A performance em esportes de resistência é determinada por parâmetros fisiológicos como o consumo máximo de oxigênio (VO₂máx), a economia de corrida e o limiar de lactato. O treinamento físico regular, especialmente entre corredores de longa distância, contribui para a melhora desses indicadores, particularmente a economia de corrida.
Estudos já descreveram o perfil fisiológico de um maratonista de 70 anos que completou uma maratona em 2h54min, quebrando o recorde mundial da sua faixa etária. Em outro caso marcante, um atleta belga correu uma maratona por dia durante 365 dias consecutivos em 2010 — um dos maiores feitos da história do esporte, sem acompanhamento clínico documentado.
Mais recentemente, um corredor amador brasileiro propôs completar 366 maratonas em 366 dias consecutivos, buscando estabelecer um novo recorde mundial. Como os efeitos desse esforço prolongado sobre o sistema cardiovascular ainda são desconhecidos, Souza e colaboradores (2025) monitoraram regularmente o atleta ao longo do desafio, com o objetivo de identificar possíveis adaptações cardíacas decorrentes dessa rotina extrema.
Durante a avaliação pré-estudo, o atleta passou por uma avaliação clínica pré-participação (APP) com anamnese, eletrocardiograma (ECG), exames laboratoriais e teste cardiopulmonar de exercício (TCPE). Durante os 12 meses de acompanhamento, foram realizadas avaliações periódicas da composição corporal, análises sanguíneas, ecocardiogramas bidimensionais com Doppler e speckle-tracking, além de TCPE mensal em esteira com análise respiratória contínua e ECG de 12 derivações — iniciando três meses após o início das maratonas — para monitorar a função cardíaca e detectar possíveis adaptações cardiovasculares.
O maratonista, de 43 anos, apresentava excelente condição física na avaliação pré-participação, com VO₂máx de 52 ml/kg/min, baixo percentual de gordura corporal (12,6%) e parâmetros clínicos e laboratoriais dentro da normalidade. A avaliação inicial também descartou fatores de risco cardiovasculares relevantes, como histórico familiar de cardiomiopatias ou alterações eletrocardiográficas. No primeiro TCPE, o atleta foi orientado a manter intensidade próxima ao primeiro limiar anaeróbico durante as maratonas.
Ao longo dos 12 meses de acompanhamento, o VO₂máx se manteve estável (49 ml/kg/min), assim como os principais biomarcadores, a composição corporal e os exames cardiológicos, sem sinais de arritmias, inflamação ou disfunções estruturais. A frequência cardíaca média durante as maratonas foi de 140 bpm e os testes de esforço mensais demonstraram segurança cardiovascular para continuidade do desafio. Além disso, os ECGs seriados e ecocardiogramas também não revelaram alterações significativas. A ausência de efeitos adversos pode ter sido atribuída à intensidade moderada mantida durante as corridas, em contraste com relatos de que volumes intensos e contínuos possam contribuir para arritmias ou calcificação coronária.
O atleta ainda manteve uma rotina paralela de fortalecimento muscular, com consumo médio de 4.716 kcal diárias, participou de mais de 100 sessões de acompanhamento psicológico e documentou todas as maratonas com o uso de smartwatches. A maratona mais rápida foi concluída em 3h54min e a mais lenta em 10h21min, com tempo médio de 5h08min. Apesar de um episódio de pubalgia em janeiro de 2023, tratado com fisioterapia até agosto, o atleta manteve o volume diário de corrida durante todo o estudo.
Em conclusão, esses dados reforçaram a capacidade adaptativa do sistema cardiovascular frente ao exercício extremo de longa duração, com estabilidade funcional ao longo das 366 maratonas consecutivas. O estudo de de Souza e colaboradores (2025) representou o primeiro acompanhamento contínuo e abrangente de um caso como esse, destacando a importância de avaliações clínicas regulares e controladas em atletas submetidos a desafios extremos.