e um possível diálogo com o médico, que tenta entender o que está acontecendo além do sintoma – poderíamos associá-la ao conceito de lascívia que se sente ao adoecer, como cansaço, diminuição do apetite e uma certa tristeza.

O artigo “Sentir-se doente é uma emoção destinada a ajudá-lo a melhorar mais rapidamente”, do antropólogo da Universidade de Oregon, Joshua Schrock, fala sobre como, da perspectiva da medicina evolutiva, os sintomas que acompanham a doença (e não a doença em si) existem para o corpo descansar e alocar toda a sua energia para ativar o sistema imunológico.

 

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