A imprecisa fronteira entre a medicina e a vida | 09 SEP 23

O olhar dos outros

A cerca da medicina, academia e a vida privada
Autor/a: Daniel Flichtentrei 

Existe uma medicina que é praticada nos corredores dos hotéis cinco estrelas e nas academias. É muito interessante, deslumbrante, devora a cabeça. Está cheio de pessoas valiosas e inteligentes. Mas também está infectada de fanfarrões e egocêntricos. É sedutora e mentirosa. Cheira a perfume de loja gratuita. É falso como o espelho da madrasta da Cinderela.

Mas também há pessoas...

A mulher que te mira com seus enormes olhos azuis e te pede ar. O homem que segura o peito e fecha a mão como uma garra sobre o terno, que te olha perguntando se isso é morte. A mãe que coloca nos braços um bebê encharcado de suor, tremendo no meio de uma convulsão. Ela grita com você, sem dizer uma palavra, com a boca e as mãos cerradas, que você sabe, que pode, que você é Deus e por isso ela te dá isso. Uma velhinha magricela foi deixada em uma cama de hospital que ninguém jamais veio ver. Ela está te observando e pede que você segure a sua mão. Que você a toque. Porque morrer sem outra pele tocando a sua é desumano, indigno, miserável. E você aperta seus dedos magros e espera que a morte a leve embora em paz. O velho que te pergunta se os filhos dele estão lá fora. Ele fica esperando sua resposta com os olhos fixos nos seus. Você primeiro fica em dúvida, mas diz a ele que sim, que passaram a noite inteira acordados, que estão preocupados, que devem amá-lo muito pela forma como perguntaram sobre ele. Que mais tarde você os deixará visitá-lo, mesmo que por pouco tempo. Mas não há ninguém de fora. Você mentiu para ele. Nunca houve ninguém.

 

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